domingo, 10 de abril de 2016

Vida Roubada - Capítulo 17 e 18

Preciso pedir desculpas às leitoras. Não sei como consegui esquecer, mas fiz isso.  Ontem uma leitora aqui do blog me avisou que havia pulado do cap 16 ao 18. Ele obviamente estava pronto e apenas não postei. Aqui estão os dois juntinhos. bjsss




Beatriz sentia como se cada pequena parte de seu corpo estivesse sob o toque de Sebastian. Ele conseguia fazer-se presente em tudo, mesmo quando apenas a olhava. Fez questão de olhar e tocar a tudo. E mesmo quando afirmava estar tomando posse do que comprou, com frases duras, desejando magoá-la, mesmo assim, só o que conseguia era lhe despertar o desejo. Porque mesmo tentando, Sebastian não mais conseguia esconder ter sentimentos por Beatriz. Ela via isso em cada toque. A irritação em que se encontra antes foi embora rapidamente, bastou que ele a tocasse.



            - Eu te quero, mesmo com você dizendo essas coisas, mesmo com você desejando me ferir. É só da boca pra fora. – Corajosa como de costume, Bia lhe disse ao aceitar suas carícias.
            - E como pode saber?
            - Eu sei. – Era muito simples. Tão simples que ela tinha dificuldade em crer naquele desconhecimento. – Você não me toca como quem deseja me ferir. No toque você é mais sincero.

            Excitado, Sebastian tentou não dar importância aquelas afirmações. Bem lá no fundo reconhecia estar se tornando real uma grande e antiga preocupação. Ao trazer Beatriz para um lugar seu, por mais duro que fosse com ela, estaria lhe dizendo que importava-se o bastante para desejar tê-la com exclusividade. Ser ríspido ou bruto não apagariam o fato de que tirou-a de um lugar ainda pior.

            - Pode ser verdade sim. Não sei, nem me preocupo. E você deveria fazer o mesmo, Beatriz. Lembre-se apenas do objetivo que me fez comprá-la e trate de fazer valer a pena. Você custou caro.
            - Devo me ajoelhar agora à sua frente e te chupar para pagar a primeira parcela? Ou quem sabe esperá-lo de joelhos no chão do quarto sempre que Francisco avisar da sua chegada? Usar uma coleira com as suas iniciais e ser chicoteada ou, talvez, ir ao seu escritório sem calcinha para fazer um serviço à domicílio?

            Mesmo reconhecendo ser um gesto arrogante, Sebastian não negou nenhuma daquelas ofertas. Ao contrário. Cada uma delas o fez latejar apenas com o pensamento. De joelhos à sua frente Beatriz era capaz de levá-lo ao céu e apenas a ideia de tê-la em seu escritório, sobre a mesa de trabalho o fez perder qualquer raciocínio que ocupava sua mente minutos antes.

            - Cuidado com o que oferece, Beatriz. Posso ficar tentado a colocá-la no meu escritório, de quatro sobre a mesa, vestindo apenas uma coleira e saltos altíssimos. É uma imagem muito sexy. Já um chicote realmente não me é sedutor. Se eu lhe golpear alguma vez, nada terá de prazeroso. Será para castigá-la, não para me excitar. E você não vai gostar.

            De forma provocadora, Beatriz apenas sorriu em resposta. Gostava de provocar Sebastian e ver labaredas de raiva surgirem em seus olhos. Irritado ele é um homem perigoso, desde o início lhe alertaram. Mas, ela descobriu depois, também é muito sensual estar em seus braços nesses momentos de fúria. É como se ele saísse do próprio corpo e perdesse o controle das atitudes.

            - Eu não tenho medo de você! – Repetiu. – Pode me jogar na cama e me deixar marcada. Vai ser gostoso!
            - Não fale como uma vadia! – Respondendo exatamente como ela esperava, Sebastian arrancou-lhe parte da roupa e apertou suas carnes até que ela gemesse numa mistura de dor e prazer.




            - Sou sua, Sebastian. Mas também sou uma vadia. Você pagou para me ter. E eu vou gostar de tudo o que você fizer.

            Sebastian a teve bem distante da cama. Encostado à parede, rasgou-lhe a calcinha, abriu a braguilha da própria calça e se satisfez nela sem nenhuma carícia prévia. Ela estava tão excitada quanto ele. Beatriz parecia gostar daquela provocação, de levá-lo a explodir. Mesmo assim, não se orgulhava do que acabara de fazer. Quando acabou, ambos estavam exaustos e suados. Ele deixou-a escorregar até o chão e lá ficar.
            Com alguns passos trôpegos, ele caminhou até o bar e pegou uma bebida. De longe observou Beatriz e envergonhou-se da imagem. Ela tinha os olhos fechados, mas ele não duvidava dela sentir seu olhar. Com o sexo exposto e os seios pra fora do sutiã, ela poderia ser uma das representações de Afrodite ou qualquer deusa sensual. Ela exalava sexo. Ainda assim, não conseguia se orgulhar do que via. Os vergões em seu colo e o rastro de mordidas na pele tenra de seus seios pareciam formar a palavra ‘monstro’ na pele dela.

            - Não me olhe com pena. Já me deixaram pior que isso, querido. – Exatamente como pensou, Beatriz percebeu a análise que seu parceiro fazia.
            - Pare de me lembrar que é uma vadia. Não gosto de saber.
            - Não entendo por que. Afinal, você gosta de me ter como propriedade.


