domingo, 12 de fevereiro de 2017

Vida Roubada - Capítulo 31



            O dia que amanheceu carrancudo e cheio de nuvens de chuva prometia tempestade para qualquer hora. Apropriado, pensou Elizabeth. Por um pedido de Miguel, que desejava evitar discussões, ela não conversou com Beatriz na noite anterior. Sabia que a irmã havia sofrido de um mal estar enquanto visitava o namorado na cadeia, a ouviu chegar e ir para o quarto, mas nada fez.

- Agora pela manhã nós vamos falar, não há como fugir.
            - Eu sei. Mas que seja com calma, como irmã e não como inimigas. Seja paciente com Bia. Ela passa por um momento difícil, além disso, Benício não aguenta mais uma mamãe tão estressada. – Miguel lembrou, antes de beijá-la e sair. – Procure ficar em casa descansando.

            Ela até desejava, mas seus planos mudaram após o café da manhã junto de Beatriz. Elas não entraram na repetitiva discussão a respeito do caráter de Sebastian. Mas falaram do futuro. E isso obrigou Liz a tomar uma atitude.

            - Está melhor? – Ela perguntou à irmã assim que se sentaram à mesa de café.
            - Vejo que as fofocas correm na polícia tanto quanto numa redação de jornal.
            - Eu tenho amigos. E eles se preocupam comigo e também com você. Não precisa ser agressiva. – Elizabeth respondeu, preocupada com o quanto, mesmo vivendo juntas, elas estavam afastadas. – Você está doente?
            - Foi só minha pressão. É natural, em meio a tantos problemas.
            - Tem certeza que é só isso? Quando me falaram eu temi...bom fiquei receosa que o desmaio fosse...fosse causado por...
            - Eu não estou grávida. – Bia foi mais direta que a irmã, algo raro entre as duas. – Eu fiz uma injeção cuja ação é muito eficiente. Eu e Sebastian talvez um dia teremos um filho, mas não em meio a essa situação.
            - Sim, é claro. – Ela se mantinha firme na ideia de manter uma relação com seu comprador. O que significava que o protegeria no depoimento. Mas Elizabeth tinha uma última munição para usar e estendeu uma foto à frente da irmã. – Você lembra quem é essa pessoa?


            Beatriz jamais se esqueceria daqueles olhos fortes e já um tanto feridos. Só que agora ela já não estava tão distanciada daquela bela morena, que devia ter perto de cinquenta anos. Quando se conheceram havia um oceano as separando. Hoje estavam lado a lado.

            - É claro que me lembro. É Naná. – Bia respondeu.

            Conhecera Naná ao procurar por pessoas envolvidas com o tráfico humano dispostas a falar. O contato surgiu de repente. Ela soubera através de uma conhecida que havia uma jornalista interessada em ouvir as histórias por trás da vida em cativeiro. Estranhamente, Naná não trazia medo no olhar. Sofrimento sim, e muito. Mas parecia pronta para lutar a próxima batalha. Naná não pediu para ter seu nome ou imagem preservadas. Se disse disposta a expor-se pela chance de lutar por justiça. E afirmou que essa só viria quando o mundo soubesse o que ocorria com quem era levado de sua família para a prostituição forçada.

            - Naná me procurou enquanto você esteve fora. Ela ficou sabendo pela mídia o que aconteceu e veio prestar solidariedade. Disse que acreditava em você tinha certeza que tudo se resolveria. – Elizabeth explicou. – Tenho certeza que Naná está acompanhando pelas revistas esse enredo mexicano seu com Sebastian Gonzáles.
            - Porque você está dizendo isso? – Beatriz encarava a foto lembrando-se de toda a conversa tida com a mulher. Parecia que uma vida inteira havia se passado desde então, não alguns meses.



