domingo, 17 de julho de 2016

Ariella - Capítulo 17

Ariella jamais enganou a si mesma. Sempre soube que o sentimento nascido das mentiras de Diego jamais a abandonou. Mesmo no auge da dor e da mágoa. Mesmo enquanto o odiava, de alguma forma ainda o amava. E o fato de sua mente não conseguir explicar esse sentimento não tinha importância alguma. Permitiu-se ser beijada. Há tempos procurava aquele sabor em vários parceiros e não encontrava. Agora, quando ele atravessou um oceano para vir vê-la, não poderia deixar de permitir-se aquele prazer. Ainda assim, nada daquilo podia ser externado. Diego é um homem que não sabe amar nem ser amado. Ele aproveita-se desse sentimento e o usa como bem entender.



- Se afaste, por favor, Diego. Acabou o tempo em que você tinha o direito de me beijar.
- Não se trata de direitos, Ariella. São vontades. E eu vejo em você a mesma vontade que também sinto.
- Acha mesmo que pode voltar pra minha vida, quase 11 anos depois, como se a gente não tivesse uma história trágica...
- Não é trágica. É uma história de amor.
- É sim! Trágica. E não só pra mim, mas pra muitos. Trágica pra sua mãe, que morreu no meio disso. Trágica para o seu pai que sofreu muito. E para você que não satisfeito com a própria infelicidade, dedicou anos de planejamento a destruir a minha vida! E agora, passados 11 anos, volta e conta mentiras para me alarmar. Não cairei nessa! Vá embora!



Diego não tinha argumentos para revidar aquele ataque. A história deles realmente fora marcada por tudo aquilo mesmo que ele, no íntimo, tivesse guardado lembranças mais doces. Impossível porém, não compreender as razões de Ariella. Fora quem teve de se reinventar após perder a confiança no pai e no marido. E igualmente só aprender a viver sendo uma deficiente física. Ao ouvi-la cara a cara Diego percebeu que a melhora dos ferimentos físicos causada pelo esforço dela e pela fisioterapia não se refletiu em um avanço de sentimentos. No coração, Ariella estava tão ferida quanto há uma década. Nada tinha a fazer que fosse capaz de mudar isso. Porém, uma de suas falas ele seria obrigado a contestar.

- Está bem, não te beijarei mais. Porém, ficarei aqui. Porque não lhe disse nenhuma mentira. Tenho motivos concretos para temer pela sua segurança. – Disse-lhe apenas, antes de observá-la um pouco mais. – E fiquei com mais medo ainda ao chegar aqui e encontrá-la bêbada.

- Eu estava com vontade de beber e bebi. Algum problema?
- Sim! – Como ela ainda perguntava? - Não gostei de ver você assim.
- Então vá embora e não veja mais.
- Pela última vez: não vou embora. Quero saber por que bebeu tanto.
- É carnaval! Cada um faz o que tem vontade.
- Mais um motivo para eu ficar aqui até o final do feriado. – Diego afirmou. - Entenda que até quinta feira vou ficar aqui e quando sua nova empregada voltar ela vai ter que explicar algumas coisas. Tenho razões para desconfiar que ela passou informações suas a uma quadrilha.
- Isso é loucura. – Mas lá no fundo o medo de viver novamente momentos de terror nas mãos de sequestradores a fez tremer. – Eu vou na polícia resolver isso.
- Se quiser, vamos juntos. Mas eu permanecerei aqui mesmo que uma guarnição do exercito fique na sua porta.
- Você é um desgraçado teimoso! – Ariella estava irritada com toda aquela insistência.
- Se nada ocorrer durante o feriado, Carla confessar tudo que está planejando e você ficar segura eu vou embora. – E com isso Ariella voltava a se surpreender. Até o nome da empregada Diego conhecia. - Até lá vamos aproveitar para nos conhecermos melhor.
- Isso é loucura! Você está usando isso para se aproximar de mim. Me forçando a conviver com você, mais uma vez!

