terça-feira, 10 de maio de 2016

Ariella - Capítulo 10


Angustiada, Dulce estava sentada em um dos cafés mais tradicionais do centro de Buenos Aires. Já tinha ligado para o celular de Ariella algumas dezenas de vezes e em nenhuma conseguiu ouvir sua voz. Suas redes sociais estavam paradas. E pelo WhattsApp a resposta que recebeu dizendo apenas “estou bem e pode ficar tranquila” de nada serviu a não ser plantar mais dúvidas em suas mentes.



O sumiço da amiga e também de Diego, que desapareceu de forma tão abrupta quanto chegou, estavam causando calafrios em Dulce. Na esperança de tentar descobrir algo, foi à faculdade e ao prédio da amiga. Surpreendentemente, descobriu que Ariella trancou a matrícula no curso sem dar mais explicações. Depois de muito pedir, praticamente implorar, o porteiro autorizou sua entrada no apartamento.

- Obrigada! É caso de vida ou morte!
- Está bem dona Dulce. Só deixo porque sei que são muito amigas. – O simpático funcionário ao qual tantas vezes ela cumprimentou ao vir visitar Ariella agora retribuía o carinho.

Ao entrar no apartamento, Dulce teve algumas surpresas. Seja qual fosse a razão que levou Ariella a sumir, não foi algo inesperado. A mala da amiga não estava no local de costume e mesmo sem ter percebido a falta de nenhuma roupa em especial, ela obviamente havia retirado peças do closet. Na pia do banheiro havia também um vazio. Ela levou sua nécessaire e também o frasco de seu perfume. E na cozinha ele teve outra grande confirmação. A geladeira fora esvaziada. Ariella pretendia demorar a voltar e, mesmo assim, não lhe falou nada.
Sem alternativa, Dulce ligou para todos os amigos em comum. Ninguém soube dizer absolutamente nada. O desespero foi aumentando, no compasso que os minutos passavam. A ideia de que Dulce não estava tão bem quanto aquela mensagem sugeria. Numa última esperança, desagradável, porém, necessária, foi tomada por Dulce menos de uma hora depois de sair do apartamento da amiga. Ela entrou no escritório de Afonso Amaral, recebida por um olhar desconfiado e um tanto abatido.

- Bom dia. O senhor não me conhece, mas...
- Conheço, é claro que conheço. Tenho conhecimento de todos os amigos de Ariella. Algo necessário à sua segurança. Algo com o que eu me tornei obsessivo após algumas coisas que nos aconteceram no passado.
- Eu compreendo, Sr. Amaral.



- E no que eu posso ajudar a essa bela jovem? Não é que sua visita me incomode, Dulce, mas minha agenda não está livre hoje.
- É claro. Mas é algo muito rápido. Apenas preciso que me diga para onde Ariella viajou sem avisar aos amigos. Como o senhor mesmo afirmou, mantém muitos cuidados sobre a segurança dela então, certamente, sabe o local exato aonde ela está nesse momento. – Havia um fundo de provocação na pronuncia de cada uma das palavras.

Afonso Amaral observou Dulce com atenção pela primeira vez na vida, mesmo já tendo lhe visto em outras oportunidades. Nunca, porém, havia observado aquele brilho em seus olhos, início de sua curiosidade aguçada. Tentar enganar Dulce era um erro. Mesmo assim, não podia lhe dizer nada próximo da verdade.

- Sei, é claro. Mas não posso lhe informar nada. Sinto muito. – Disse apenas.
- Como assim? Se sabe, diga logo!
- Se Ariella desejasse lhe contar, teria feito isso. Não o fez, certamente com suas razões. Então não me cabe lhe informar. Agora, se me der licença...
- Não! Há algo de muito errado nesse sumiço. E essa sua mentira só me faz desconfiar ainda bem. Saiba que não desistirei!
- A sua imaginação é típica de sua idade, minha jovem. – Afonso falava sorrindo, tentando conquistá-la pelo charme. Viu que não ia conseguir e endureceu o tom. – Se quiser perder seu tempo e continuar a procurar por Ariella, perca. Mas não o meu. Agora saia antes que eu chame a segurança.