            - Você sabe muito bem. Estou te apresentando um exemplo claro de como o seu depoimento irá impactar na vida de muita gente. Não se trata apenas de Sebastian, Bia. Se escolher mentir, irá proteger uma série de criminosos e decepcionar centenas, ou milhares, de brasileiros como Naná. Gente que precisa de justiça pelo que sofreu. Quantas mães sabem que as filhas não voltarão porque morreram na Europa, nas mãos de gente como Gabriela e Sebastian? O pais de Will, por exemplo, ainda choram a morte do filho, sem nem mesmo entender o que se passou.
            - Pare de me torturar! – A pressão estava acabando com Beatriz. De um lado Sebastian, do outro Elizabeth. Ele vencia pelos sentimentos, ela lhe ganhava na justiça dos argumentos.
            - É para o seu bem. Eu lhe conheço, minha menina. Sei que se você mentir agora, não irá se perdoar depois. Conheço a sua índole. Eu lembro bem da menina que entrou na faculdade querendo mudar o mundo e saiu de lá confiante em pelo menos poder denunciar o que estava errado. Se Sebastian realmente a amasse, ele não pediria para você ir contra o que acredita.
            - Ele não pediu Liz. – E talvez, caso ele tivesse lhe pressionado, fosse mais fácil condená-lo a cadeia. – Eu vou pensar no que fazer para ser mais justa. E você poderia também ser justa e ao menos ouvir Sebastian. Você sabe que todos têm direito a defesa.

            Beatriz saiu sem explicar para onde ia. Elizabeth imaginou que ela iria se isolar para tomar as próprias decisões. Agora não havia mais o que fazer, a não ser esperar que a irmã agisse com sensatez. Agora teria outra conversa difícil. Dessa vez seria obrigada a ouvir Sebastian e lhe dar uma chance de se defender. Não que quisesse. O faria apenas pelo pedido de Beatriz.



            Ela não deveria poder encontrar com Sebastian. Ele já tinha recebido a visita de Beatriz e do seu advogado. Mas, às vezes, era necessário fazer uso das facilidades trazidas pelo distintivo. Ela foi abraçada pelo chefe da carceragem, que lhe perguntou para quando era aquele grande bebê e lhe garantiu que podia conversar com o preso por quanto tempo julgasse necessário. Ao que parecia, Gonzáles, como ali Sebastian era chamado, mantinha-se calado a maior parte do tempo, sem interagir com ninguém, seja dos presos ou da guarda. O único pedido feito até o momento foi de notícias a respeito da namorada.
            Tudo levava Elizabeth a visualizar um homem que nada tinha com o Sebastian imaginado por meses. Quando enfim ficaram cara a cara, ele lhe pareceu um homem abatido, com os ombros um pouco mais pesados, porém, com a mesma provocação sempre carregada no olhar. Era como se ele a desafiasse a cada respiração.

            - Queria me ver. Aqui estou, Sebastian. Espero que tenha algo de importante para me dizer. – Ela lhe disse sentando-se à sua frente.

            Sebastian encarou aquela mulher, tão parecida e tão diferente de sua Beatriz, e viu-a ajeitar-se desconfortavelmente numa cadeira. Não deveria, diante de tudo o que aconteceu e do ódio que ela sempre manifestou contra ele, mesmo antes dele saber de sua existência.

            - Já não era sem tempo, não acha? Apesar de você parecer conhecer minha vida muito bem, nunca tivemos uma conversa olho no olho. Você não me conhecer, Elizabeth. – Sebastian argumentou.
            - E ainda não decidi se desejo conhecer, Sebastian.
            - Eu acho que nós não temos escolha. Como está Beatriz?
            - Confusa. Você conseguiu lhe confundir o pensamento. Mas ela se recuperou bem do mal estar de ontem.
            - Fico mais tranquilo em saber. – Ele respirou aliviado e, enfim, pode se concentrar no que precisava dizer a Elizabeth. - Não pretendo deixar a vida de Beatriz e ela também quer permanecer na minha. Você ficará longe de sua irmã, apenas para me evitar?
            - É claro que não. Mas eu ainda tenho esperança de que ela caia na real e veja que a ideia de atar-se a um homem capaz de comprar mulheres é vergonhosa. Mas sejamos objetivos, Sebastian. Queria me ver e aqui estou eu. É sua chance de mudar meu pensamento.