            Com ela exatamente na mesma posição, Sebastian se arrumou para ir embora. Por compromissos profissionais, não poderia levá-la aos EUA ainda. Tinha negócios à cumprir na Rússia por enquanto. E isso lhe causou preocupação. Deixar Beatriz em um hotel mais tempo lhe gerava medo. Além disso, o pedido para que o telefone fosse desligado despertou a estranheza da equipe. Como cliente antigo, conseguiu ter seu pedido atendido, mas isso era no mínimo um convite a despertar a curiosidade da equipe de funcionários. Tinha de ir embora antes que os problemas se avolumassem.

            - Eu tenho de ir embora. – Ele disse lhe estendendo a mão para que ela se erguesse do chão. – Como se sente?
            - Dolorida...exatamente como você desejou.
            - É. Exatamente. – Ele não a corrigiu. – Assim amanhã, quando eu não estiver aqui, você ainda sentira a minha presença dentro de você, minha amante.
            - Não virá amanhã? – Isso a entristeceu.
            - Não sei. Talvez eu não venha por alguns dias. Mas você será avisada. Logo pretendo tirá-la de Moscou.
            - Para onde vamos?

            Sebastian então percebeu estar indo longe demais naquela conversa. Ele precisava se policiar. Beatriz mostrava-se inteligente demais para ser enganada. Era arriscado tornar-se seu amigo.

            - Não te interessa. Seja onde for, você não verá mais do que vê aqui. Paredes, janelas e móveis finos. Não pense que lhe darei a oportunidade de fugir, minha Beatriz. – O condomínio era agradável e ela poderia aproveitar áreas abertas e um imenso jardim, mas, por enquanto, isso não lhe seria dito. Tinha de confiar que Beatriz não o denunciaria a um vizinho.
            - Eu não verei a rua? Não farei um passeio jamais?
            - Não foi para isso que a comprei. – Sebastian respondeu, simplesmente. E então abriu a carteira e procurou algo. Era um cartão. – O interfone ao lado da porta não faz ligações externas e a porta fica trancada dia e noite. Há segurança na entrada do hotel. Sem truques, Beatriz.
            - Eu não tentarei fugir. – Não por enquanto, não na Rússia, ela pensava.
            - Ótimo! Há água e comida o bastante. Televisão, livros e revistas. Mas, se precisar de algo, pegue o interfone e avise a recepcionista para contatar Francisco por esse número. Ele cuidará do que for necessário.
            - Está bem.
            - Até logo, minha amante. Comporte-se bem.




            Quando Miguel chegou de volta ao hotel estava cansado e em choque com tudo o que tinha visto e ouvido na boate. Aquela era apenas uma, mas a mais provável em que Beatriz estava. Ou esteve, caso fosse verdade a afirmação da garota de que um leilão de mulheres fez com que muitas brasileiras não mais estivessem ali. Ele sofria duas vezes. Temia por Bia, perdida com alguém a quem não tinham a mínima desconfiança do paradeiro nem mesmo da identidade. Mas, acima de tudo, temia por Elizabeth. Nervosa como nenhuma gestante deveria estar e muito mais frágil do que ela aceitava demonstrar, Liz estava muito longe de exalar a confiança e saúde que representava para deixá-lo tranquilo.

            - Liz, meu amor, acorda. – Ele a tirou do sono agitada no qual se encontrava.
            - Eu...Miguel...desculpe...eu dormi sem perceber.
            - Você está cansada e ainda se adaptando ao fuso horário. Não precisa se desculpar. Vou pedir uma refeição enquanto você lava o rosto e então conversaremos.

            Aquele breve adiamento da conversa bastou para Elizabeth saber que ele havia feito descobertas e elas não era boas o bastante para ele poder lhe falar tranquilamente. Quando Miguel sentou-se à sua frente e falou enquanto bebericava goles de café, Liza já estava angustiada e com o estômago embrulhado.

            - Fale de uma vez. Está me deixando pior!
           
            Ele contou tudo, de forma delicada, porém sem inventar esperanças ou enfraquecer temores. Deixou-a ouvir a gravação feita às escondidas e em que a garota de programa fala do leilão. Lhe deu a mais crua das verdades, numa única cápsula amarga e difícil de engolir. Ao final, Elizabeth estava pálida e correu ao banheiro para vomitar, deixando Miguel culpado por sua falta de psicologia. Ainda assim, era melhor a verdade, ele tinha aprendido com a própria Elizabeth. Quando ela melhorou do mal estar, pediu por seu celular assim que teve forças para discar pela chamada internacional. Aquela é Elizabeth Santos Benitez, mesmo mal, devastada em seus sentimentos, ela não deixaria de agir.