Na Espanha Ariella pensava em Dulce e em como ela deveria estar encarando seu sumiço. Talvez já tivesse denunciado à policio o desaparecimento. Ou, quem sabe, estivesse investigando seu paradeiro. Qual fosse a atitude da amiga, não faria diferença a menos que ela estivesse segura do que fazer. Mesmo que a polícia invadisse aquela casa, para salvar seu pai, caso fosse essa a sua decisão, seria obrigada a ficar ali. A cada momento odiava mais aquele homem que a enganou, porém, hora após hora, compreendia melhor suas razões e passava a duvidar do próprio pai. Chegara em uma situação tão desesperadora que não conseguia confiar em nada ou esperar a ajuda de ninguém.

As atitudes dos amigos de Ariella, na agora distante Buenos Aires, era apenas um dos temores que Ítalo levava a Diego. Não passou despercebido ao experiente funcionário dos Bueno que ao executar aquele planejado objetivo, Diego não se preocupou em mentir a própria identidade ou nacionalidade. Não demoraria muito para que Dulce ou qualquer outro dos amigos de Ariella, todos com recursos e contatos o bastante, chegassem até a Espanha procurando pelo Conde por quem Ariella se encantou pouco antes de desaparecer. Cego de vingança, Diego deixou mais pistas do que esperava.

- Não estou preocupado. Se alguém aparecer aqui, lidarei com o problema. – Ele respondeu ao amigo e funcionário.

Ítalo deixou o assunto de lado. Tinha outros ainda mais urgentes e que o fizeram procurar por Diego assim que ele pôs os pés para fora de casa, mais uma vez deixando a jovem esposa trancada e aos gritos de socorro. Podia ver nos olhos de Diego que aquela situação também o estava ferindo. Raivoso como nunca, o patrão parecia estar percebendo que dominar Ariella seria tarefa árdua e lenta demais. E ele tinha uma vida a qual estava parando, sem ter como segui-la enquanto não resolvesse isso.
A necessidade de deixar a Espanha para uma viagem profissional era mais forte a cada minuto. Funcionários não estavam conseguindo responder por demandas que apenas o jovem empresário tinha condições de colocar no rumo certo. E Diego estava amarrado aquela casa enquanto mantivesse por lá uma esposa fugitiva. Ele se tornara tão refém quanto Ariella.

- Como pode ir ao escritório e deixá-la aos berros, dessa forma?
- Logo ela cansa de gritar e dorme. E ninguém conseguirá ouvir da rua. – Diego respondeu, como quem mente a si mesmo.



- Você está feliz, Diego? Ouvir esses gritos, assistir seu sofrimento, te traz alguma coisa boa? Você se sente bem sendo o carrasco dela?

A primeira resposta ficou presa no céu da boca de Diego. Seria um inseguro e audacioso ‘sim’ do qual até mesmo ele desconfiava da veracidade. Caso respondesse com ‘não’ também não seria totalmente sincero. A verdade é que sentia-se satisfeito com o sofrimento de Ariella, mesmo que depois a culpa pesasse em sua consciência. Mesmo agora, quando no carro já não ouvia seus gritos, estava temeroso por ela.

