domingo, 9 de outubro de 2016

Alguém Para Perdoar - Cap 13


      O tempo oferecido ao filho serviu como um balsamo ao coração de Márcia. Ela podia até não compreender completamente o que se passava, mas somente agora, tantos meses após a oficialização de seu conturbado divórcio, ela cicatrizava as feridas mais profundas. Somente agora ela passava a viver como mãe e mulher, após não ter mais o posto de esposa. E somente agora era entendia que ser a executiva competente só fazia sentido se ela conseguisse ser também uma mulher feliz.
            Ela e Joaquim estavam atirados sobre o sofá da sala, assistindo um filme e comendo sorvete quando ela sentiu o celular vibrar. Sorrindo deu-se conta que havia ignorado o aparelho nas horas anteriores, algo raro na antiga Márcia e um hábito que ela pretendia cultivar. Cogitou sequer olhar o aparelho, não queria nada nem ninguém atrapalhando seu dia em família, sobretudo se esse alguém fosse Alex. Teve com dificuldade em ver com clareza, mas agora entendia que sua felicidade dependia da capacidade de ver Alex o mínimo possível e de enxergá-lo como nada mais do que um passado triste. Por sorte, olhou o visor do aparelho e viu se tratar de Raul respondendo a mensagem que lhe mandou do parque. [Não precisa agradecer. Só seja mãe. Cuide, brinque e faça seu filho feliz, porque se ele estiver feliz, você também estará.]
            Mais uma vez ele acertara em cheio. Quando contratará Raul, buscava apenas por um advogado forte para lutar contra Alex. Não esperava conseguir alguém ainda mais forte, que lutasse também contra ela quando suas atitudes fossem além do que era certo. Conseguiu um representante legal justo, além de um amigo sincero. Ambas as coisas eram raras de se ter hoje em dia. Enquanto Joaquim assistia o filho e comia vorazmente seu sorvete, Márcia fez uma breve avaliação de sua vida na JRJ Construtora. Nos negócios ia tudo bem, considerando as dificuldades que a crise financeira impunha ao setor da construção civil.



            Algo, porém, começava a incomodá-la nos pelos corredores da empresa. Se seu tempo ali serviu para que todos aprendessem a confiar em sua competência, em nada adiantou para que criasse laços de amizade. Jonas e Rafael eram muito mais do que sócios, tinham amizade, eram quase irmãos. O tempo de parceria era responsável por isso, ela sempre acreditou. Mas agora entendia que nem só o tempo. Oportunidades lhe foram dadas para que se aproximasse deles e ela fez questão de negar. Quando ali chegou, foi tratada com respeito e desconfiança. Por educação, porém, Melissa a tinha convidado para um jantar de recepção. Ela recusou. E no último Natal, Jonas e Emily convidaram ela e Joaquim a irem participar da ceia dos Vicentin, no Rio Grande do Sul. Mais uma vez optou por declinar do convite. Era hora de mudar aquela postura, sobretudo porque Jonas já dera mostra do grande amigo que podia ser, caso ela permitisse. Voltou a digitar no WhatsApp, agora tendo o sócio como destinatário. [Foi bom poder conversar com você. Obrigado.] Não tardou a receber resposta. [É sempre bem-vinda em minha sala, mesmo que para falar de tudo menos negócios]. Sorrindo para o telefone, Márcia resolveu que ser feliz era muito simples.

            - Filho! Tive uma ideia! Você já descansou né? Não está cansado demais para sairmos novamente? – Ofereceu para Joaquim.
            - Não mãe! Tô bem. Aonde vamos? – Aquela nova mãe estava muito divertida. E ele queria aproveitar.
            - Eu mudei de ideia...não quero ver filme em casa. Vamos no cinema?

            Já era tarde para uma criança estar na rua. Mas quem se importava? Ela estava feliz, Joaquim ainda mais e ambos se divertiram bastante. Uma passada pela loja de doces. A compra de uma camiseta legal que ele gostou e rumaram para a fila do cinema. O filme é o que menos importava. A única divergência que surgiu foi quanto a pipoca. Era mistura demais para um dia, Márcia lembrou ao filho.

            - Aaaaa mamãe...mas eu compro o saco pequenininho. Nem vai fazer diferença na minha barriga.
            - Está bem. Compre. Mas se você tiver dor de barriga, vai tomar aquele chá bem amargo e sem reclamar. Está bem?
            - Tá bem! – Ele aceitou a negociação.