            Sebastian tinha uma última cartada. Mas a postura ofensiva de Elizabeth não lhe trazia boas perspectivas. Tudo o que ele podia, já tinha combinado com seu advogado, era oferecer à Polícia Federal um acordo em que passaria todas as informações disponíveis em troca da liberdade, mesmo que vigiada. As chances, Aristeu lhe adiantou, cresceriam caso conquistasse o apoio da investigadora que, mesmo afastada oficialmente do caso, esteve a frente dele por anos, era respeitada na polícia, ainda a comandava e seria decisiva na decisão final do juiz. Além que pôr fim aquele ódio platônico, precisaria, sobretudo, fazê-la acreditar no que ele falava e lhe provar ter intenção e condições concretas de ajudá-la a colocar fim a todos os braços daquela quadrilha. E, principalmente, prender Gabriela Alencastro.

            - Você pode não acreditar, Elizabeth, mas eu sou um dos grandes interessados em ver tudo esclarecido. Mesmo sabendo que esse esclarecimento afetará a minha família e os meus negócios gravemente. Ainda assim, eu estou disposto a pagar o preço.
            - Por quê? Até agora o seu discurso está lindo, Sebastian, mas não explicou o que faço aqui. E vamos deixar claro que ‘é irmã da mulher que eu amo’ não colará. Seja claro, sim? Meu filho pode nascer a qualquer momento e eu não desejo estar aqui na prisão.
            - Sinto muito, mas sim, você é a irmã da mulher que eu amo. E cada minuto que você passar aqui valerá a pena porque, esse caso, que fez nossas vidas se cruzarem, é muito especial para você. E...
            - Objetividade, já falei...
            - É claro. – Apesar da seriedade do momento, Sebastian estava achando graça dela. – Eu usei serviços sexuais em muitas cidades da Europa, por anos. Conheci boates de todos os tipos e era um cliente vip em muitas. Você deve entender por que.
            - Abusou de mulheres por anos, usando do seu dinheiro sujo para subjugá-las. Ótimo. Era para eu gostar da informação?
            - Em primeiro lugar, meu dinheiro é limpíssimo, conquistado com anos de trabalho duro. E sim, algumas dessas mulheres podem ser oriundas de tráfico. Mas muitas estavam bastante felizes em alugar o prazer de seus corpos por valores bem satisfatórios. Eu simplesmente não me preocupava em distinguir os casos. Usava, pagava e mandava embora. Simples.
            - Usou Beatriz! – Liz deseja ser impessoal, mas não conseguia.
            - Sim. E ela gostou. – Sebastian ergueu a voz. – Mas não me orgulho disso. E pretendo remediar isso.
            - Tem 10 segundos para explicar claramente como. Depois eu saio dessa cela e não volto nunca mais.
            - Onde você acha que Gabriela está, Elizabeth? Você é uma mulher inteligente...duvido que não tenha feito deduções interessantes.
            - Está dizendo que sabe onde Gabriela Alencastro está se escondendo? – Agora Elizabeth interessou-se. – Fale!
            - Não exatamente...mas eu tenho boas dicas para lhe passar, caso, é claro, a polícia esteja interessada num acordo.
            - Me chantagear não é boa ideia.
            - Acordo, Elizabeth. Até porque eu jamais chantagearia minha cunhada e é isso que seremos assim que eu sair da cadeia e possa pedir Beatriz em matrimônio, adequadamente.
            - Você é louco!
            - Todo homem apaixonado é um pouco. Mas esse louco aqui pode ajudá-la a ligar os últimos elos da sua investigação. É pegar ou largar. Eu posso passar a vida na cadeia enquanto Beatriz sofre e Gabriela segue a vida. Ou posso te ajudar. Meus 10 segundos acabaram. Você vai embora?

            O desafio estava lançado. E por mais que desprezasse aquele homem, Elizabeth agora via coisas que gostava. Ele realmente parecia nutrir sentimentos por Beatriz. Além de possuir uma inteligência ágil e ácida, Sebastian parecia disposto a se queimar para ver Gabriela arder nessa fogueira e, ao menos nesse ponto, eles concordavam.

            - Continue Sebastian. Você ganhou mais alguns minutos. Mas o acordo só virá caso você realmente me der elementos concretos. Não pense que irá me enganar. – Ela estava disposta a oferecer uma chance a Sebastian Gonzáles.



           Bia pretendia passar toda a manhã sozinha, refletindo, antes de dar seu depoimento, marcado para a primeira hora da tarde. Porém, seu novo celular tocou. E o número era bem conhecido por ela. Alguém que ela jamais poderia ignorar, seja em nome de um passado bonito ou da existência do ser mais valioso em sua vida.

