domingo, 25 de dezembro de 2016

Alguém Para Perdoar - cap 15


            A segunda-feira chegou trazendo os compromissos de sempre a Márcia. Mas nem mesmo a agenda cheia de reuniões a fazer e relatórios a analisar fizeram com que as marcas deixadas por aquele final de semana fossem apagadas. Assim que acordou pelo barulho do despertador deu-se conta que nada do que oferecesse ao filho durante o final de semana seria capaz de resolver as coisas se, durante a semana, ela o esquecesse e se dedicasse apenas ao trabalho. Joaquim não precisava de uma mãe de final de semana.
            Procurou realizar todas as suas tarefas com ordem de prioridades para conseguir sair cedo e buscar o filho na hora da saída da escola. Quando percebeu que conseguiria, seu coração disparou.
                                                       


            - Eu não demoro Evelyn. Vou deixar meu filho em casa, comer e 13h30 estou aqui, em tempo de minha reunião com Rafael. Se eu me atrasar, por favor, avise que chego logo. – Ela afirmou à secretária que a olhou com expressão surpresa. – O que foi? Algum problema? Tudo certo com os contratos? Notícias de Jonas?
            - Nenhum problema, senhora. É só que a senhora está...diferente. – Logo depois a profissional secretária recuperou a postura. – Os compromissos de Rafael estão em dia. Ele é bastante pontual. Jonas ligou avisando que retorna hoje do Nordeste para São Paulo, e então passará aqui para ver a agenda.
            - Ótimo então... Evelyn...
            - Fale, senhora.
            - Você não chama Jonas e Rafael de “senhor”, então pode parar de repetir tantos “senhora” ao falar comigo. Afinal, há meses nós passamos os dias juntas.
            - Está bem...Márcia. – Ainda levaria algum tempo para ela se habituar aquela mulher tão diferente.

            Nem mesmo o almoço junto de Joaquim fez com que o humor de Márcia melhorasse. Foi bom ficar com o filho e ele sequer percebeu que seus pensamentos estavam longe do restaurante. Quando o menino já estava na segurança de casa e ela já retornava ao escritório, Márcia reconheceu que precisava ser sincera consigo mesma. Estava furiosa com Raul. Queria ter lhe dito tantas coisas que agora seguiam esmagando seu coração. Como ele sentia-se capaz de dar-lhe conselhos familiares quando também era um divorciado e, ao invés de cuidar do filho, passava as noites saindo com garotas muito mais jovens?

            - Quem ele pensa que é pra me julgar como mãe quando mal vê a própria filha?!?!? Quando você voltar, nós vamos ter uma séria conversa.



            Essa conversa há tanto prometida e nunca concretizada também não saía do pensamento de Raul. Mais do que o assunto, Márcia era a dona de seus pensamentos. E ele não desejava que fosse assim. Sua vida já era confusa o bastante sem uma mulher dominadora e mandona para gritar e lhe dar ordens a todo o momento. Então, porque, mesmo tentando, não conseguia livrar sua mente daquela mulher?
            Havia fugido de São Paulo para o Rio de Janeiro no intuito de visitar a filha, mas, também para colocar os desejos em ordem. Sua vida sempre fora um tanto complicada. Desde o divórcio tornou-se um pouco mais estressante. Teve suas culpas na separação, é verdade. Mas não mereceu sofrer anos num divórcio litigioso e ver a filha, a quem sempre amou, chegar aos 13 anos, pouco ligando para suas visitas.

            - Quem não errou na vida? – Ele seguidamente perguntava-se.
           