            - Miguel está baixando o arquivo e vamos te enviar imediatamente. É a prova que eu precisava, Tom. Envie uma equipe, informe a polícia russa e dê alertas às embaixadas. Temos que invadir em menos de 24hs.
            - A minha principal investigadora está de férias, lembra-se, Elizabeth?
            - Não estou com tempo para isso agora, Tom. Ou você aceita a gravação no inquérito e envia ao juiz ou eu a faço vazar aos veículos de imprensa do Brasil e da Rússia e a investigação terá continuidade devido a pressão pública.
            - Está me ameaçando, Liza? – Eles era amigos de longa data e Tomaz sabia que ela falava sério.
            - Não, estou informando ao meu superior quais serão os meus passos. Obviamente, Sr., eu irei apresentar um relatório no qual explico como consegui essa gravação e, caso queira me afastar da Polícia ou abrir uma sindicância contra mim, irei entender. Mas por agora, irei participar dessa operação.
            - É claro que não abrirei sindicância contra você. Eu e Rebecca estamos indo para reforçar a operação ao seu lado. Apenas me preocupo com você. Farei o possível para que a operação siga o curso que você imagina e...e consigamos encontrar Beatriz com vida.
            - Mesmo que não a encontre, Tom, muitas outras estão lá. E outras tantas estão a caminho daqueles pardieiros. Eu vou pegá-los. É questão de honra. Faço questão de fechar as algemas deles. – Liz fazia com que toda a raiva que sentia fosse transformada em senso de justiça.

            Miguel a observava com orgulho. Sua Elizabeth possuía uma rara capacidade de pensar nos outros além de si mesma. Ela sofria por Beatriz, mas conseguia se colocar no lugar de cada uma daquelas mulheres e seus familiares. Era por isso, entre tantas outras coisas, que ele havia cortado relações com sua mãe e afastado-se tão fortemente de sua ex-mulher. Alejandra também gerava um filho seu, mas por mais que lhe pesasse na consciência não estar cuidando de perto daquele bebê, era ali, em Moscou com Liz que ele devia estar.
            Aquela distância soava a Alejandra como provocação. E conforme sua barriga ia crescendo sem que ela pudesse usar isso como uma desculpa para aproximar-se do ex marido, mais sentia-se infeliz em ser mãe. O apoio da sogra de nada adiantava agora que Miguel retomou o casamento e fora morar num apartamento classe média junto da policial. Tudo porque ela também estava grávida.



            - Não fosse assim, Miguel estaria ali, acompanhando a chegada daquele pequeno Benitez e não acompanhando a outra em uma viagem à Rússia. O que querem na Rússia!
            - Eu não sei, Alejandra. Ele diz que é férias...mas desconfio que há algo mais. – Rúbia lhe disse. – Ele não atende minhas chamadas, mas tenho alguns contatos próximos dele na empresa. Parece que ele anda nervoso com o estado de saúde de Elizabeth. Ela sabe usar a gravidez para deixá-lo atado a ela. Você tem de usar isso também!
            - Não adiantaria. Eu poderia estar hospitalizada, Rúbia, ainda assim Miguel estaria com ela. – Sua tristeza era sincera. Mesmo assim, servia de chantagem à sogra.
            - Nós vamos encontrar uma saída. Você verá que quando nascer o sangue falará mais alto. Eu nem mesmo tenho certeza de que a criança que cresce em Elizabeth seja dele. O seu sim, é um Benitez de fato e direito. Vamos esperar.

           
            As horas passaram muito mais lentamente do que Elizabeth esperava. Enquanto a ordem para invadir a boate não vinha, tudo o que ela conseguiu foi atender aos pedidos de Miguel e passear um pouco por Moscou naquelas férias improvisadas. Ele passava todos os instantes do dia atendo ao que ela comia e se estava com pressão e glicose controladas. Os resultados estavam muito além do que ele gostaria ou do que qualquer obstetra diria ser normal. Nada naquela situação ajudava, porém, eles estavam fazendo todo o possível.

            - Tudo bem? – Ela perguntou vendo uma ruga se formar na testa do marido.
            - Claro. Você comeu a pouco. Por isso sua glicose está um pouco alterada, mas ... está ok.
            - Miguel, não se preocupe tanto. Eu estou nervosa, eu estou dormindo e me alimentando mal. Mas eu vou aguentar. Nós três vamos sair bem dessa. Eu nunca abandonei uma missão no meio. Não será na de colocar esse Benitez no mundo em que falharei.


            Foram necessários mais de dois dias até que tivessem o mandato autorizando a invasão. Então sua equipe chegou e a ação poderia começar. Quando enfim puderam cumprir a missão que há anos Elizabeth esperava, a investigadora tinha sua credencial da polícia e arma em mãos. Ela contava com membros da polícia internacional lhe dando apoio, mas fazia questão de assumir o comando, sendo ladeada por Rebeca e Tomaz.

            - É agora! – Ela disse antes de dar o primeiro passo, ainda do lado de fora.
            - Tenha cuidado, Liz. Lembre-se que seu marido espera por você no hotel e lhe quer inteira. – Foi Rebeca a lhe dar o alerta.

            Aquela fora uma grande dificuldade. Miguel queria estar ali, mas ela já tinha infringido regras demais e colocar um civil na linha de tiro seria um risco grande demais. Protegida por um colete à prova de balas, ousou seguir adiante na operação mais importante de toda a sua vida.

            - Eu tenho cuidado, Beca. E também tenho coragem. Vamos.
           



            Quando o tumulto teve início na Noxotb a casa estava cheia. Era um desafio saber quem era cliente e quem lá trabalhava na organização ou na segurança. As escrava, porém, eram facilmente identificadas. Os trajes ínfimos, o olhar assustado, a ânsia para poder pedir socorro a alguém disposto a lhe ouvir. A gritaria foi intensa e policiais buscaram cercar o local antes que alguém corresse. Ninguém soube de onde veio o primeiro tiro, mas logo outros o seguiram e um tiroteio  longo e perigoso se deu entre os traficantes e a polícia. Liz se abrigou por trás do balcão. Estava satisfeita com o que via. Os tiros eram a prova do desespero.