            - Rafael...está tudo bem com Eva? – Era estranho agir normalmente, após quase um ano de afastamento da convivência e dos problemas rotineiros.
            - Muito bem. Encantada com a nova amiga. – Ele Precisamos falar, Beatriz. Pessoalmente, e agora.

            Ela pensou em negar, mas mesmo dizendo a si mesma que teria de ser um assunto breve, aceitou ir encontrá-lo no escritório. Por Eva, disse a si mesma, precisava fazer o possível para viverem de forma amigável. Além disso, Rafael precisaria entender que muito em breve Eva estaria vivendo com ela novamente. Era mãe e não pretendia abrir mão desse direito. Porém, ele não parecia interessado em conversas amigáveis.

            - Eu fico sinceramente muito feliz que todas as previsões policiais tenham sido falhas e você esteja viva, Beatriz. A notícia na morte do seu namorado e do seu sequestro foi muito dolorida.
            - Eu imagino... – Ela foi tão sínica quanto ele. Impressionante como o amor da adolescência empedrou de uma forma tão completa no caso deles, não deixando nenhum resquício de bons sentimentos. – Foi por isso que tentou impedir Liz e Matt de conviver com Eva? Tentou nos apagar da vida de minha filha.
            - Não seja dramática. Eu apenas considerei que viver junto a uma investigação policial não era o ideal. Simples assim. E eu lhe chamei aqui exatamente para reafirmar isso. Acho que você deve manter distância de Eva por enquanto, até limpar seu nome e a poeira baixar. Ela não deve ficar no meio disso tudo.
            - Manter distância? Quem você pensa que é para ordenar isso?! – Beatriz revoltou-se.
            - O pai da sua filha.
            - Mentira! Nunca ligou para sua filha. Não a visitava. Não brincava com ela. Jamais lhe deu um banho que seja. Só serviu para fazê-la e para pagar pensão. Então não me venha bancar o bom moço porque eu fiquei um ano fora, mas não tive amnésia. Vou requerer a guarda de Eva e tenho certeza que ganharei. – Ela reafirmou, apenas para ver sua expressão mudar de cor.
            - Será mesmo? Qual o juiz tirará a menina mais uma vez do lar? Dessa vez, estando ela estabelecida com o pai e a avó. E para entregá-la a uma mulher que acaba de passar um ano se prostituindo na Europa, em boates de péssimo nível e, que, ainda por cima, claramente defende um homem que a comprou num leilão.

            A mão direita de Beatriz voou sobre a face de Rafael como nunca antes ela havia feito. O grande anel de pedra que usava chegou a abrir um longo arranhão logo abaixo do olho. E ela, caso pudesse, teria feito o mesmo do outro lado.

             - Me respeite. Não sabe o que eu vivi nesse ano fora. – Ela lhe avisou, após a agressão. – Eu fui escravizada. Não foi uma escolha. E você não vai conseguir usar isso para me afastar de minha filha.
            - Foi uma escolha sim! Você escolheu se meter com essa gente para fazer uma reportagem qualquer. Queria o que? Ganhar uma promoção do jornal? Um prêmio de jornalista do ano? Pois veja o que conseguiu. Se tivesse ficado em casa cuidando da nossa filha, não teria sido sequestrada naquela noite.
            - Não sabe o que está dizendo....
            - Caia na real, Beatriz! E pare de se fazer de vítima. Você teve culpa sim, por não colocar a sua segurança em primeiro lugar. E agora, ainda defende bandido. – Ele continuou atacando.
            - Sebastian não é um bandido. É o homem que eu amo e quem me tirou do inferno. É com ele que eu vou formar uma família...com Eva.
            - É o que veremos. Vamos ver qual juiz vai concordar.

            Ela saiu do escritório do ex-marido sem se despedir. Apesar de irritada, não sentia medo. Era a vítima da história, mesmo compreendendo o argumento ele. Havia se exposto, é claro. Mas não a condenariam por isso. E se houve algo de bom naquele ano como escrava, foi o aprendizado deixado. Ela se sentia pronta para lutar contra adversários bem mais fortes que Rafael.
            Seu ex não passava de um homem imaturo e que jamais deveria ter formado família. Não quando sua única razão de viver era fazer mais dinheiro. Não tinha dúvidas de que quando o orgulho parasse de gritar mais alto ele mesmo entregaria a guarda da filha e assim voltaria a ser um pai de faz de conta, que servia apenas para bancar alguns gastos da menina e receber o cartão de Dia dos Pais da escola. Horas depois, calejada e bastante segura, ela estava à frente do delegado, prestando seu depoimento oficial.