Diego não esperava por aquela acusação. Sempre fora um homem de palavra e teria que honrar sua resposta. Talvez estivesse decretando seu afastamento para sempre.



- Eu nunca mais te forçarei a nada, Ariella. Pago muito caro há 10 anos por aquilo que te fiz. Vamos fazer um acordo, sim?
- Qual?
- São apenas cinco dias juntos. E eu não a obrigarei a nada, jamais. Apenas ficarei aqui, servirei de segurança e de uma companhia para conversar quando você desejar. Mas você tem que me prometer que neste meio tempo vai esquecer tudo que vivemos na Espanha e dar uma chance para que nos possamos conviver sem brigas.
- Para você é fácil. Eu sei o que vivi e não consigo esquecer. Mas vou te tratar com respeito.
- Não é fácil para mim também. Em cada dia que acordo, me lembro de quando Ítalo avisou do acidente. Pensei que fosse morrer. Acompanhei sua vida também para ter certeza que não tinha grandes problemas pelo que ouve.
- Hoje não. – Se bem que nesse momento sua perna latejava. - Eu só não posso caminhar por grandes distâncias ou muito rápido. A caminhada de ontem na areia fofa da praia está me custando caro hoje.
- Dói? Ontem você cometeu alguns exageros.
- É. – Ela ficou rubra. – Você deve estar pensando que eu me tornei uma...
- Eu não pensei nada. Apenas fiquei preocupado com sua segurança. Devia descansar um pouco mais.

Sem perceber, Diego havia lhe dado a desculpa perfeita para permanecer sozinha e escondida durante todo o dia. Ariella ficou algum tempo deitada em seu quarto e depois foi para seu estúdio de pintura, agradecendo não tê-lo visto. Tinha os pensamentos confusos demais para suportar um novo encontro com alguém tão insuportavelmente irresistível e perigoso quanto seu ex-marido. O tempo passou rápido e Ariella teve os pensamentos absorvidos e levados para a Argentina. Misteriosamente, sua mente não estava presa as lembranças ruins, vividas na Espanha, mas sim em toda sua felicidade ao ser cortejada por um homem especial e atencioso. Aqueles foram dias de pura felicidade e por muitos anos Ariella se perguntou o motivo de Diego não ser aquele homem.
Sequestro? Seria verdade ou apenas um modo de ficar em sua casa? Não! Ao menos naquele ponto confiava em seu ex-marido. Diego jamais iria assustá-la apenas para ficar junto dela, menos ainda depois dela ter se jogado em seus braços sem precisar se aterrorizada com nada. Ela reconhecia que sua nova empregada não tinha boas referências ou fora encaminhada por uma boa agência de empregos. Alguém havia lhe indicado ela e assim foi contratada. Até então estava agindo bem e sendo prestativa, mas não sabia muito a respeito de Carla. Poderia realmente estar correndo perigo. Melhor esperar. Esperar mantendo distância do marido.



Diego estava confiante. Ariella havia aceitado sua permanência na imensa casa e com a convivência iriam se aproximar novamente. Era essa certeza que o fazia sorrir, no jardim da casa, solitário enquanto Ariella repousava. Vê-la mancar lhe feria o coração. Sabia que o acidente havia deixado um sequela leve. Ariella conseguia caminhar perfeitamente, porém não podia correr ou forçar os músculos ao extremo. Na noite anterior ela havia caminhado na rebentação e isso a deixou dolorida. Saber que nada mais havia por fazer, era uma ferida que não fechava. Agora ela esta escondida no quarto usando a desculpa de estar cansada. Talvez estivesse mesmo. Porém, se realmente confiasse nele, se tivessem uma boa relação, ele estaria lhe oferecendo uma massagem e assim afastando todas as dores. Não era possível porque Ariella não conseguia perdoá-lo.