            Mas reconhecia que seus erros fora grandiosos e talvez não merecessem perdão tão facilmente. Janaína, sua ex esposa, foi compreensiva por bastante tempo. E ele não deu ouvidos a nenhum dos seus muitos avisos de que não perdoaria uma traíção. Ele traiu, ela descobriu e jamais perdoou. Ao contrário, fez o que pode para usar a filha para fazê-lo sofrer. Marthina era o acerto mais torto de sua vida ou o erro mais certo. Mas ela não entendia porque o pai traiu a mamãe e mesmo que anos já tenham se passado, essa magoa jamais amainou. Talvez tenha até crescido, inflada pelas chantagens afetivas feitas por Janaína.
            E mesmo depois de sofrer daquela forma, aceitou defender na justiça uma mulher tão amarga quanto a ex e que usava o filho exatamente como Marthina fora usada. Talvez tenha sido exatamente por isso. Queria mudar o final daquela história. E conseguiu, tinha esperança. Estava orgulhoso da nova Márcia, que parecia dar mais atenção e amor ao filho do que preocupar-se em castigar seu ex. Não que simpatizasse com Alex. Ao contrário. Sempre que o via chegar a uma das audiências do divórcio e da guarda de Joaquim, tinha a sensação de se tratar de um homem frio e pouco preocupado com a família. Mesmo enquanto discutiam o futuro de seu filho, Alex mantinha um olho no celular e parte da sua atenção ao relógio. Márcia tinha suas razões.

            - Mas eu não tenho nada com isso! – Repetia. Para logo depois reconhecer que estava bem mais atado a ela que um advogado deveria. – Resta saber se você irá querer outro homem capaz de trair?

            Sabendo que Marthina pouco se importava com sua presença, após apenas um breve almoço, adiantou seu voo para São Paulo. Iria reorganizar sua vida. Já bastava de noites com desconhecidas, e de manhãs nas quais sequer lembrava o nome da parceira. Estava pronto para ter um relacionamento de verdade e pretendia lutar por ele. Só não tinha certeza se Márcia concordaria.

            Naquele momento, ela não tinha nem mesmo muito tempo para isso. É que Jonas avisou que teria um jantar em família porque, surpreendentemente, sua irmã resolveu vir do sul para São Paulo. Então precisaria cancelar a agenda da noite

- Vá, não se preocupe. Eu dou um jeito. – Ela confirmou ao sócio. Afinal, já havia almoçado com Joaquim. – Não se preocupe.

Preocupação não era o caso, mas ele se encontrava bem curioso. Milena não era de realizar surpresas e nem de sair muito do Rio Grande do Sul. Nas vezes em que veio, geralmente era por questões médicas e Maria Fernanda e essas ocasiões eram marcadas com bastante antecedência. Agora foi algo inesperado. Chegou a ligar para a mãe buscando informações. Mas tudo o que Giovanna lhe disse fora para abrir o coração.

- Ouça a sua irmã. É só isso o que ela quer. – Foi a misteriosa resposta. Que só o deixou mais curioso.



Ao combinar tudo com Emily, ficou ainda mais desconfiado. Ela também veio cheia de recomendações, afirmando que ele deveria aceitar o que a irmã dizer e lembrando-o que Milena teve uma vida muito solitária e merecia encontrar a própria felicidade.

- Por que todos ficam me fazendo essa recomendação? Eu sou um carrasco com minha irmã, é isso?
- Não, meu amor. Claro que não. Mas quando se trata dela, às vezes você se torna um pouco tradicional. Apenas isso. – Emily afirmou.
- Milena já teve atitudes bem pouco tradicionais, e eu aceitei. – De repente ele teve uma ideia. – Ela está grávida novamente, é isso? Outra produção independente? Eu...não gosto, mas vou amar meu sobrinho, é claro. Não sou...
- Você é um grande irmão e grande tio. Ninguém pensa o contrário. E ele não está grávida...não que eu saiba, pelo menos.

Ainda pela manhã, ao arrumar às malas e rumar para o aeroporto, Nathan pediu que Milena marcasse aquele jantar com seus irmãos. Apenas quando todos soubessem a verdade ele seria capaz de caminhar com a cabeça erguida. Enquanto ainda houvessem segredos, teria a sensação de que Maria Fernanda e sua mãe ainda eram tratadas como algo vergonhoso o qual precisa esconder.



Além disso tinham muitas coisas para resolver. Algumas eram coisas simples como preparar um quarto para Maria em seu novo apartamento. Quando comprou o lugar, pensava em fazer dali a casa perfeita para um solteirão convicto. Sem móveis sobrando e com bastante espaço. O quarto de hóspede seria transformado numa sala de jogos e a cozinha seria utilizada apenas quando ele recebesse amigos, afinal, já cozinhava muito no restaurante. Agora tudo havia mudado. O quarto seria de Maria Fernanda e ele ainda tentaria convencer Milena a dividir a suíte com ele.