            Começou narrando a noite da morte de Will, mas logo precisou voltar ainda mais no tempo para relatar sua ligação com as pessoas que a levaram sequestrada. Ao que tudo indicava, ao contrário da grande maioria das vítimas, ela não fora escolhida ao acaso.

            - Era uma grande oportunidade profissional. Eu tinha a missão de produzir uma série de reportagens investigativas a respeito do tráfico internacional de pessoas. E, para isso, usei informações da polícia.
            - Através de quem, exatamente? – O delegado questionou. – Sua irmã passou informações privilegiadas?
            - Não. Assim com qualquer jornalista, eu conheço um grande número de policiais. E lancei mão de meus contatos. E não pretendo, nem preciso, revelar minhas fontes.
            - A senhorita acredita que a morte de Willian Davis e seu sequestro se deram pela sua atuação profissional?
            - Não. Se fosse uma represália eu não teria saído viva. Gabriela me manteve viva, e em cárcere, para manter Elizabeth amarrada em sua própria investigação. E também para nos infligir sofrimento.
            - Você acusa Gabriela Alencastro de ordenar o seu sequestro?
            - Sim. E de comandar uma quadrilha de tráfico humano para prostituição, além de lucrar com boates ilegais na Rússia.

            Seu relato prosseguiu com a chegada à Rússia. Gregory e Samantha foram descritos. Ela confirmou a foto do homem que administrava a boate e descreveu sua amante, oferecendo todas as condições da polícia tentar localizá-la. Também falou das vítimas que conheceu por lá, muitas já livres após a polícia estourar o cativeiro. Apresentou, ainda, as parcas informações de que dispunha a respeito dos clientes.

            - As garotas não ficavam sabendo de muita coisa. Havia muitos seguranças. – Ela explicou.

            Até que então chegaram ao momento mais temido por ela. Sua saída da boate, após um leilão ser promovido. Conforme algumas das mulheres que lá estiveram, Sebastian fora o responsável.

            - Elas o descreveram como um homem violento, agressivo e que muda de comportamento rapidamente. Disseram que Sebastian Gonzáles agrediu mulheres da casa repetidas vezes e que se envolveu com você, tomando-a como exclusiva. Até que, logo após um leilão, você desapareceu. – O delegado relatou. – Considerando o fato de vocês ressurgirem juntos, devo crer que elas estavam certas.
            - Está deduzindo errado. – Agora, mesmo às portas da verdade, ela ainda tinha dúvidas. – O leilão foi a coisa mais humilhante que já vivi. Fomos vendidas, feito carne em açougue. Mas não foi Sebastian a me comprar. Um homem chamado Rodrigo Frashëri pagou por mim. Sebastian me tomou dele porque sabia que eu não conseguiria viver ao lado daquele homem.
            - Então Sebastian a comprou. – O delegado afirmou, ignorando o sentimentalismo.
            - Não...não sei na verdade. – Ela mentiu. – Talvez tenha aceito pagar o mesmo que Frashëri. Mas ele desejava apenas zelar por mim. E jamais me tratou com agressividade, me feriu ou deixou que passasse necessidade. Ele me levou para os EUA, e instalou num apartamento.
            - Você era sua propriedade? A escrava ou a namorada? Você tinha a chave desse apartamento?

            Essa era a grande pergunta. Capaz de tirar Sebastian da cadeia ou selar seu destino.

