quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Ariella - capítulo 25


            O tempo ia passando, cumprindo seu papel de sarar feridas, disfarçar angústias e deixar dores no passado. Diego e Ariella aos poucos iam aprendendo a conviver. Experimentavam uma vida nova, com suas dificuldades, mas totalmente diferente da experimentada há 10 anos. Primeiro porque naquela época, além de muito jovens, eram também movidos pelos sentimentos errados. Ele era comandado pela vingança. Ela por sonhos irreais de uma menina que ainda não conhecia bem o mundo.
            Agora era diferente. E ambos estavam prontos para lutar pelo que desejavam, de verdade, sem interferências, sem aceitar palpites que não os vindos do próprio coração. Hoje eles se compreendiam um pouco melhor e conheciam as razões um do outro para suas ações, mesmo aquelas as quais não concordaram. Diego sabia o quanto seu depoimento à polícia incomodava Ariella, sobretudo por ele não esconder sua certeza de que Afonso era, de alguma forma, o principal culpado de tudo o que ocorria. Mas ela não podia, nem tentaria impedi-lo de falar à polícia.



            - Meu pai é..difícil, eu sei. O que ele disse no hospital foi horrível. Mas não pode ter sido ele. Afonso é meu pai... – Ariella afirmava sempre que falavam no assunto.
            - Ele também é alguém de tudo por dinheiro. E parece estar mais desesperado ainda. – Diego sempre reafirmava. – Se ele tivesse vindo apenas atrás de mim, poderia pensar em ignorar o fato e, pelo seu bem, deixar passar todo o horror que foi aquela noite. Mas ele colocou você e o nosso filho em risco e isso eu não relevarei.

            O depoimento ocorreu poucos dias após eles estarem instalados de volta à casa de Ariella à beira mar. Ela não o acompanhou, já tinha falado as autoridades e estava certa do furacão que tumultuaria sua vida após aquele depoimento. Diego, acompanhado de um representante legal, contou a sua versão dos fatos. Como já esperava, suas acusações, extremamente graves, precisaram de uma grande argumentação. À frente do delegado, foi obrigado a voltar mais de três décadas no tempo e explicar o início daquela história do ódio que unia e afastava as famílias Bueno e Amaral.

            - O senhor está afirmando que Afonso Amaral, pai de sua ex-exposa, seria responsável pela invasão a casa da própria filha? E isso tudo por uma desavença com o senhor, iniciada há muitos anos? Não acha essa história um pouco fantasiosa? – O policial demorou a aceitar o que Diego contava.
            - Não, nenhum pouco. E o senhor entenderá o por quê. Permita-me iniciar pelo começo.



            Ele contou mais do que gostaria, para manter a própria privacidade. Afinal, não tinha dúvidas de que aquela história muito em breve atrairiam a atenção da imprensa. Era uma história fantástica demais para não ganhar ar revistas. Com o mínimo e detalhes possível voltou no tempo e contou a história de seus pais. E a entrada de Afonso Amaral na vida da família.

            - Meus pais viviam um casamento normal, com dificuldades. Afonso aproveitou-se da fragilidade de minha mãe para envolver-se com ela lhe tirar dinheiro. Isso culminou com uma tragédia familiar, um acidente de carro no qual minha mãe faleceu.
            - Desculpe, senhor Bueno. Mas não entendo como algo da sua infância pode ter ligação com o assalto sofrido recentemente pela sua namorada.
            - Você entenderá, policial. Deixe-me explicar. Eu e minha namora fomos casados, por um breve período, há 11 anos. E nosso relacionamento também teve um final trágico, também com um acidente de carro.
            - Uma triste coincidência. – O delegado agora já estava mais curioso do que desconfiado. Havia algo de estranho naquelas coincidências.
            - A coincidência mais está no fato de Afonso tentar lucrar em cada um desses momentos. Dessa vez ele não conseguiu, porque sua filha negou-se a pagar.

            A história era fantástica demais. O que a tornava mais possível ainda, a experiência lhe ensinou. Naquele instante ele estava disposto a embarcar na fantasia de Diego Bueno, depois a investigação lhe diria o quanto de realidade existia ali.

            - E qual a sua teoria, senhor Bueno?
            - Ainda não está claro o bastante, delegado? Afonso Amaral está falido, a filha lhe nega dinheiro desde o dia que ele tentou extorqui-la aproveitando-se de um momento de fragilidade médica. Ele resolveu roubar o que ela tinha na casa...talvez forjar um sequestro. Minha equipe de segurança tem informações que dão conta de uma funcionária da casa facilitar o crime. Era para ocorrer no Carnaval, com Ariella sozinha na casa. Mas eu vim passar o feriado ao seu lado. E nós sabemos como terminou.
            - Pode ser que o senhor esteja certo. Mas até agora, são só suposições.
            - É...mas eu estou certo de que, com algumas investigações, provas podem surgir.