- Claro que te ajudarei a comprar tudo o que Maria precisa, se é mesmo que deseja montar um quarto. É desnecessário.
- Ela merece ter o seu quartinho na casa do papai. Eu quero que Maria se sinta bem aqui, tanto quando na sua casa ou na fazenda.
- Claro, eu compreendo. – Milena concordou.
- Na verdade, desejo que você também se sinta bem. – Ele se aproximou dela e a puxou para um carinho. Mas logo foi afastado. – Mas eu não tenho de estar aqui...o que aconteceu entre nós foi...
- Foi algo certo e delicioso. Não menospreze o que temos, Milena.
            - Não podemos viver o passado hoje.
            - É o presente que desejo viver. A não ser que você considere passado o que ocorreu ontem à noite. Mas eu posso repetir, sem problemas.
            - Pare Nathan! Eu preciso terminar essa mala e você...você está me desconcentrando.
            Mais como uma retirada estratégica do que como desistência, Nathan deu privacidade para Milena preparar-se para viajar. Preferiu não pressioná-la, afinal, teria bastante tempo para conquistar sua confiança na temporada em São Paulo. Milena ainda não sabia, mas ele pretendia alongar a estada delas pela capital financeira do País. Maria, no entender dele, não precisava apenas de uma consulta de revisão no médico. Tinha de ser levada a novos profissionais. Ela merecia que fossem esgotadas todas as alternativas para que ela pudesse ouvir e falar normalmente. Enquanto isso, elas seguiram ao seu lado, como uma família.

            Depois de 1h50min de voo, eles desembarcaram na capital paulista e foram direto para o apartamento. Apesar de toda a insistência de Milena, Nathan não permitiu que ela seguisse para um hotel. Ele garantiu que já havia uma cama para Maria e que ela ficaria com ele, pelo menos por enquanto. Nenhum argumento em contrário bastou.

            - Não posso simplesmente começar a viver com você...meus irmãos...
            - Que vão cuidar das próprias vidas! Você é uma mulher adulta e mãe da minha filha. Além disso, eles não precisam saber que dormimos juntos.
            - Não é certo voltarmos a algo que não deu certo antes. Nós não combinamos.
            - Por eu acho que nós tivemos o encaixe perfeito! – Respondeu ele, seguro do que desejava. – Eu te desejo, você também me quer. Porque não?

            A franqueza dele balançou com as decisões de Milena. Como sempre, ficar com aquele homem, sentir seu cheiro e adornar-se de tudo o que ele lhe ofertar era muito tentador. Naquele instante mesmo, apesar de cansada da viagem, tudo o que interessava ao seu corpo era responder aquele desejo que já crescia dentro dela. Se fosse sincera, diria para Nathan que precisava do corpo dele naquele instante.

            - Está bem...eu fico. Mas vamos as compras antes que eu me arrependa. – Na verdade, ela queria sair de casa antes que implorasse para que ele lhe tirasse a roupa. – Temos e voltar em tempo de eu me arrumar para o jantar. Jonas e Lorenzo são pontuais.

            Na casa dos Gomide a presença de Isabely começava a ganhar ares de normalidade. Depois do final de semana junto de Tális, a menina foi deixada no abrigo após receber abraços afetivos e a garantia de que voltariam logo. Com algum esforço, Melissa conseguiu se aproximar da menina que já via como sua filha. Tanto que, apressada como sempre, já fazia planos ousados.