            - Larguem as armas! Vocês estão cercados. – Ela ouviu Tom gritar, disparando nas pernas de um dos homens que atirava contra sua equipe.



            Eles não esperam por uma recepção tão pesada em armamento. Prova de que se tratava de um quadrilha organizada e que ali deveria estar gente grande na organização, além de papéis e objetos comprometedores.
            O tiroteio, porém, era arriscado em todos os sentidos. Tom não queria ninguém machucado. Seu policiais, os colegas da polícia internacional, as mulheres que eram vítima de violências distintas há tanto tempo e os clientes do local, criminosos também, mas que nem por isso mereciam sair feridos dali. E mesmo os criminosos Tom desejava manter vivos. Do depoimento deles dependeria conseguirem avanços na investigação. Quem não estava armado, atirou-se no chão tentando se proteger.
            A troca de tiros atrasou a polícia. O plano inicial era deles seguirem pelo corredor e render qualquer pessoa que estivesse no interior do prédio. Isso ficou para depois quando os tiros tiveram início. E deu a oportunidade para pessoas fugirem. Dois clientes tentaram, mas correram na direção errada e voltaram ao salão, sendo obrigado a fugir dos tiros. Samantha, porém, conhecia o lugar muito bem e tinha conhecimento de um túnel que levava de um dos cômodos da casa, através do subsolo, até uma saída mais de um quilômetro afastada da boate.



            Ela pegou alguns documentos falsos, dinheiro e um celular e foi na direção daquele cômodo. Entrou no túnel com medo, pensando em se deveria fugir ou tentar ajudar Gregory. Mas, naquele momento, os tiros se intensificaram no salão e ela soube que não demoraria muito a chegarem ali. Ou ela fugia ou seria presa. Deixou o marido para trás, fechou o compartimento que disfarçava o túnel embaixo de uma cama e arrastou-se para a rua. Quando saiu do túnel muitas ruas distantes da boate, correu o mais rápido que pode.



            O sumiço de Samantha ainda não tinha sido percebido por Gregory. Ele estava no caixa do salão quando a polícia invadiu. Os seguranças olharam em sua direção e aguardaram por uma ordem silenciosa. Poderia ser resistência ou aceitação. Foi então que Gregory puxou a arma e deu o primeiro tiro, acompanhado pelos seus homens e revidado pela polícia. Viu muitos de seus seguranças caírem baleados e soube que esse seria o seu destino caso ficasse ali. Tentou então fugir e esgueirou-se tentando acessar o corredor que dava acesso aos quartos.

            - Onde pensa que vai? – Foi Liz a interceptá-lo junto da saída.

            Não passou despercebido a experiente investigadora que antes de atirar os seguranças olharam em direção aquele homem. Ele era, por tanto, se não o grande líder, o que ali comandava. Isso fazia com que sua cabeça valesse ouro. Elizabeth não pretendia atirar para matar. Isso sequer foi cogitado por ela, mas, estava bem tentada a lhe machucar. Era bom ele não irritá-la.

            - Largue a arma e coloque as mãos na cabeça. – Disse em português. Aquele parecia ser o idioma mais reconhecido, apesar de estarem em solo europeu. – Você está preso.

  
            Gregory não atacou inicialmente. Sabia quem estava a sua frente, mas ainda avaliava se deveria deixar claro a ela que esteve muito íntimo de sua irmã. Aquela era a investigadora a que Gabriela temia. A brasileira, irmã de Beatriz, quem vinha cercando a quadrilha e investigando o tráfico de pessoas. Resolveu então atacar. Ela era perigosa demais para ser provocada ou ignorada. Ele puxou a arma e atirou tentando acertar-lhe o peito. Ela gritou e se jogou contra o chão.

            - Elizabeth! – O grito vindo do outro lado da sala veio de Rebeca.



            Sem saber se a colega havia ou não sido atingida pelo tiro, Rebeca acertou uma bala no abdômen do agressor. O plano não era acertar um órgão vital, mas foi impossível deixar-lhe em pé, sob pena de ferir Liza. Arriscou, derrubou-lhe e foi na direção da amiga. Encontrou Liz ainda no chão e atordoada pela bala que acertou no colete. Mesmo com a proteção, próximo como o disparo fora dado, o impacto podia ferir. Ainda assim, ela estava firme.

            - Estou bem, Beca. Bem o bastante para  fechar as algemas contra esse. – Elizabeth ergueu-se do chão e pegou as algemas. – Qual seu nome?
            - Não sabe? Parecia tão bem informada! – Ele respondeu, sangrando no chão. – Gregory.
            - Olá Gregory! É um desprazer conhecê-lo. – Ela apertou bem as algemas sem se importar na dor que lhe causava. – Agora você vai ser costurado num hospital, mas a gente ainda vai se encontrar depois que vistoriar esse lugar. Eu esperei tanto por esse encontro. Demorou...mas você perdeu.
            - Perdi? Acho que não Elizabeth. Você chegou tarde, dois dias atrasada. – Ele afirmou olhando nos olhos de Liz, um minuto antes de ser levado para a ambulância.


