segunda-feira, 4 de julho de 2016

Vida Roubada - Capítulo 23

            Havia apreensão na voz de Sebastian. Já sozinho no quarto onde, minutos antes, Gabriela tentava enredá-lo em sua sedução, depois de mandá-la embora, ele ansiava por notícias de Beatriz. Mais uma vez, seu corpo antecipou haver algo de muito errado, fora essa ansiedade que levou-o a despachar Gabriela e ligar repetidas vezes para Francisco. E então, para seu desespero, percebeu que não se tratava apenas de uma obsessão sem razão.

            - Fale Francisco! Preciso saber de Bia! – Sebastian gritou.

            Coube ao antigo funcionário explicar, mesmo que em poucas palavras, a trágica madrugada vivida nos EUA. Cumprindo as ordens de Sebastian, ele havia comprado suprimentos para Bia e jantado junto dela, depois retirou-se e foi ao próprio apartamento. Quando já havia atravessado a cidade e chegou na própria casa, foi pegar sua mochila no porta-malas do carro e viu que uma sacola das compras havia sido esquecida. Nela, produtos de higiene pessoal como xampu e absorventes. Pensando que talvez Beatriz fosse precisar, resolveu voltar e entregar para ela, já que no apartamento não havia telefone e não poderia lhe perguntar se tinha urgência nos produtos.



            Logo quando chegou ao estacionamento do prédio notou três motos grandes e estranhas no estacionamento. Os olhos treinados e a quantidade de vezes que vinha ali o ajudaram a concluir que aqueles veículos nunca haviam estado ali. O arrepio na espinha piorou quando foi utilizar o elevador privativo e percebeu que ele estava parado na cobertura. Depois que ele saiu, alguém havia subido até o apartamento. Com a mão segurando na arma que trazia escondida na cintura, subiu e viu o corredor que levava a uma única porta em completo silêncio e ordem. Mas sons estranhos vinham do outro lado. Eram coisas se quebrando e vários gritos.
            Com um chute na porta e arma em punho, Francisco entrou no apartamento e viu Beatriz prensada contra a parede, com um homem mascarado lhe apertando a garganta. Outro estava do lado oposto da sala, jogando tudo no chão, numa clara demonstração de que planejavam fingir um assalto. Obviamente, pensou Francisco, não se tratava disso. Seria mais fácil assaltar qualquer outro local. Sem dar tempo para eles reagirem, Francisco atirou contra o homem que segurava Bia, no exato momento em que ele virou surpreendido pela abertura da porta.

            - Solte ela! – Gritou.

            O homem não teria lhe soltado apenas pelo comando. Mas sentiu o sangue escorrer por seu abdômen e não teve alternativa se não libertá-la e sacar a própria arma. O parceiro também atirou e em meio ao fogo cruzado Beatriz se abaixou e aproximou-se da porta. Já no corredor, temeu por Francisco. Não lhe parecia justo abandonar quem veio lhe salvar. Porém, sabia que ele tinha condições de se defender. E depois de rolar pelo chão e lutar com aquele brutamontes, estava com o corpo dolorido demais para tentar qualquer ato de bravura.

            - Corra Beatriz. Não sou eu quem eles querem. – Francisco falou e Bia obedeceu sem mais vacilar.

            Beatriz preferiu descer todos os andares pela escada, com receio de alguém estar aguardando no térreo. Mesmo de pés descalços, levou vários minutos para vencer toda a decida e quando enfim chegou à portaria, passou reto pelo porteiro perguntando-se como aqueles homens passaram por ele. Chegou a rua e a viu deserta, e ficou ali estática, sem saber o que fazer. Aquele era a primeira vez em muitos meses que estava sem ninguém lhe vigiando. Não tinha noção de em que parte da cidade estava nem de onde encontraria uma delegacia de polícia. Estava suja e esfolada da luta com os bandidos, sem documentos, confusa e com muito medo.



            - É...a minha chance de fugir de tudo isso. De fugir dele. – Ela disse, mas seus pés não se mexeram. – Eu...vou...vou deixar Sebastian e ir na polícia. Vou...

            Beatriz deu alguns passos e já na rua, próximo do meio fio, saiu da frente do prédio. Queria andar pela rua até encontrar uma viatura policial e usar de sua fluência em inglês para relatar tudo o que lhe aconteceu, do sequestro no Brasil até aquele aprisionamento. E então, quando fosse descoberto quem era o proprietário daquele apartamento, Sebastian seria preso por mantê-la em cárcere privado. E isso é o correto. Porque ele lhe comprou. Ele pagou por uma mulher e isso é crime, sua consciência lembrava. Os pés, porém, não obedeceram. E ela ficou ali, na lateral do prédio, escondida, com medo de ser vista pelos bandidos quando saíssem. Eles passaram correndo minutos depois. Um ajudava ao outro, que estava ferido, a caminhar até um carro estacionado do outro lado da rua. Eles dispararam pela noite e só muito tempo depois Francisco saiu, correndo, parecendo procurá-la.

