domingo, 17 de julho de 2016

Alguém Para Perdoar - Capítulo 9


            Aos 36 anos, Milena não tinha mais nenhuma razão para temer a reação dos pais a nenhuma atitude ou decisão. Ainda assim, a única frase que necessitava falar estava presa em sua garganta. Ser formada na faculdade e ter ocupação e renda independente da sua família, não minimizada sua apreensão. Não precisava dos Vicentin financeiramente, mas seu coração seria eternamente ligado aquela família pela qual não nasceu e ainda assim foi acolhida como filha.
            Desde o dia em que contou à família de sua gravidez, ninguém nunca mais a pressionou para saber quem era o pai de Maria Fernanda. Eles a acolheram da mesma forma que a ela, no passado. Ainda assim, aquela interrogação permaneceu. E se jamais lhe perguntaram nada foi para não despertar tristeza, primeiro durante a gestação e, depois do nascimento, respeitando o momento difícil de saber que a filha era portadora de uma deficiência. Lorenzo e Jonas ofereceram mais do que apoio. Garantiram que Maria tivesse dois grandes exemplos masculinos na vida, independente de sua mãe casar-se ou não.
            A vida seguiu, as dificuldades mudaram e Maria Fernanda mostrou-se uma grande benção aos Vicentin. De repente, não mais importava de qual homem vinha o sangue de Maria, afinal esse nunca fora um critério para dar ou não amor naquela família. Maria fez os bisavós ganharem nova fé na vida enquanto para Giovanna e Leonel a chegada da neta a cada visita era sinônimo de muitos sorrisos e brincadeiras. Eles rejuvenesciam junto de Maria Fernanda. E justo agora quando não mais havia nenhuma cobrança pela verdade, ela precisaria falar. E a família a olhava ansiosa.



            - Fale, minha neta! – Vovó Ângela, naquela impar mistura de docilidade e franqueza, pegou a mão esquerda da neta entre as suas. – Fale o que a deixa tão nervosa. Somos a sua família.
            - Eu sei vovó. – Disse e enfim conseguiu sorrir. Não havia mais motivos para manter aquele segredo. – Há alguns anos eu disse a vocês que jamais saberiam o nome do pai de Maria. Mas hoje vou pôr fim nesse silêncio. Há cinco anos eu tive um relacionamento breve, porém intenso, com Nathan Johnson, sócio de Emily no Calderone. Nós estivemos juntos durante alguns meses, não muitos, é verdade, mas o bastante para que ele me desse Maria Fernanda de presente.
            - Espere, Milena! – Leonel gritou, assustando a todos. Poucas vezes o patriarca elevou o tom de voz em uma discussão. – Esse homem esteve comigo! Jantou à nossa mesa! Bebeu do nosso vinho! E não teve a hombridade de assumir que desejava minha filha?
            - Mas Milena....esse rapaz é casado! – Giovanna afirmou, assustada. – Eu desconfiei, por um momento que algo surgia entre vocês e falei com Emily. Ela me garantiu que nada aconteceria entre vocês porque ele era casado e cuidava da esposa doente há vários anos.



            - Emily nunca soube de nada! Nem seu sabia que Nathan era casado até o dia em que ele me dispensou e falou a razão.
            - E foi embora sem valorizar a filha que você esperava? – Giovanna tinha dificuldade em acreditar naquilo. Essa postura não combinava com um homem que passava anos cuidando de uma esposa enferma.
            - Quem abandona um filho não é homem de verdade. – Vovô Francesco afirmou, com tom baixo e a dificuldade de articular as palavras gerada por sua saúde frágil.
            - Que pena! E tão lindo. – Vovó Ângela comentou, ainda acarinhando a neta. – Os lindos são os piores, minha querida.
            - Eu nunca lhe contei sobre Maria. Por mim, Nathan jamais teria ficado sabendo da filha. – Enfim, toda a verdade fora dita. – Mas ele veio aqui, viu-a e me pressionou pela verdade. Quer reconhecê-la como sua e conviver com ela...e com vocês, é claro.
            - E a quer? Vocês retomaram o relacionamento? – Essa pergunta, só a mãe podia fazer.
            - Não. Isso jamais acontecerá. Há mágoas demais entre nós. – Milena falou aos familiares. – Eu...estou sem fome e...prefiro ficar sozinha para pensar. Se me permitem eu...
            - Não! - Leonel afirmou. – Basta de esconder-se. Você desabafou e pôs fim a essa história. Não tem do que se envergonhar. Vamos jantar. E depois avisará a esse rapaz que eu quero lhe encontrar. Ele tem explicações a me dar.