            Sem saber que seu marido fora baleado e preso, Samantha escondeu-se num hotel barato e passou o dia seguinte pensando no que fazer. A principal rádio da cidade noticiava que uma operação policial internacional havia estourado um cativeiro de escrava sexuais. “Importantes nomes da política nacional estavam no local e foram presos”, dizia o radialista repetidas vezes. Ela não sabia o que fazer. E a única atitude a tomar lhe causava medo.
            Foi pela ligação de Samantha que Gabriela soube do ocorrido. A notícia de uma boate de exploração sexual não havia chegado aos jornais americanos. Ainda. Ela ficou nervosa, preocupada. Não sentia medo pelo seu próprio nome. Nada a ligava a Noxotb, nenhum documento ou arquivo seria capaz de vinculá-la ao esquema. O que a assustava era a prisão de Gregory. Ele sim poderia deletá-la.

            - Como foram imbecis a ponto de permitir isso?!?! – Explodiu ao telefone.
            - Foi de repente. A polícia entrou de repente. Eu só escapei porque estava próximo da saída...mas Gregory foi baleado. Deve estar no hospital...você tem de fazê-lo escapar.
            - É claro, Samantha. – Gabriela disse, mas, na verdade, pensava era em acelerar a morte de Gregory e garantir assim seu silêncio eterno. – Você se esconderá em um hotel em que farei a reserva. Não se preocupe, vamos retomar a ordem. Por enquanto finja-se de morta. Eu cuidarei de Gregory. O importante é você ficar longe da polícia.
            - Sim, sim. Farei o que você mandar.
            - Ótimo. Agora me diga...Beatriz foi levada pela polícia? A investigadora conseguiu acesso a ela? – Isso sim seria um problema. Beatriz era a única das garotas a conhecer a identidade dela. E agora Gabriela pensava que fora um erro deixar Beatriz viva. – Responda!
            - Não...Beatriz...foi vendida para um cliente três dias antes.




            Gabriela foi dividia pela raiva e o alívio. O fato de não saber daquela venda a inervava, porém, caso fosse verdade, seria a garantia de que sua identidade estava protegida. Por enquanto. Para mantê-la assim, era necessário ter a posse da garota novamente.

            - Eu não autorizei venda alguma! – Ela gritou ao telefone.
            - A polícia nos atacando e você pensando naquela garota! É inacreditável. Gregory está no hospital!
            - Dane-se Gregory! E me obedeça se não quiser que eu acabe com vocês dois! – Gabriela explodiu. – Aquela garota, como você chama, é a minha garantia contra a polícia. É ela que a principal investigadora deseja, sua imbecil. Se eu perder Beatriz, todos nós estaremos acabados. Agora me diga quem a comprou e onde ela está! E não ouse mentir!

            Amedrontada, Samantha respondeu. Ela sabia daquilo tudo, Gregory havia lhe dito. Mesmo assim, não acreditava que seria tão grave.

            - Ela foi levada por Sebastian Gonzáles. Ele estava encantado por ela, fazia programas frequentes e não hesitou em pagar uma alta quantia para tê-la. Mas não sei se já deixaram a Rússia.

            Gabriela sabe quem é Sebastian Gonzáles. Nome conhecido nos EUA, já estiveram na mesma sala algumas vezes, mas ele jamais soube que ela era a líder da boate em que ele buscava por alívio sexual. O americano de origem sul-americana era um mito dos negócios, temido por muitos, discreto em sua vida particular e muito desejado entre as mulheres. Jamais imaginou que ele poderia interessar-se em um relacionamento duradouro com uma prostituta. A única alternativa de Gabriela era desfazer o negócio e tomar Beatriz em sua posse novamente. Assim poderia usá-la como moeda de troca com Elizabeth. Mostraria Bia viva e a obrigaria a afastar-se, pôr fim naquela investigação. Troca que, obviamente, jamais se concretizaria.



            Após alguns dias de muito trabalho, Sebastian retornou ao hotel em que Beatriz ficou hospedada. Reencontrou-a numa mistura de ansiedade e angústia. Foram dias trancada naquele hotel, sem sair, sem ver ninguém além de Francisco, que ocasionalmente vinha ali. Beatriz se sentiu abandonada. Ela sentiu a falta e chegou a chorar.
            Apenas uma coisa manteve sua mente ligada após a saída de Sebastian. Quando ele abriu a carteira para lhe dar o cartão de Francisco, uma coisa caiu e ale foi embora sem perceber. Era a foto de uma menina.

            - Quem é você garotinha? -  Aquela menina lembrou Bia da própria filha. Eva estava no Brasil precisando dela. Seu coração chorava de saudade.



            Quando ele chegou após dias distante, foi recebido por uma mulher apaixonada, mas também triste e distante. Sebastian foi carinhoso e lhe entregou um presente Na bela caixa, trazia um belo vestido. Algo bem menos revelador que os anteriores.

            - Espero que esse lhe agrade. – Disse disposto a evitar uma nova briga. Também sentira a sua falta.

            Sebastian esteve nervoso. Vira nos jornais que a Noxotb fora invadida pela polícia e histórias terríveis de mulheres sequestradas e maltratadas por lá lhe provocaram nojo de si mesma. Gente como ele financiou aqui por anos. Brigar era o último de seus objetivos. Porém, quando viu a foto de Luísa sobre a mesa, uma onde de raiva teve início. Misturar a parte mais linda de sua vida com a mais vergonhosa era algo impossível para ele.

            - Como? Você mexeu nas minhas coisas? – Gritou erguendo-a pelos braços.
            - Não. Você deixou cair. Mas fiquei curiosa. Quem é essa linda menina, Sebastian? É sua filha?
            - Não lhe interessa! Droga! Não fale dela! Esqueça que a viu! Entendeu?