            - Estou aqui, Francisco. Você está ferido?
            - Não muito. Um deles me golpeou na cabeça. E aí aproveitaram para fugir.
            - Eles saíram faz tempo. Devem estar longe.
            - Vamos para o meu carro então, vou ligar para o patrão. Você não pode mais ficar aqui. – Francisco colocou-a na segurança do carro e se afastou para contar a Sebastian tudo o que acontecia.

            Já ciente do risco de Beatriz e Francisco correram e tentando entender porque alguém invadiria aquele apartamento, que ele mantinha com tanta descrição, Sebastian teve de decidir rapidamente como agir. Colocar a amante em um hotel seria arriscado demais. Porém, em hipótese alguma, ela poderia ficar no mesmo apartamento, agora conhecido de pessoas que desejavam seu mal.

            - Ela está machucada? – Isso é o mais importante. – Precisa de atendimento médico?
            - Acho que não...está um pouco lanhada, parece que rolou pelo chão e bateu no cara.
            - Ótimo. – Sebastian relaxou e então pode sorrir. – É uma grata surpresa saber que Bia não é tão indefesa quanto pensei.
            - Na verdade, talvez o problema seja exatamente esse, patrão. Você não sabe nada a respeito dela. Sebastian...essa invasão foi muito estranha. Está na cara que não se trata de dinheiro. Esses homens desejavam levar Beatriz, ou matá-la.
            - Eu sei...vou cuidar disso. Tem muitas coisas estranhas ocorrendo.
            - Você precisa investigar o passado de Beatriz. Desde o início me disse que ela não era como as outras prostitutas, mas isso agora está longe demais!

            Sebastian até poderia, mas não se aborreceu com o comentário do funcionário de tantos anos. Ao contrário, pensou que somente Francisco o conhecia tanto a ponto de compreender e não julgá-lo pela confissão que estava prestes a fazer.

            - Eu jamais desejei saber do passado de Beatriz porque desconfio que ele irá nos separar. Eu sempre soube que há um segredo em torno dela, algo que Gregory me escondeu desde a primeira vez que resolvi tê-la para mim durante algumas horas. Ela é incomum, eu percebi logo. Ela me olhava de forma estranha, observadora, analítica. Ela é mais inteligente que vários dos meus executivos. Seja o que for que ela esconde, vai tomá-la de mim. Eu sei que vai.
            - Mas não há alternativa. A segurança dela está em risco. – Francisco lembrou.
            - Isso nunca! Leve-a para minha casa, mas antes faça com que ela esteja apresentável. Vou avisar minha mãe e inventar uma desculpa qualquer...direi que seu apartamento teve de passar por uma reforma urgente no encanamento. A casa é cercada da melhor segurança e quero que você permaneça por lá até eu voltar.
            - E isso ainda demora?
            - Não! Vou adiantar meu voo. Diga para Beatriz ficar tranquila, que em algumas horas estarei junto dela. E que prometo que ninguém a machucará.

            Sebastian desligou o telefone e ficou sentado na mesma poltrona por várias horas. Deveria ir dormir, seu corpo estava cansado, a cabeça latejava, a mente não parava de pensar. E os caminhos que aqueles pensamentos tomaram não o agradaram. Várias conexões o estavam preocupando. Em toda a sua vida, jamais acreditou em coincidências. E a aproximação de Gabriela cada vez mais lhe gerava calafrios. Agora, o aparecimento do primo dela à sua frente em uma festa soava ainda mais curioso. Ainda mais porque teve a clara impressão de que a mulher grávida que o acompanhava parecia analisá-lo com uma frieza cirúrgica.
            Sem mais alternativa, tomou atitudes práticas. Avisou sua mãe da ida temporária de Bia até a residência oficial da família. Como já desconfiava, apesar da hora avançada, Angelina adorou a novidade. E sequer desconfiou da desculpa inventada pelo filho. Ou, resolveu que a mentira tinha uma boa causa.

            - É lindo ver que enfim uma mulher foi capaz de trazê-lo de volta ao mundo real, meu filho. – Angelina lhe disse.
            - Eu sempre estive nele, mamãe.
            - Não. Quem vive sem amor, não vive de verdade. E se Beatriz conseguiu fazê-lo viver, ela merece toda a minha hospitalidade.

            Quando desligou, Sebastian seguiu para a próxima tarefa, sem analisar a declaração da mãe. Estava tentando não colocar rótulos no que sentia por Beatriz e ater-se às atitudes práticas. A ligação seguinte foi para o investigador a quem costumava recorrer com relativa frequência. Fora ele quem preparou o relatório a respeito de Gabriela. Agora lhe tinha uma tarefa bem mais difícil. Aprofundar as buscas quanto a loura e estender aos demais Benitez, em especial Miguel e a esposa. E, para não deixar nada de fora, a empresa.