            O jantar ocorreu em família. Primeiro num silêncio constrangido, depois no natural falatório à italiana. Aos poucos, o motivo daquela conversa foi esquecido e restou a tranquilidade de que, enfim, não havia mais nenhum segredo entre eles. Logo vovó Ângela tagarelava enquanto Leonel paparicava Maria Fernanda, comendo à mesa, sem saber do que os adultos conversavam.
            Mas a voz de uma pessoa não mais foi ouvida. Giovanna comeu em silêncio e sentiu como se cada garfada de comida lhe pesasse no estômago. Estava triste, ferida e magoada com a filha. Não por ela ter se tornado mãe sem ser casada. Não se julgava antiquada a esse ponto. Sofria apenas porque Milena, apesar de todos os seus esforços, não havia criado laços fortes o bastante com ela para abrir o coração à mãe num momento tão difícil quanto aquele. Com o coração dolorido, ela pediu licença da mesa e recolheu-se no quarto. Já estava tirando a maquiagem quando a porta se abriu. Poderia ter pensado se tratar de Leonel, mas o perfume que tomou o ambiente foi o de Milena.

            - Mãe, qual o problema? – A filha perguntou, mesmo sabendo qual a resposta estava presa na garganta da mãe.
            - Dói no peito de uma mãe saber que a filha não confia nela. Será que eu fui uma mãe tão ruim assim para a minha menina sofrer sozinha sem contar o que guarda no peito? Isso é algo que não posso suportar.
            - Você foi a melhor mãe que Jonas e Lorenzo poderiam ter. E eu nem sei o que teria sido de mim, não fosse você e papai me acolherem.
            - Pare já Milena Vicentin! Essa conversa não me agrada! – Giovanna gritou. – Não existe separação entre Jonas, Lorenzo e você. São os três crias minhas, os três Deus me deu e cada um de vocês eu amo com todo o meu coração.
            - Eu nunca duvidei disso, mãe.
            - Então porque guardou tudo isso com você? Eu teria ficado do seu lado, te acolhido e recebido minha neta nos braços. Não importa quem é o pai. Ela é uma Vicentin!
            - Não foi por vocês. Eu...eu precisava passar por aquilo sozinha. Doeu muito ser desprezada por ele. E por ter Maria comigo, eu sabia que era hora de crescer, de me tornar forte. Você sempre foi a melhor amiga que eu poderia ter mãe. E se um dia Maria confiar em mim, como eu confio na senhora, serei uma mãe realizada. Eu te amo tanto, mãe. – Milena disse e abraçou a mãe.



            - Minha filha...você é tão minha, é tão eu. Até nos mais delicados detalhes.
            - E Maria também. Ela parece muito com a vovó Giovanna.
            - Sim, a nossa Maria Fernanda. – Giovanna sorriu e secou uma lágrima que escorreu silenciosa. – Conte a verdade pra ela. É assim de que deve ser entre mães e filhas, sempre. Lembra de como eu te contei que você não havia nascido da minha barriga, mas sim dos sonhos do meu coração? Eu tinha medo de te fazer sofrer, mas contei porque era o seu direito saber. E Maria tem o direito de saber que Nathan é o seu pai. Mesmo que como homem ele tenha falhado, como pai Nathan merece uma chance.
            - Eu vou contar, mãe. Porque eu sinto que eles merecem se conhecer. E Nathan quer conviver com Maria Fernanda.