            A briga só não continuou porque o celular de Sebastian passou a tocar repetidas vezes. Nas primeiras ele ignorou e continuou gritando, misturando vários idiomas e bebendo enquanto repreendia a amante. Algumas vezes Beatriz respondeu, em outras se calou. Temeu que ele fosse agredi-la tamanha a raiva que tomou conta de seu corpo.
            Mas então o telefone voltou a tocar e ele atendeu. Uma voz estranha e feminina começou a falar e inicialmente ele não entendeu do que se tratava. Até que enfim as palavras boate, Beatriz e leilão foram ditas e ele conseguiu focar o raciocínio no que era dito.

            - Quem fala? – Perguntou no limite da irritação.
            - Isso não é importante, Sebastian. Importa é que você tem algo que desejo de volta. Vamos fazer um negócio interessante para nós dois. Eu devolvo seu dinheiro com um bônus e, levando em consideração que você já teve vários dias com ela para se satisfazer, tenho certeza que será satisfatório. Podemos lhe dar alguma outra de brinde. O que acha? Onde podemos fazer a troca?

            Mesmo irritado e ciente dos problemas que Beatriz podia lhe trazer, entregá-la de volta a Noxotb ou trocá-la seja por qual fosse a quantia sequer foi cogitado. Ele desligou o telefone sem nem mesmo responder à mulher. Então olhou para Beatriz, que o observava com olhos assustados e lhe deu um comando direto. A vida o fazia acelerar alguns planos. Por alguma razão desejavam lhe tomar Beatriz. E isso não iria ocorrer. Ele não permitiria. A Rússia estava ficando perigosa demais.

            - Pegue uma única muda de roupa. Vamos viajar. – Ela era curiosa e ele estava querendo fazer as pazes. Por isso, lhe fez um agrado. – Vamos aos EUA. É lá que você viverá a partir de agora. Rápido! Nosso voo sai em duas horas.



            Beatriz sorriu por muitas razões. Não conseguiu ouvir a ligação dele. Mas algo tinha mudado depois disso. Sebastian não estava mais com raiva, ele agora lhe sorria e parecia querer agradá-la. Ela iria aos EUA. Lá se sentiria mais segura e lá poderia seguir com seus planos de fuga.


Capítulo  18


           Arrumar-se para deixar um lugar do qual não gostava para ir a outro totalmente desconhecido estava virando rotina para Beatriz. Uma rotina na qual ela não via nada de bom. Olhar a expressão de Sebastian foi um alento. Ele aparenta ser outro homem, uma terceira versão dele mesmo. Não o bruto e irritadiço de quando contrariado ou pressionado. Também nem de perto o amante carinhoso a intimidade. Esse era um gelado, porém dócil. Disposto a agradá-la em uma gaiola doirada cheia de entretenimento, desde que ela aceitasse obedecer qualquer comando seu e jurasse não ter o intuito de deixá-lo.
            Aquela Beatriz que colocava a escova de dentes de volta na bolsa de viagens também não é a mesma que chegou dopada à Rússia. A jornalista corajosa, quase inconsequente, que deixava a filha em sono profundo e ia se arriscar em reportagens investigativas ainda existia, mas não da mesma forma. Também não era a mulher em frangalhos nas mãos de Samantha e entregue ao sadismo de Gregory. Sentia-se outra. Uma outra mulher, que trazia pedaços dessas anteriores.

          - Porque tamanha pressa em ir embora, Sebastian? Você parece nervoso...diferente?
          - Pegue logo o que tiver de pegar. Não é hora de perguntas. Aliás, essa sua tendência a querer saber sempre o por quê de cada coisa e as razões das minhas atitudes é irritante.

            Talvez fosse o comportamento natural de uma jornalista. Ou então se tratava de uma característica particular e que ela deixou adormecida enquanto vivia em um cativeiro. Fato é que por mais duro que Sebastian tentasse ser, ela se sentia confiante o bastante para falar com seu novo proprietário.

            - Mas eu quero saber. – Ela insistiu.

            Não havia dúvida de qual sentimento ferveu nos olhos de Sebastian. Foi raiva. E ele não se preocupou em esconder ou disfarçar. Mesmo sem conhecer muito da vida do amante, Beatriz percebia que ele não estava acostumado a dar explicações. Agia sem ser questionado. Ela só não esperava por uma resposta tão crua, franca e amarga.

            - Pegue logo essas roupas, feche a mala e venha comigo. Ou se prepare para retornar à boate. Eles a querem de volta. – Disse claramente.

            E pode ver Beatriz empalidecer. De alguma forma, a possibilidade de voltar à boate e ver Sebastian partir tornou-se dolorosa demais. Conscientemente, dizia a si mesma que preferia ficar com Sebastian apenas porque nos EUA ser mais fácil fugir. Lá ela falaria o idioma local e poderia facilmente localizar a embaixada brasileira e enfim, voltar à sua vida. Mesmo assim, lá no fundo havia outra razão. E a ideia de conhecer um pouco da vida real de Sebastian lhe agradava. Estar perto dele era algo que fazia seu coração bater mais forte.



            Beatriz sentiu quando Sebastian lhe abraçou com um carinho que não lhe era comum. Ela podia até senti-lo em seus olhos, mas raramente era demonstrado em palavras e pouquíssimas vezes em gestos. Aquilo surpreendeu Beatriz. Surpreendeu e emocionou.