            - É bastante coisa, Sebastian. Não será rápido. – O detetive explicou.
            - Eu sei. Mas não demore nem um minuto além do necessário. Preciso dessas respostas urgentemente.



            Em um quarto próximo, Gabriela também fazia ligações. Ela já sabia da ação frustrada em que, não apenas Beatriz saíra viva da emboscada como um de seus homens estava ferido e agora Sebastian teria ainda mais cuidados com sua amante. Aquilo não poderia ter acontecido. Seu maior temor era Sebastian desconfiar do plano e, investigando-a, fazer ligações perigosas. Pela primeira vez em tantos anos atuando naquele ramo, percebia estar se expondo demais.

            - É incompetência demais! Matar uma única mulher é tão difícil assim? Vocês só tinham de acertar um tiro na testa dela. Simples! Qual a dificuldade?
            - Ela escapou porque o cara...
            - Um mísero motorista! Matassem também!
            - Ele luta bem e estava armado! – O homem ferido, com dor e recém costurado por um médico que fazia serviços ao grupo sem avisar as autoridades, também estava irritado e disposta a discutir.
            - Eu não sabia que ele era um segurança treinado! Mas vocês deveriam superá-lo com facilidade. Que seja! Agora só resta se esconderem até a poeira baixar. Não estranharia se Sebastian resolvesse tentar encontrar vocês. Ele parece apegado demais na vagabunda. – Já bastante assustada com o risco daquilo tudo, Gabriela arrependia-se de não ter matado Beatriz no primeiro dia. – Vão sumir os dois. Mas também me ajudar em duas coisas.
            - É só falar. – O homem, leal à Gabriela, respondeu.
            - Vão para Rússia e fiquem próximos da boate de Otto. Samantha foi enviada para lá, mas é ardilosa demais. Ajudem ele a lhe dar um tratamento especial e, se qualquer coisa estranha acontecer dêem cabo dela.
            - E Gregory? O que foi feito dele?
            - É juntamente por ele que ficarei no Brasil por mais alguns dias. Ele esteve hospitalizado por bastante tempo, mas agora está ao acesso na polícia brasileira. Vou resolver isso definitivamente antes que ele fale algo comprometedor aquela policial sem noção do perigo. Mas Samantha não deve saber disso.



            Sem saber que sua testemunha estava prestes a morrer, na manhã seguinte ao festa em que ficou cara a cara com Sebastian Gonzáles, Elizabeth carregou sua pesada barriga até o presídio que agora servia de casa a Gregory. Encontrou um homem bem mais debilitado do que na primeira vez em que conversaram. Já tinham conversado após ele se recuperar o tiro e da cirurgia, mas os últimos dias não parecerem lhe fazer bem algum.
            Ele estava abatido e revoltado. Talvez porque a quadrilha não tenha lhe oferecido ajuda. Ainda assim, ele não parecia disposto a abrir a boca. Já desconfiando disso, Liz passou na banca de jornal e levou ao encontro uma arma especial.

            - Perdeu seu tempo, investigadora. Não tenho nada a lhe dizer.
            - Do meu tempo, Gregory, cuido eu. E eu tenho algumas coisas para lhe dizer.
            - Pois diga...se é tão insistente assim, diga de uma vez.
            - O que você faria se eu lhe disse que já sabemos quem é a mulher que coordena tudo? Que sabemos a quem você obedeceu por todos esses anos? A mulher, ouviu bem?

            Gregory deixou transparecer apenas um leve apertar na mandíbula. E isso bastou para garantir a felicidade de Elizabeth. Estava certa.

            - Eu diria que você está demente, investigadora. – Ele afirmou. – Acho que deveria parar de mexer nisso. Seria mais seguro para você...e seu filho.

            Ignorando a ameaça velada, Elizabeth voltou ao ataque. E, diante do abandono que a quadrilha lhe oferecia, jogou sua cartada na mesa e abriu o jornal na coluna social. Na foto, Sebastian e Gabriela, desembarcando no aeroporto dois dias antes.

            - Ontem houve uma festa muito elegante no Rio de Janeiro, Gregory. Muito champanhe e muita gente rica. Inclusive esses dois aqui. Sebastian Gonzáles e Gabriela Alencastro. Eu me pergunto...estando tão próximos de você, será que seus amigos virão lhe visitar?




            - Não sei do que está falando! – Ele gritou, completamente fora de si. Enquanto ele estava preso, Gabriela bebia champanhe em um jantar de gala.
            - Sabe, Gregory. A corda arrebentou no mais fraco, como sempre acontece.
            - Sua vadia desgraçada! Não vou cair na sua! Não vou.

            Elizabeth resolveu lhe dar algum tempo. Que ele sofresse com aquela imagem mais um pouco.

            - Está bem. Se prefere assim, você fica preso, sua esposa...como chama...a Samantha...fica perdida por aí em algum lugar enquanto ELA segue no poder. Você faz a sua escolha Gregory! – Liz disse e saiu da sala, deixando o jornal para ele, como uma recordação.


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