            Ali ela ficou, achando-se pouco arrumada e cansada, porém, realizada. Esperou sentada nos estofados que ficavam na entrada do cinema, observando de longe Joaquim entrar na fila para comprar pipoca. Percebeu quando muitas pessoas começaram a passar, ao final de uma sessão. E surpreendeu-se ao ver um conhecido. Raul deixava o cinema acompanhado de uma bela mulher, uma jovem que não aparentava ter mais do que vinte e poucos anos. Ele a viu ali sentada, cansada e cuidando do filho e apenas lhe acenou.



            Ela disse a si mesma que não deveria ficar magoada, afinal, ele estava acompanhado e em um momento de lazer. Porém, lá no fundo, vê-lo com aquela garota não lhe fez bem. Era uma menina tão jovem, tão mais jovem que ela. De repente, a ideia de vir ao shopping sem se arrumar pareceu péssima. O tempo sabia como ser cruel com as mulheres.

            - Mãe! Mamãe! Tá na hora. Vamos perder nosso filme! – Joaquim a tirou dos devaneios e devolveu para a realidade.
            - Desculpe, meu amor. Vamos sim. - Sorrindo ao filho, levantou-se e foram para a entrada da sessão. O bom de ser mãe é que não se tem tempo o bastante para sofrer.



            Na casa dos Gomide, à mesa do jantar, Isabely sentia-se constrangida. A comida estava gostosa, todos ali a tratavam bem, o lugar era bacana, mas tudo era muito estranho. E a cada momento ali ela se sentia mais estranha. Tális bem que tentou deixar tudo mais leve, puxar assunto e fazê-la se sentir melhor. Mas não adiantou muito.

            - Não está gostando do jantar, Isa? – Melissa perguntou, mesmo duvidando que o bife com batata frita não a agradasse.
            - Tá bom sim, bem gostoso. – Ela respondeu, bebendo do refrigerante e comendo algumas batatinhas.

            Tinham passado uma tarde bem feliz. Logo depois dela se instalar no quarto de hóspedes e jogar algumas partidas de vídeo-game com Tális, Rafael foi ao quarto decidido a tirá-los daquele quarto. Estava um dia lindo demais para ficarem ali trancados. Depois de olhá-los por alguns minutos e perceber o entrosamento espontâneo e natural que desenvolveram, foi necessário interromper a diversão.

            - O que você gosta de fazer, Isa? – Perguntou, já que conhecia bem os gostos do filho.
            - Não sei...eu...costumava brincar na rua quando fazia sol. – Ela respondeu, de forma sincera, porém, sabendo que morar na rua não era uma opção para quem tinha dinheiro o bastante para ter qualquer diversão dentro de casa.
           
            Rafael sorriu diante da resposta. Não um riso de deboche. Nada tinha de engraçado o que ela afirmou. Sorriu frente a simplicidade da resposta de uma criança que, mesmo podendo pedir qualquer coisa, citava algo que estava disponível para qualquer um.

            - Desliguem o computador. Vou levá-los para patinar. Depois, se quiser, podem ir ao parque de jogos do shopping ou jogar boliche. Acho que já estão bem grandinhos para brincar na rua...e Isabely irá gostar de jogar boliche.
            - Você vai gostar Isa! – Tális garantiu. – Oooo pai! A Isa pode viajar com a gente em um final de semana? Podíamos ir na fazenda do tio Jonas!
           
            Isa tinha a expressão assuntada com todas aquelas possibilidades. Por isso Rafael entendeu que era necessário seguir de forma um pouco mais lenta. Ou perderiam a confiança da menina.

            - Não sei, Tális. – Respondeu, mesmo sabendo que poderiam viajar sempre que desejassem. – Se Isabely quiser viajar conosco uma hora dessas, eu peço para Marta e, se ela permitir, converso com Jonas para marcarmos. Agora, apressem-se. Espero os dois na garagem.