            Aos poucos Diego entendeu que otimismo não era uma boa ideia. Os dias foram passando. A saúde dele foi se fortalecendo. A gravidez avançando. E o relacionamento deles melhorando a cada dia. Mas a polícia não chegava a nenhuma conclusão. Ao que parecia, Afonso seguia na Argentina, falido e tentando recuperar seus negócios. Inocentemente, os idiotas acreditariam. Por isso Diego, às costas de Ariella, iniciou uma investigação privada. Se prendê-lo não era possível, ao menos queria estar pronto para revidar o próximo golpe.
            O que mudou, e muito, com o passar das semanas, foram os desejos de Diego. Eles estavam bem no Brasil. Sentiam-se seguros. Estavam felizes. Mas algo passou a crescer no peito de Diego. A administração de todos os seus negócios estava em Madri. A maior parte de sua vida estava lá. Nem por isso, pensava em largar Ariella ali e retomar sua vida. Se necessário, nunca mais deixaria o Brasil.
            Mas não precisava ser assim. Ariella é uma artista. Retrata o que vê e o que sente em belíssimas telas. Pintar no Brasil ou na Europa não faria diferença. A própria Ariella, por diversas vezes na última década, rodou pelo mundo expondo e produzindo a sua arte. Porém, a ideia de voltar para a Espanha definitivamente, não apenas passava longe da mente de Ariella como ela rechaçada ao primeiro comentário.

            - Nunca morarei lá. A Espanha foi...muito sofrida para mim. Não desejo voltar nunca mais. – Ela lhe afirmou quando Diego arriscou questionar claramente os seus desejos.
            - Você já esteve lá, Ariella. Expos suas obras, fez sucesso, recebeu aplausos. Suas obras fizeram a felicidade dos críticos especializados. Não pode odiar tanto assim o meu país.
            - Foi apenas uma passagem rápida! Não morar!
            - Mas morar seria tão doloroso assim?
            - Sim! É impensável! – Ela reafirmou, e Diego se calou.

            Na semana seguinte ele sequer pensou em tocar novamente no assunto e tentou fingir não estar magoado. Não se tratava de frustração pelo não retorno à Europa. Se os motivos de Ariella fossem outros, estaria tudo bem. Mas o mal que ele lhe fez a gerar a aquela reação. Ariella foi tão infeliz na Espanha que seguia traumatizada até hoje, mesmo tantos anos depois. Ela ficara com cicatrizes bem mais marcantes que as da perna e, muito provavelmente, tão profundas que jamais desaparecerão.
            Quando tentou vingar-se de Afonso e feriu sua filha, física e emocionalmente, esperava machucá-la. O sofrimento dela fora milimetricamente planejado e conquistado. Quando ela chorava, ele deveria sorriu. E foi assim. Na época, ele se sentira realizado em fazê-la sofrer. Agora essa dor lhe era atirada na cara, lembrando que certos pecados não são perdoados nem apagados pelo tempo. Nada apagaria o que ele fez a Ariella. Lhe restava tentar lhe fazer feliz. E deixar o sofrimento no fundo do coração dela, atrás de momentos felizes.



            Talvez, a única alternativa para eles naquele momento estivesse em tirar Afonso de suas vidas definitivamente. Se isso não ocorresse pelas mãos da justiça, que fosse por ações particulares. Um encontro, cara a cara com Afonso, era iminente. Nenhum dos dois estava interessado em esquecer o ódio que despertou no outro. Talvez, Diego agora passava a pensar, somente com a destruição de Afonso, ele e Ariella conseguissem recomeçar.
            Essa destruição não viria da morte, nem mesmo da decadência financeira. Ele precisava de justiça. Ou jamais se sentiria completo. Ligou para a única pessoa que poderia ajudá-lo. O investigador que no passado conseguiu dados muito íntimos de Ariella agora seria encarregado de descobrir o que Afonso escondia do mundo.

            - Está bem. – O homem aceitou. – Não deve ser difícil. Ele tem uma medida judicial que o impede de sair da Argentina.
            - Sim. Mas ele tem braços fora de lá. Não subestime-o. Afonso está aprontando coisas à sombra a lei. Eu não tenho dúvida.
            - Ok, ficarei atento.

            Diego estava certo. Afonso poderia estar preso na Argentina. Mas seus “braços” criminosos estavam pelo mundo. Naquele momento um deles apertava a campainha de uma simpática vovó em Madri. Afonso também resolverá mudar os planos. Agora atacaria outra pessoa muito amada por Diego.


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