            - Eles a querem, mas não a terão. Pode ficar tranquila. – Disse simplesmente, com uma força capaz de fazer Beatriz crer no que era dito. – Vamos embora.

            Beatriz não se surpreendeu por não passarem por nenhuma alfândega e nem mesmo irem ao balcão de embarque. Para isso, teriam de lhe fazer documentos falsos e seria arriscado serem descobertos. É provável que houvesse alertas internacionais por ela. Não esperava nada menos de Liz.
            Ela foi instalada rapidamente em um avião particular de pequeno porte. Da Rússia aos EUA, seriam necessárias paradas, ela pensou. Mas calou-se. Melhor não mostrar a Sebastian o quão esperta podia ser. Sentou-se na poltrona indicada ainda calada e logo adormeceu.

            Enquanto Beatriz já deixava o território russo e sobrevoava a Finlândia, Elizabeth recebia um relatório preliminar das investigações em solo europeu. Isso deveria ter acontecido algumas horas antes, mas ela fora levada até um hospital com dificuldades respiratórias devido ao tiro disparado por Gregory. Ele acertou seu peito, sobre o colete à prova de balas, mas, ainda assim, o impacto fez com que tivesse dificuldade de respirar. Por se tratar de uma gestante, a equipe médica fez questão de deixá-la em observação na emergência até que o quadro estivesse regularizado. Foi lá que Miguel a encontrou.



            - Nós estamos bem. Não precisa ficar nervoso, papai. – Ela sorriu vendo uma tempestade se formar nos belos olhos claros de Miguel.

            Aquilo era uma coisa a que precisava se habituar. E não conseguia nunca. Saber que o perigo era algo inerente da profissão que Liz escolheu e a qual amava. Ela nunca estaria totalmente segura e ele não poderia fazer nada a respeito, a não ser rezar por proteção divina e garantir que ela fosse bem atendida sempre que precisasse de recursos médicos ou apenas de carinho.

            - Vocês estão bem sim, eu já falei com o médico. E eu estou nervoso assim mesmo. – Disse e beijou-a. – Seu peito está ardendo muito ainda?
            - Sim, mas sobreviverei. Pode apostar. Agora me ajude a levantar, preciso descobrir para onde levaram as garotas e aquele cafetão metido a besta.
            - Você já foi uma piadista melhor, meu amor. – Miguel respondeu e viu a esposa lhe encarar. – Nem pense em discutir comigo agora. Ser avisado que você levou um tiro atrapalhou bastante o meu humor. Você vai para o hotel, repousará até eu achar que deve. Depois retoma suas atividades profissionais. E se como marido não posso lhe obrigar, encare como ordens médicas.



            Foram horas de um repouso agoniado. Dormir foi impossível. Miguel evitava lhe dar medicamentos então tentava lhe fazer relaxar com massagens, uma xícara de chá adocicada com mel puro e muito carinho. Consegui. Mesmo sabendo que seu pensamento seguia em Beatriz e seu paradeiro ainda desconhecido. Quando o celular tocou ele mesmo a alertou para atender. Entendia que nada menos que isso combinaria com a sua Elizabeth. A terceira ligação fez com que ambos corressem para trocar de roupa.

            - Gregory foi operado. Conseguiram tirar a bala que Beca lhe enfiou na barriga. Vai ficar hospitalizado mais alguns dias, com segurança na porta. E, para minha alegria, Rebeca conseguiu comprovar sua nacionalidade. Gregory é brasileiro. – A última informação ela ofereceu com um farto sorriso nos lábios.
            - Isso fez acender uma luz em seus olhos, querida.
            - Uma luminária inteira Miguel. Sabe o que significa? – Ela não esperou que ele falasse. – Gregory será deportado e entregue a nós. Será todinho meu, embrulhado para presente.
            - Falando assim, quase sinto ciúme. – Miguel respondeu, aliviado em vê-la animada.
            - Não mesmo. Ninguém desejará estar na pele dele. Vou esmagá-lo, Miguel. Ele me provocou. Disse que eu cheguei atrasada. Bia estava ali até poucos dias atrás, quando houve o tal leilão.
            - Nós vamos encontrá-la, Liz. Não vamos desistir.
            - Não mesmo. – Ela estava mais otimista do que nunca. – Mesmo que Gregory não abra o bico, coisa que eu acho difícil, as garotas que resgatamos poderão nos ser muito úteis. Alguma poderá falar. É isso que eu farei agora. Elas foram todas identificadas e serão encaminhadas aos seus países de origem. Mas há apenas uma brasileira: Cléo. Talvez ela tenha algo a me dizer, mas não posso desprezar os depoimentos das outras. Preciso ir.
            - Está bem. Te acompanho.

            Todas as garotas haviam passado por uma consulta médica e, tirando uma que se feriu na confusão, estavam bem fisicamente. Jovens em sua grande maioria e sem vícios, elas teriam a chance de recomeçar em sua terra natal. Liz foi de quarto em quarto. Foi recebido por olhos desconfiados e bocas cerradas. Até elas entenderem que agora eram livres e podiam falar iria muito tempo e um grande investimento em confiança e tratamento psicológico. Por enquanto ela nada conseguiu.