            Naquela madrugada Milena, sem conseguir esperar pelo amanhecer, ligou para Nathan. Não se surpreendeu ao ele atender no primeiro toque. Nathan sempre teve o sono leve, ela recordou-se. E logo deixou o pensamento de lado. Aquele tempo de intimidade não existia mais.
            - Desculpa ligar tão tarde...
            - Eu estava acordado. Fale o que tem a dizer. – No fundo, ele sabia o que era.
            - Falei com eles...contei tudo, Nathan. Papai e mamãe querem receber você aqui em casa. Garanto que irão recebê-lo com respeito, mas eles não aceitam o que se passou entre nós. Então terá de lidar com isso.
            - Eu não esperava nada diferente disso, Milena. E quando falaremos com Maria?
            - Eu contarei para minha filha. – Disse ela não abriria mão. – Amanhã, se for possível. Venha almoçar com a gente, por favor.

            Nathan poderia ter iniciado uma discussão e lembrado a Milena que aquela linda menina também tinha o seu sangue e que ele possuía não apenas o direito de estar perto dela, mas que Maria já o amava. Porém, iniciar uma discussão com Milena, conseguiria apenas ressurgir a mágoa. E ferir aquela mulher mais uma vez estava fora de seus planos. Dessa vez poderia, faria tudo no tempo certo e mostraria a Milena que também sabia esperar e fazer o que era preciso.

            - Durma bem, Milena. Nos veremos na hora do almoço. - Disse, tranquilamente, antes de desligar.

            O mais difícil, porém, Milena não fez. Sob a desculpa de que era muito tarde e, já na manhã seguinte, de que aquele não era o melhor momento, ela não conversou com Maria Fernanda. E a cada vez que olhava para o relógio, percebia seu tempo terminando. Passava das 10hs quando a filha veio chamá-la para brincar. Com gestos rápidos, disse querer fazer um monte de brincadeiras, mas não ter ninguém para estar junto.

            Durante a brincadeira de casinha, tomando chá de mentirinha, mas com um pedaço verdadeiro do bolo preparado pela vovó Ângela. Maria não demorou a perceber que sua mãe estava dispersa. Aquela dificuldade em se comunicar fez dela uma criança ainda mais observadora que os demais. E ela conhecia muito bem aquela que lhe deu a vida. Depois de alguns minutos, ela gesticulou perguntando o que a mãe tinha.
            Milena teve dúvidas se falar a verdade para a filha naquele momento era ou não o melhor a fazer. Nathan tinha esse direito e lutaria por ele. Porém, era apenas em Maria que deveria pensar. E não tinha certeza de que sua filha seria beneficiada por uma mudança tão brusca em sua vida. Ainda em dúvida, porém, gesticulou à menina questionando-a se gostaria de ter um papai e viu seus olhos brilharem. A única resposta da filha foi um suave balançar de cabeça que fez seus cachos dourados se movimentarem. “Eu ia gostar sim. É legal ter papai. Meus coleguinhas têm”, ela disse após pensar.

            - Um dia, filha, um dia você também terá. – Milena disse por voz e gestos.

            Se Nathan, hospedado no RS, estava ansioso por conhecer oficialmente sua filha e ter na vida dela um papel de pai de verdade, em São Paulo, Rafael arcava com as consequências de não abraçar o sonho tão desejado pela esposa. Enquanto Melissa fazia planos de adotar a complicada Isabely, Rafael mantinha-se afastado de qualquer conversa a respeito da menina. No início isso até funcionou, mas, com o passar dos dias, ela foi ficando cada vez mais irritada. Naquela manhã, na mesa do café, apenas Tales recebeu a atenção da mãe.

            - Vá se arrumar Tales, eu te levarei ao colégio e depois vou ao abrigo visitar Isabely. – Mel avisou ao filho.
            - Mas mãe...a Isa não quer ver você. Eu falei com ela ontem e ela ainda tem mede de ser adotada...
            - Só vai perder esse medo quando nos conhecer e ver que podemos ser bons pais. – Ela não iria desistir tão fácil. – Apesar de certas pessoas não saberem demonstrar isso.
            - É só o que me faltava! Agora sou o vilão da história. – Rafael reclamou. Mas foi totalmente ignorado pela esposa. – Não vai falar comigo?



            Melissa continuou sem falar nenhuma palavra ao marido. Assim que Tales subiu, ela deixou a mesa e foi pegar o carro. Quando o adolescente retornou, encontrou o pai triste na sala, com os ombros caídos enquanto observava Mel pela janela.
           