- Ariella está tendo o que merece. Ela foi mimada demais pelo pai. Por isso todos esses gritos. Não lhe espanquei, não lhe deixei faltar nada. A maior parte das mulheres pagaria para dividir aquele quarto comigo.
- É uma bela prisão dourada, sem dúvida. Mas, ainda assim, uma prisão a qual ela não aceita.
- O que ela aceita ou não é irrelevante! – Diego disse, agora já elevando a voz.
- E se ela jamais se render e aceitar, sorridente, esse plano que você criou? Você não perdeu a sanidade, rapaz! Sabe muito bem que ela não vai aceitá-lo como marido. Ainda mais quando você ameaça o pai dela.
- Se Ariella não aprender a se comportar como eu exijo, ficará presa no quarto. Simples. E o pai dela continuará nas minhas mãos, até o momento em que eu desejar liquidar com as empresas dele. Ariella pensa que fazendo esse teatrinho de estar feliz aqui irá impedir Afonso de pagar o que me deve. Tola! O pai a está usando. Mas eles apenas conseguirão um fim ainda mais trágico.
- O que quer dizer?
- Ele não liga para ela. Acha que está ganhando tempo enquanto consegue uma saída da teia financeira em que o envolvi. Só que não tem saída alguma. Ele está amarradinho ao alvo. Quando eu desejar, o destruo. Já sou o comandante das empresas e ele é um mero gestor do patrimônio que agora é meu.
- Ótimo então! Vingue-se dele e solte Ariella.
- Assim que ela me der um filho, poderá ir embora. Simples.
- Você não percebe que, além de loucura, isso é impossível? Você tem uma cadeia de hotéis a liderar e, antes que invente outra desculpa, não pode esperar que meu filho faça isso enquanto brinca de carrasco. A empresa precisa de você.
- E me terá. Como sempre. – Mas no fundo ele entendia e concordava com Ítalo. – Contrate uma equipe de segurança pesada. E um chefe de segurança realmente eficiente. Um militar que imponha respeito a Ariella, que a amedronte. Assim, poderei seguir minha vida.
- E sua esposa fica presa aqui?
- Exatamente.

Sem alternativa, Ítalo fez exatamente o que seu patrão ordenou. Apesar de gozar de toda sua confiança e recordar-se de quando Diego ainda se aconselhava com ele, precisava lembrar-se que ele e sua família trabalhavam para Diego. Ele era bem remunerado para acompanhar o patrão aonde fosse e cuidar para que a casa estivesse segura. Ao que parecia, garantir a segurança e evitar uma fuga de Ariella agora passaram a integrar sua lista de atribuições. O problema é que aquelas novas funções o deixavam insatisfeito e criavam brigas com Olívia.

- Você não tem de estimulá-lo. Tem de colocar juízo na cabeça desse menino. É isso que os pais dele esperariam de você! – Ela lhe repetia em cada manhã.
- Então eles deveriam ter agido de forma mais sensata e não ter bagunçado a cabeça do garoto. Sou empregado, não o pai. Não me cabe fazer nada além de obedecer. – Ítala respondia, porém, lá no fundo, concordava com a esposa.

Procurou por um chefe de segurança. Depois de algumas indicações, apresentou três opções a Diego. Sua escolha não surpreendeu Ítalo. Diego escolheu o que aparentou maior rigor e vontade de cumprir suas regras. O único que não titubeou ao ser alertado que coisas ilegais aconteciam ali. E o homem que nem mesmo cogitou ir embora ao saber que sua principal tarefa seria controlar e impedir qualquer tentativa de fuga de um jovem que lá vivia. Pablo Lopez parecia ser exatamente o que Diego buscava.

- Não irá me perguntar por que desejo mantê-la sob minha custódia?
- Não me diz respeito. – Pablo respondeu.



No dia seguinte Pablo já morava na casa dos Bueno, para desgosto de Olívia e preocupação de Ítalo e Murilo. Não que o novo funcionário desse motivos para qualquer desconfiança. Ao contrario, ele parecia interessado demais em obedecer as ordens do patrão. Mesmo as mais revoltantes.

-Você não está satisfeito em me manter presa aqui, onde eu nem mesmo sair posso  e agora vem com essa de segurança. Vai pro inferno! – Ariella, como Diego já esperava, não fugiu da briga e mostrou sua insatisfação pela nova sombra que recebia.
- Com Pablo aqui, ao menos poderá sair pela cidade às vezes. – Ele explicou. – Caso se comporte e eu permita, é claro.

A partir da chegada do segurança, Ariella pode deixar o quarto, utilizar qualquer área da casa, da biblioteca à piscina, desde que sempre com sua sombra por perto e, jamais, acessando qualquer meio de comunicação. Para alguns poderia ser sinal de tempos de paz ou, ao menos, um número menor de discussões. Nada disso. Ela não suportava ser seguida. Ainda mais por alguém como Pablo, em quem jamais confiaria.


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