 


No fundo sabia que sua esposa estava bem, apenas colocando os sentimentos em ordem. Buscando ter esperança, a noite ainda não havia caído quando ele tomou banho e foi para a cozinha da casa. Se Ariella conseguiu esconder-se o dia todo, à noite ele a forçaria a sair do casulo. Estava com tudo preparado na cozinha para que ela fosse surpreendida com um belíssimo jantar e com isso seu coração iria ficar mais brando.
Ariella teve que respirar fundo muitas vezes quando saiu no terraço esperando encontrar um Diego irritadiço e alguma comida sendo descongelada, mas encontrou um jantar caprichado e um marido sorridente. A mesa estava arrumada com simplicidade e sem a elegância que ele estava habituado. O cardápio era algo que vinha pré-cozido, mas que ele havia preparado com todo o cuidado. A vista surpreendente e um lindo arranjo de flores terminavam a decoração.

 


- Não sabia que gostava de flores ou que sabia cozinhar.
- Sabe pouco ao meu respeito. – Ele não tinha muito apresso por flores e cozinhava apenas o básico, mas preparou tudo na intenção de agradá-la.
- Sei apenas o que mostrou.
- Eu não quero discutir, Ariella. – Esso era verdade. – Quero jantar em paz com minha mulher.
- Não somos marido e mulher há muitos anos para que você agora apareça exigindo seus direitos.
- Um homem tem o direito de sonhar. E não recordo de ter exigido nada. Vamos comer em paz, sim?

Apesar do clima pesado, jantaram em paz. Caía uma chuva fraca lá fora e que em nada estragava a bela vista da sacada. Aos poucos, Diego entendia quais encantos tinham fisgado Ariella. Beberam vinho, mas sem exagerar e conversaram amenidades.

- Sua barba cresce muito rápido. – Ela comentou, por um momento esquecendo-se do quanto aquele comentário podia soar íntimo.
- Isso foi uma reclamação? – Diego respondeu, passando a mão pelo maxilar.
- Não. Você fica bem com ela...mais masculino. – Então ela percebeu que estava indo longe demais. – Não que isso me diga respeito.

Ariella aos poucos foi descobrindo como o ex-marido fora criado pela avó e o pai. Contou muito sobre si também e acabaram por descobrir curiosidades e proximidades em suas vidas. Ambos tinham famílias muito preocupadas com problemas financeiros para ter tempo e paciência com os filhos.

- Eu entendo que sua infância não foi a ideal, Diego. – Ariella reconheceu sem deixar margem a esse fato bastar para ela perdoá-lo.
- Nem a sua. Teve um tempo em que idealizei a sua vida Ariella. Como se da minha infelicidade tivesse nascido a perfeição da sua infância. Hoje eu vejo que nenhum de nós teve um lar de verdade.

Diego foi educado para ser um homem de responsabilidades. Não tinha lembranças de poder brincar sem alguém vigiar, de seu pai o acompanhar a praia ou a nada que não envolvesse um planejamento. Quando os anos passaram, ele já estava grande para brincadeiras e tiveram início as muitas brigas. Alberto contava com o filho para cuidar de um grande patrimônio financeiro e honrar o título. Porém, ele mesmo jogou fora o patrimônio enquanto se afundava em depressão. No fim, não havia herança alguma a herdar e a relação deles estava destruída.
Para Ariella a infância fora sinônimo de mimos. Teve tudo que sonhou e na maioria das vezes nem mesmo chegava a pedir. Seus pais sempre foram ausentes, mas Ariella gostava de pensar que se sua mãe não tivesse morrido tão cedo as coisas teriam sido diferentes. Com o pai era muito diferente. Com ele havia sofrido uma grande decepção. Sempre acreditou na devoção de Afonso e ouvir a verdade foi sofrido. Pouco se importando com seu bem estar, era fácil para ele se afastar agora que ela não iria lhe fornecer dinheiro. Aquela perda foi tão doída quanto descobrir os motivos de Diego se casar.

- Se a trégua acabou, acho que vou repousar – Ela estava decidida, quando percebeu o silêncio permanente.
- Só existe trégua quando estão em guerra. É o nosso caso?
-Não vou fingir que sou sua amiga, Diego. Não tem cabimento você ficar aqui. Por favor, vá embora.
- Vamos voltar a isto novamente? Eu desejo apenas proteger você!
- Não preciso da sua proteção.