            - Acho que devemos nos responsabilizar desde já pelos custos escolares de Isa. Ela poderia estudar na mesma escola que Tális, assim a adaptação seria muito mais tranquila. – Opnou, logo cedo pela manhã.
            - Vamos com calma, Mel. Ela ainda está desconfiada e certamente sua escola tem outros hábitos.
            - Sim...mas vou falar com Marta e descobrir do que ela precisa. Isabely aos poucos se habituará a vida que podemos lhe proporcionar. Não faz sentido seguir numa escola pública quando nós podemos oferecer o melhor.
            Marta pediu calma, como já era de se esperar, pediu que Melissa tivesse calma. Porque por mais que Isa estivesse evoluindo, eles perceberiam se tratar de uma menina de personalidade forte e hábitos complicados. Se sentisse que estava sendo forçada a algo ou manipulada, se fecharia novamente.



            - Não, claro que não! Nós respeitaremos o tempo dela.  – Mel garantiu.

            E mesmo assim, Melissa e Rafael saíram felizes do abrigo. Porque Marta lhes garantiu que poderia autorizar Isabely a passa vários finais de semana com os Gomide, além de feriados e liberaria até mesmo pequenas viagens ao litoral. Assim, a menina se acostumaria cada vez mais com eles. E, quando percebesse, já faria parte a família.

            - Muito obrigada, Marta. Nós contamos muito com a sua ajuda. – Rafael abraçou a velha senhora ao se despedir.
            - Eu que agradeço, menino. Vocês dois estão ajudando a realizar meu sonho. Que é ver cada uma dessas crianças tendo a própria família.

Família era para todos eles o que de mais sagrado havia no mundo. Mesmo quando essa família não é perfeita e traz algumas dificuldades. Sempre, independente da situação. Valia a pena lutar para mantê-la unida. Era nisso que Milena acreditava. E justo ela, que foi acolhida nos braços daquela família já formada precisava agora abrir seu coração para algumas das pessoas a que mais amava em todo o mundo.



            Quando Lorenzo chegou com sua família na casa de Jonas, onde aconteceria o jantar, Milena sentiu as pernas tremerem. Não que sentisse medo do irmão mais velho. Longe disso. Ele jamais lhe faria mal algum. Mas assumir um erro para ele doía mais do que para qualquer outro. Por que fora Lorenzo o seu grande cuidador da adolescência. A pessoa em quem mais confiava em todo o mundo e aquele que sempre a defendia, mesmo quando ela estava errada. Nesses casos, depois, ele lhe xingava e alertava para o caminho certo, mas, em público, jamais deixava de lhe estender a mão. Fora para essa pessoa que ela mentiu. E seria duro reconhecer isso.

- Como vai, minha irmã? – Ele perguntou após abraçá-la longamente. – E Maria?
- Está lá dentro com Vida e Bernardo. É bom ver vocês. – Seu constrangimento estava claro e ela afastou-se para cumprimentar Jéssica e os sobrinhos.
- Crianças, vão lá dentro com os primos, sim. Mas sem bagunça nem correria. – Jéssica falou, sabendo que o assunto era para adultos.

Por mais que ela conhece Lorenzo e soubesse de sua natureza calma, hoje entendia que com Milena, tanto ele quanto Jonas, mantinham atitudes mais protetoras. Sabendo da dificuldade, Milena pediu que Nathan chegasse mais tarde ao jantar. Queria ter tempo de explicar o que se passava sem um estranho por perto. Mas o tempo passou, garrafas de vinho foram sendo abertas e ela não puxou o assunto. E quando Emily, elegante como sempre, foi atender a campainha da porta e deu de cara com seu sócio, as três mulheres presentes entenderam que uma discussão teria início. E tanto Jonas quando Lorenzo olharam para o visitante com muitas dúvidas e poucas respostas.

- Buona notte. – Ele disse, sabendo que todos ali falavam o seu idioma.
- Boa noite, Nathan. – Apenas Emily respondeu. – Entre.
- O que faz aqui, Nathan? – Jonas questionou. – Desculpe a indelicadeza, mas...é um jantar de família.
- Eu sei... – Nathan pensou que se Milena não teve coragem para falar mesmo com a privacidade que ele concordou em oferecer por algumas horas, ele seria direto. – E eu faço parte dele...já há alguns anos.

Depois de afirmar algo tão sério, Nathan calou-se e ficou esperando a reação dos irmãos de sua Milena. Viu Jonas dar um passo à frente e os punhos de Lorenzo se fechar.



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