            Era em Jonas e Lorenzo que Milena pensava ao ir se deitar naquela noite. Usava o seu quarto de infância, mantido com esmero pela família. Ao lado ficava o de Maria e três cômodos adiante, o de hóspedes, hoje ocupado por Nathan. Os quartos de Jonas e Lorenzo também seguiam existindo na grande casa. Porém, não idênticos quanto há décadas atrás. O do primogênito dos Vicentin fora totalmente redecorado após Lorenzo casar-se com Jéssica. Eles raramente ficavam ali já que ele mantinha uma bela e confortável casa no centro de Bento Gonçalves e, tendo três crianças, era mais fácil ficar lá. Porém, se precisassem pernoitar na fazenda, Lorenzo fazia questão que Jéssica se sentisse bem ali, por isso retirou qualquer lembrança ou referência a Alice, sua esposa na juventude. Já o cômodo ocupado por Jonas fora ampliado. E quando eles ali estava, ele e Emily apenas precisavam abrir a porta para ter acesso a Vida e Bernardo.
           




            - Eu queria ser como eles. Ter encontrado um homem perfeito, que me amasse e tratasse feito uma princesa e se encantasse com a notícia de uma gravidez. Que nos casássemos como Deus manda e formar mais uma família perfeita. Mas não foi assim.

            Sozinha, com a cabeça deitada sobre o travesseiro, Milena chorou tendo aqueles pensamentos. Não tinha como voltar no tempo. E, se fosse sincera, jamais desejou realmente poder mudar o que fez. Maria Fernanda veio na hora errada, talvez, mas trouxe vida para sua existência. Agora a simples ideia de ficar sozinha no mundo soava triste. Vivia por Maria, para lhe dar uma vida melhor, para fazê-la feliz. E vivei bem até hoje, suprindo a falta de um pai para a menina. Agora, com a volta de Nathan, sentia tudo desmoronando, as peças do jogo mudavam de lugar ao mesmo tempo. E ela sentia que já não acompanhava o ritmo.



            Estava preocupada. Nenhum membro de sua família iria tentar interferir em suas decisões. Porém, tinha coisas difíceis para fazer nos próximos dias. Uma delas era contar tudo para Lorenzo e Jonas. E, estranhamente, contar os irmãos, lhe soava bem mais duro que dizer aos pais. Porque aqueles homens foram seus braços e pernas sempre que os dela foram curtos ou fracos demais. Parceiros, amigos, companheiros, confidentes...eles a ajudaram em tudo. Inclusive quando afirmou estar grávida sem ter um pai para apresentar. Eles reclamaram, gritaram e a pressionaram. Mas estiveram ali, presentes, prontos para ajudar em qualquer necessidade. Quando entrara em trabalho de parto, não se surpreendeu ao saber que eles tomaram o primeiro voo para Porto Alegre a fim de conhecer a nova ‘gauchinha’ que chegava ao mundo. A surdez de Maria logo foi percebida e eles se mantiveram firmes ao seu lado. Nunca precisou que lhe oferecessem dinheiro, mas sempre soube que, se esse fosse o caso, não faltariam mãos para ser estendidas.
            Se encarassem a novidade que tinham para contar como traição, estariam certos ou, pelo menos, teriam razão para tal. Não havia tido um namoro juvenil com um jovem qualquer que negou-se a assumir o filho. Tinha mantido um caso com um homem conhecido por eles, que frequentou a Vinícola Vicentin, que bebeu à mesa com eles enquanto a levava para cama em hotéis desconhecidos. Havia se comportado como uma mulher que não se dá ao respeito e desrespeitado aquela família que lhe abriu os braços no passado. E depois mentiu para os Vicentin, protegendo Nathan. Eles tinham todas as razões do mundo para jamais perdoá-la. Só que lá no fundo, esperava pela tolerância e pelo amor deles.
            Desistindo de dormir já que a insônia se mostrou duradoura, seguiu para a cozinha. Iria dar continuidade a um hábito de infância. Chá com mel, para chamar o sono e os sonhos agradáveis. Nesse caso, porém, chamou apenas a razão de suas preocupações. Parecia que ela não era a única a estar brigada com o travesseiro.

            - Nathan! O que faz aqui?
            - Não estava conseguindo dormir e vim pegar uma água. E você?
            - A mesma coisa.

            Em silêncio, Nathan observou Milena colocar uma chaleira de água para ferver no fogão e escolher um dentre vários saquinhos de chá muito organizados numa lata. Quando a infusão ficou pronta, ela adoçou com mel e mexeu. Ela poderia ter ido para o seu quarto e assim proteger a si mesma na fortaleza que criou. Mas sentou-se à sua frente na bancada e assumiu que a razão de ambos não conseguirem dormir precisava ser sanada.