Ele já esperava por sua insegurança e por isso trouxe consigo ao Brasil provas do que havia dito. Ariella empalideceu quando viu fotos de sua empregada, com pessoas estranhas a ela, enfrente sua casa.

- Não prova nada. - Disse por pura teimosia. – Sabe que não pode acusá-la de nada além de estar recebendo visitas em horário de trabalho.
- E isso? – Lhe mostrou a ficha policial da empregada. – Bem extensa não acha? E perdidas no meio de tantas infrações estão estelionato e assalto.

Ariella sabia que não podia continuar a discordar dele, mas também não desejava passar dias junto ao marido dentro de sua casa! Depois que ele se fosse ficaria com lembranças de Diego por todos os lados, poderia sentir seu perfume pela casa e, mais uma vez, sofreria por sua falta.
- E o que pensa em fazer? Ficar aqui eternamente? Um dia terá de ir e aí eu terei de resolver esta situação da maneira que sei: polícia.
- A polícia brasileira não é eficiente nem mesmo em dias comuns, no carnaval aparecerá depois que estiver morta ou no mínimo sem nada em sua casa! - Ele não pretendia ser tão bruto ou assustá-la, mas foi o que fez. - Confia em mim droga!

O peso do constrangimento e de todas as cargas do passado voltou a se fazer presente. Eles foram para a sala com taças na mão e tentaram encontrar algo para ver na televisão. Desfiles de carnaval foram deixados de lado. Por fim, Ariella desistiu e levantou-se decidida a dar uma desculpa qualquer e esconder-se novamente.

- Não se preocupe. Não vou invadir sua cama. – Diego parecia conseguir ler seus pensamentos. Tranquilamente ele se aproximou e beijou seus lábios. – Eu tenho esperança de um dia ainda estar nela, mas nunca forçarei nada. Se tem um dos meus arrependimentos que se sobrepõem aos outros é quando a pressionei a estar nos meus braços. Não é algo que um homem de verdade faça. E eu vou pedir perdão eternamente.

Aquela culpa doeu no coração de Ariella. Lembrava-se daquelas noites de paixão. Em muitas ele estava bêbado, fazendo uso de um pouco mais de força. Talvez sendo grosseiro além do que a elegância permite. Mas jamais obrigou-a a transar. Ela o quis, mesmo quando dizia o contrário. Ariella foi se aproximando cada vez mais, percebendo que mesmo 11 anos depois continuava ansiando por ele como mulher.



- Eu quis em cada uma das vezes, Diego. Você nunca me violentou. Quanto a isso, pode enterrar sua culpa.
- Eu lembro do que eu fazia, Ariella. Mesmo do que fiz bêbado. Lembro de você me mandar parar...e eu prosseguir. Eu te desejava tanto...queria te provar que era seu homem...e agi feito um animal.
- Isso não é verdade. E eu estava sóbria, então minhas lembranças devem valer mais. Foi bom em cada uma das vezes. Eu gritava porque nossa relação estava passando por todos os problemas possíveis, não por desgostar do seu toque. Meu corpo sem ansiou pelo seu...é assim até hoje.

Diego tentava esfriar o corpo. Não queria transar com ela nessa noite apenas para ter mais mágoas com o que lidar amanhã. Mas tendo-a ali, acariciando seus lábios com a ponta dos dedos, numa delicadeza só dela, o estava descontrolando.

- Não me provoque, Ariella. Meu corpo e minha mente querem você. Então se não me deseja, é bom pararmos por aqui enquanto tenho forças para ir dormir sozinho e deixá-la ir para o seu quarto.
- Talvez eu prefira que você venha para o quarto comigo. – Ariella sabia que no futuro podia se arrepender, mas talvez jamais pudesse viver aquilo novamente.


Não tinha planos para juntar os retalhos de um relacionamento com Diego, apenas de aproveitar aquela paixão de carnaval. Feliz e surpreso com a oferta de Ariella, Diego beijou-a com paixão e ergueu-a do chão indo em direção ao quarto.

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