            - Eu fiz uma pergunta... – Ele insistiu.
            - Eu jamais me senti uma escrava.
            - Não foi essa a minha pergunta. Você era livre?
            - Inicialmente...não. Mas nós saímos algumas vezes. Ele me tratava bem, zelava por mim. Jamais fui maltratada e...
            - Porque não procurou a embaixada ou ligou para sua irmã assim que saiu da boate, se ele a salvou?
            - Eu... – Liz, Sebastian, Matt, Paty, Naná, Rafael e Eva estavam em sua mente. Não podia mentir. Mas também não conseguia agir friamente. – Eu não sei...Mas foi Sebastian quem disse que iria me trazer de volta, mesmo que isso representasse sua prisão. Ele jamais soube que eu havia sido sequestrada. Ele foi enganado, tenho certeza.
            - Você o defende? Mesmo ele tendo-a mantido em cárcere privado? Escravisado-a tanto quanto Gabriela.
            - Sem dúvida. É um homem bom, que jamais quis meu mal. Quem precisa ser presa é Gabriela Alencastro.

            Beatriz deixou a entral de polícia chorando. Entre verdades e mentiras ditas, Sebastian não sairia limpo. Mesmo tendo-o protegido de algumas acusações, jamais seria perdoado pelo que fez. De certa forma, ela se sentia mais leve. Fizera o certo, cumprira o que Sebastian lhe pedira, assim com Liz. Mas seu coração estava pesado.
            Cabisbaixa, encontrou Elizabeth ao entrar no apartamento. Eram 17hs e a irmã preparava uma xícara de chá e falava ao celular. Acelerada como de costume, ela mexia as mãos e caminhava de um lado para o outro. Mesmo triste, Bia pensou no quanto se orgulhava da irmã. Tão justa e forte, ela soubera reerguer-se de muita dor. E ela se inspiraria em Elizabeth para sobreviver a dor que agora lhe cortava o peito.

            - Como você está? – Ela lhe perguntou assim que desligou o telefone.
            - Destroçada. – Resumiu ela. – Mas eu fiz o que você queria.



            - O seu sofrimento não me alegra, Bia. Nem um pouco. Ao contrário. Eu queria poder protegê-la de tudo isso.
            - Eu sei. Mas não pode. – No fundo, ela entendia ter feito o certo. E sabia que teria chegado ao mesmo destino mesmo se Elizabeth não a tivesse pressionado. Porque era o certo a fazer. – Eu não a culpo, Liz. Apenas não queria estar nessa situação.
            - Sua...sogra telefonou. Parece que ela e a filha de Sebastian estão vindo para o Brasil. O advogado dele está cuidando de tudo, mas...Sebastian quer que você zele por elas aqui. Como dinheiro não é problema, você poderá instalá-las no hotel que preferir. – Elizabeth informou, agora conformada com a forma como a vida de sua irmã tinha mudado. Não se tratava de algo passageiro, concluiu.
            - Não sei se dona Angelina irá querer a minha companhia quando souber que não protegi seu filho no depoimento.
            - Ele não precisa ser protegido, Bia. E, pelo que Rebeca me detalhou dos autos do processo, sua fala foi até mais branda que a do próprio Sebastian. Ele não negou ter pago para tê-la, nem apresentou qualquer desculpa para tê-la mantido presa. E ele não espera que você mentisse. Fique tranquila.

            Beatriz notou que havia em Elizabeth um novo tom de voz para falar de Sebastian. Não era mais tão amarga ao citar seu nome e parecia não afastar qualquer ideia de relacionamento com ele. Talvez fosse porque agora o destino estava selado e não havia mais nada a fazer.

            - Não importa. Ele vai passar anos preso...e o meu depoimento colaborou para isso. – Dizer em voz alta fazia doer ainda mais.
            - Não, ele não irá. – Liz afirmou.