            - É estranho ter você aqui, nessa casa, tão perto de nós. – Ela explicou.
            - Você precisará se acostumar. Daqui em diante, estarei sempre por perto. Não vou me arrepender do que fiz, nem nada do tipo. Não vou fugir para a Itália novamente.
            - Eu sei.
            - Então porque se comporta como se esperasse que eu desaparecesse a qualquer momento? Honestamente, Milena, você parece uma criança assustada. E esse papel não combina com você. – Nathan soou um pouco prepotente ao julgá-la.
            - Se parece ter esse medo, é porque você sempre foi um expert em fugir das responsabilidades. – Acusou. Ela aceitaria ser julgada por qualquer um, menos ele.


            Aquela era uma acusação que doía em Nathan. Nunca foi um homem covarde. Ao contrário, pagou preço caro para arcar com suas responsabilidades na vida. E fora uma responsabilidade a levá-lo de volta a Milão quando seu coração pedia que ficasse no Brasil. Não aceitaria, porém, que Milena se comportasse como se ele fosse o único a errar naquela relação.

            - Eu nunca fugi da minha responsabilidade com Maria Fernanda. Você me afastou dela! – Acusou.
            - É fácil falar depois que  tudo está resolvido. – Ela respondeu. Brigavam entre cochichos para não acordar ninguém. E ambos notavam o ridículo da situação. – Fui eu que tive de lidar com a notícia de uma gravidez. Fui eu quem precisou assumir para a família e os vizinhos. Eu estive sozinha enquanto você bancava o marido zeloso na Itália.

            Ela deu-lhe as costas e jogou o chá ainda quente na pia. De repente ele lhe pareceu doce demais, repugnante. Passou por Nathan e seguiu pela casa. Antes de chegar na escada, porém, sentiu que ele lhe segurava pelo braço e puxava para si.

            - Me solte! – Ela esbraveceu. – O que quer agora?
            - Sabe que eu tenho uma raiva danada de você, não sabe?
            - Sei! Esse sentimento existe em mim também!
            - A é? E quais outros sentimentos compartilhamos, Milena? Não é o único! Você sabe.

            No passado houve uma paixão avassaladora, que os levou a extrapolar qualquer regra e ter a vida marcada por novos rumos que talvez não estivessem escritas em seus destinos. A paixão que tirou a vida de ambos dos eixos e que os fez amar na hora errada. Agora havia desejo. No estado mais puro, sanguíneo, visceral e tentador. Dar vazão a toda essa tempestade parecia tão errado quanto natural. E o ímpeto que fez o sangue de Nathan circular de forma mais ágil em seu corpo o fez pensar em nada além do desejo.

            - Eu sei que você quer também. – Afirmou, passando os braços em sua cintura e sentindo a maciez daquele corpo. – Sempre foi bom entre nós.
            - A gente não é mais aquelas duas pessoas....você mudou. Eu mudei.
            - É, mudou. – Nathan concordou. – E eu gosto bastante de como é hoje.
            - Nós temos um monte de problemas entre nós, Nathan!
            - É verdade também. – Ele a beijou com vontade, dando vazão ao que sentia e esquecendo o medo de que voltasse a dar errado. – Danem-se todos eles. Eu quero você.

            O beijo não veio calmo que os que ambos se lembravam. Veio numa tormenta, acompanhado de mãos ágeis e gestos pouco delicados. As roupas pareciam desnecessárias. A temperatura pareceu se elevar. Milena percebeu que apesar das inúmeras dúvidas que sua mente acumulava, o corpo parecia guardar apenas certezas. Desejava Nathan e estar nos braços dele era como voltar para casa após uma longa e cansativa viagem.




            - O meu quarto ou o seu? – Nathan foi direto.
            - Não...não podemos...
            - Basta, Milena. Não minta para você mesma. Seu quarto ou o meu? Ou pode ser aqui na escada mesmo, mas acho que a maravilhosa vovó Ângela poderia sofrer um choque ao amanhecer.
            - No meu...agora. – Milena, confirmou, sentindo-se corajosa com a decisão e agarrando-se ainda mais ao corpo de Nathan.



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