            - Calma, daqui a pouco ela faz as pazes com o senhor. – Tales não perdeu a chance de dizer.
            - Eu não tenho tanta certeza assim, meu filho.
            - É só você ajudar, papai. – Esse não era um assunto que seu pai gostasse de falar, mas ele resolveu arriscar. - A Isa é sim uma adolescente complicada, mas é apenas porque ela nunca teve uma família de verdade. Imagina se no lugar da Isa fosse eu, o senhor gostaria que eu fosse rejeitado?
            - A própria Isabely não quer o amor de ninguém! – Rafael gritou.
            - Ela não quer porque não o conhece, só por isso, papai. – Tales decidiu que já era hora de deixar o pai sozinho com os próprios pensamentos. – Deixa eu ir...antes que a mamãe brigue comigo também.

            Rafael chegou ao escritório irritado e desanimado. Já tinha vivido muitos momentos difíceis na construtora, em especial durante turbulências econômicas e também divergências entre Jonas e Juliana. Mas em todos esses momentos, teve a segurança do lar como um esteio. Tudo podia estar ruim, mas seu casamento era forte e Melissa o apoiava em cada decisão difícil. Hoje não era mais assim. E cruzar com uma Márcia irritadiça e de expressão fechada, além de receber uma mensagem de Jonas informando que teriam uma reunião urgente com cliente, só serviram para piorar seu humor.



            - Sabe me dizer qual o problema de Márcia. Ela sempre foi meio azeda, mas hoje está virada num limão. E eu sem saco pra isso. – Perguntou para Jonas assim que o viu.
            - Parece que o ex ganhou alguns direitos quanto ao filho e ela não gostou nada. E o advogado abandonou o caso. Não aguentou a fera. – Jonas respondeu.
            - Não me surpreende em nada.
            - Mas você já foi um homem mais pacífico. O que há? – Poucas pessoas conheciam Rafael tão intimamente quanto Jonas. E por isso, só ele podia lhe dizer algumas verdades. – Ainda é a menina órfã? Não acha que talvez seja você o errado nessa história? Não seja tão teimoso!
            - Não é você quem terá de tornar-se pai mais uma vez sem estar preparado pra isso. Esse não é um sonho nosso! Melissa inventou isso do nada e age como se eu estivesse errado em não sonhar isso também!
            - Às vezes, a gente não vê algo que pode nos fazer muito feliz. Eu tive uma briga muito séria com Emily ao saber que ela desejava um filho meu. E hoje, não sei como consegui passar tantos anos sem tê-los. Talvez você deva se abrir para essa ideia.

            Rafael lembrava-se bem de quando Jonas dizia-se um solteiro convicto, sem vontade alguma de formar família. Até Emily surgir, mudar o rumo de sua vida e lhe mostrar o real significado de ser feliz. Ainda assim, assumir uma filha agora, uma adolescente rebelde, não o agradava.

            - Eu acho que você e Mel deveriam pensar em um apadrinhamento. Pra conhecer melhor a menina, ela se adaptar e vocês também. E quem sabe você não muda de ideia e percebe que ser pai de mais uma filho seria bom?
            - Talvez...é, talvez....

            Eles deveriam estar ali se preparando para uma reunião difícil com um investidor que pensava em adiar uma grande obra. Mas estava discutindo assuntos muito pessoais. Jonas não estava nada preocupado. Lembrava-se bem do tempo em que Rafael ouvia todas as suas dúvidas e lamentos. Era hora de pagar ao amigo com a mesma atenção. Ele não se surpreendeu quando Rafael perguntou se podia assumir sozinho aquela reunião.

            - É claro. – Respondeu. – Mas que fará?
            - Vou ao orfanato. Conversar com Marta, conhecer a história dessa menina...dar uma chance.
            - Fico feliz em ouvir isso. Não tem como decidir bem sem conhecer tudo.
            - É...não sei se conseguirei ser um pai pra Isabely. Não sei se quero isso! Mas vou lá...por Mel. Não consigo ficar brigado com ela. Simplesmente não consigo.




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