            - Por que diz isso? – Ela não queria se permitir sonhar, mas a esperança tomou os olhos de Beatriz. – Eu não neguei...
            - Mas também não confirmou nem denunciou nenhum crime hediondo ou contra a vida, que impossibilitaria um acordo. Ao menos por enquanto, tudo o que pesa contra Sebastian Gonzáles é um denúncia de agressão cuja vítima comentou em juízo, mas voltou atrás na hora e assinar o depoimento, e a acusação de ter comprado você e tê-la mantido presa. Mas nesse caso o seu depoimento o abona muito, com todo aquele papinho – mentiroso, aliás – de que ele não sabia o que fazia e a tratava como a uma namorada. Nada há de comprovado contra ele, forte o bastante para impedir um acordo.
            - E quais são os termos desse acordo? Até hoje cedo você não cogitava isso.
            - Você pediu. E eu fui conversar com ele. Reconheço que Sebastian é bastante tentador e convincente, quando quer. Ele me ofereceu informações relevantes e eu pedi que Rebeca e Tom façam um acordo formal. Seu namorado será solto em breve...
            - Liz...eu nem acredito! Muito obrigada! Muito! – Ela falava e abraçava a irmã, inundada pela felicidade. Liz não mentia, se afirmava aquilo, era a verdade.
            - Acalme-se! – Liz gostou de ver a irmã sorrindo, mas precisou ser direta. – Não estou prometendo absolvição. Ele terá de se acertar com a justiça. Isso caberá ao advogado dele. Mas o acordo no qual ele passa todas as informações de que dispõem, logo deve ser oficializado. E ele ganhará a liberdade temporária e vigiada.
            - Obrigada! Muito obrigada! – Então ela se lembrou de perguntar algo importante. – O que Sebastian ofereceu para você de tão importante?
            - Várias coisas. Entre elas, endereços de boates que ele frequentou e que podem servir de esconderijo para Gabriela. Se a prendermos, as chances de Sebastian melhoram muito.




            Se dependesse de Samantha, Gabriela já estaria morta. Elas vinham convivendo sob o olhar atendo de Nikolay. E em alguns momentos ela tentou convencê-lo a dar cabo da antiga rival. Ainda não havia conseguido. Não que Nikolay nutrisse alguma simpatia por Gabriela. Ela é que era muito esperta e conseguiu mostrar a ele que, além de útil com os clientes, tinha informações que lhe interessavam.
            Gabriela Alencastro conseguiu despertar em Nikolay curiosidade a respeito de uma antiga escrava sexual. Uma garota, chamada Patrícia, brasileira que após se prostituir em seu país, chegou à Europa e às mãos de Nikolay. Patrícia tornou-se sua exclusiva, depois ele a levou para um apartamento próprio e manteve reclusa, feito escrava, sob um tratamento ferrenho. Através de Gregory ela conheceu essa história. Ele provavelmente soube pela própria Gabriela.
            Pelo que se seu marido contava, Nikolay chegou a se apegar a ela. Porém, quanto mais a relação crescia, mais agressivo ele se tornava. Desejava-a subjugada para que jamais tivesse força para deixa-la. Ele não excitava em feri-la, como prova de sua posse. Até que um dia soube que Patrícia estava grávida. Um pedaço dele ameaçava crescer dentro dela. A ordem ao aborto fora dada por telefone, em poucas palavras. Também pelo aparelho ele soube das complicações e da possível morte da garota. Não demonstrou nenhum sentimento ou arrependimento.



            A escrava sobreviveu e nunca mais aquele problema se repetiria. Estava sem útero. Ainda assim, ele não mais a queria. Numa atitude que depois se mostrara impensada, ele a colocou para trabalhar no tráfico de drogas, quase que numa vingança por ela ter ousado gerar um filho seu. Na última missão, ela desaparecera ao levar drogas numa viagem aérea. Ele jamais soube o que ocorreu com ela. A menina que chegara saudável à Grécia querendo fazer dinheiro se prostituindo, terminou escravizada e retornou ao seu país quebrada para então ser presa. E Nikolay, por muitos anos, escondeu no fundo do peito o desejo de reencontrá-la. Samantha estava usando isso.
            Ela afirmava ter informações a respeito de Patrícia. E, por mais gelado que Nikolay pudesse ser, aquela antiga interrogação, permanecia com ele. Por vezes, desejava saber de Patrícia e tê-la novamente ao seu comando, como a escrava obediente. E era essa a possibilidade que o fazia manter Gabriela viva, ao seu alcance. Se ela realmente sabia algo de Patrícia era uma incógnita. Não que Samantha estivesse interessada. Ela resolvera apressar o final de Gabriela. A antiga mandachuva, hoje prostituta, morreria muito em breve. E Nikolay jamais saberia como isso ocorrera. Seria a vingança perfeita pelo que ela causou a Gregory.



            - Quem é esse homem? – A loura questionou, ao ser avisada de que deveria atender a um novo cliente.
            - Não interessa. Ele quer você e está disposto a pagar. Simples assim. Você tem cinco minutos para estar no salão, onde ele a espera para levar a um hotel. Apresse-se.



Nenhum comentário:

Postar um comentário