            - Talvez seja melhor deixá-las ir para casa, rever os parentes e depois tentarmos fazer contato por vídeo conferências mesmo. Elas estão muito arredias ainda. Talvez a brasileira nos dê mais informações. Ao menos não precisa de um tradutor junto. – Rebeca disse.
            - Eu quero tentar essa última antes de desistir. Verônica. O que sabe dela?
            - É de origem mexicana e tem apenas 16 anos.
            - Meu Deus! – Liz interrompeu a colega policial. – Continue.
            - Não há muito mais. Ela não é muito cortês, pouco fala. O tradutor do espanhol está te aguardando.
            - Não precisa. Vou entrar sozinha e arranhar meu espanhol. Elas todas parecem entender um pouco de português mesmo.



            Ao entrar no quarto que agora servia de lar para a jovem Verônica, Elizabeth teve de disfarçar a tristeza que sentiu. Era apenas uma menina. De cabelos e pele clara, Verônica nem de longe parecia com uma mexicana, provavelmente é fruto do relacionamento com um turista, talvez um americano que atravessou a fronteira para se divertir e deixou uma filha para trás. Uma família humilde. Uma bela jovem. Ela tenha sair da pobreza de qualquer forma. Quando recebe uma proposta de ir à Europa, aceita e embarca escondido, sem o conhecimento da mãe. E não lhe permitem voltar. Tudo isso era apenas a imaginação de Elizabeth agindo, mas deveria estar bem próximo da realidade, segundo sua experiência mostrava.

            - Buenos dias, Verônica.
            - Eu sei a sua língua. – A garota respondeu, azeda. – O que deseja, policial? Vou ser presa.
            - Não. Você será liberada em breve. Eu...sinto muito por tudo o que passou. Sinto mesmo. Você é só uma menina, Verônica, quase uma criança. Não deve...
            - Não sou criança. Sou uma mulher! Aposto que já estive na cama de mais homens do que você...apesar da idade.

            Elizabeth pensou em lhe dizer que isso provavelmente é mentira, que em sua cama muitos já passaram, inclusive por sua idade bem mais avançada de daquela adolescente. Pensou, também, em lhe dar um sermão digno de uma mãe. Mas preferiu resumir em uma frase.

            - Um dia você aprenderá que ser uma mulher nada tem a ver com a quantidade de homens com quem se deitou. Nesse dia, você será uma mulher de verdade. Por enquanto é sim uma menina, ferida e machucada. Mas eu não vim aqui como policial, vim como irmã. Minha irmã, Beatriz, morou naquele alojamento. Preciso saber onde ela está.

            E pela primeira vez naqueles minutos Elizabeth viu Verônica olhá-la nos olhos. Ela tinha o que lhe dizer. Foram necessários algumas horas de conversa e convencimento de que nada iria lhe acontecer por falar a respeito do cativeiro e da forma como eram tratadas. Liz garantiu a Verônica que não sofria retaliações e enfim ouviu o que precisava.

            - Eu conheci sua irmã. Beatriz, a moça mais velha que a maioria de nós, de pele mais morena que a sua e olhos fortes. Ela provocava Gregory, no início achei que ele acabaria matando-a, mas depois ele se viciou nela.
            - Gregory teve um caso com Beatriz?
            - Não. Gregory não tinha casos. Ele só nos estuprava quando tinha vontade. Ele quis Beatriz muitas vezes. Algumas eu assisti, no alojamento mesmo. Cobria-lhe a boca e a tomava como desejava. Todas temiam demais aquele monstro para fazer algo ou denunciá-lo à Samantha.
            - Quem é Samantha? – Elizabeth tremia com o que ouvia.
            - Mulher de Gregory. Ela estava lá, mas fugiu de alguma forma. – Verônica respondeu.
            - O que você sabe de Beatriz agora? O que foi feito dela?
            - Foi leiloada. Não sei para quem. Tomara que não seja para o cara com quem vinha saindo. Ele é o demônio.
            - De quem você está falando?
            - Já disse. Do demônio. Saí com ele uma vez, já sabia da sua fama e foi terrível. Me bateu, me forçou. Fiquei toda machucada. Depois disso ele conheceu Beatriz e só quis a ela.
            - E ele a feriu também? – Quanto mais ficava sabendo, mais Liz sofria.
            - Não que eu saiba. Ela parecia até gostar do demônio.
            - Esse demônio deve ter nome, Verônica. E eu preciso que você me diga. – A garota se calou. – Vamos menina! Isso é importante! Posso te obrigar a falar em um depoimento oficial que durará quantas horas eu quiser. Fale!
            - Sebastian...não sei o sobrenome. Ele não me deu seu cartão de visitas.

            A próxima com quem Elizabeth conversou foi Cléo. A brasileira, bela e nem tão inocente a encarou de frente. Não viu temor em seus olhos. Provavelmente, estava tão machucada pela vida que não temia mais nada. Elas teriam tempo para conversar mais quando voltassem ao Brasil, por enquanto, tudo o que desejava era uma confirmação. Cléo não a ofereceu.



            - Sebastian não estava entre os participantes do leilão. Beatriz desejava ser comprada por ele, mas ele não apareceu. Eu fui oferecida antes dela e ninguém fez lances, então voltei ao alojamento. E depois, quando tudo acabou, Beatriz voltou também. E todas pensamos que havia sido deixada pelos compradores também. Mas então, na manhã seguinte, ela havia sumido. Quem comprou, pediu uma entrega em domicílio. – A amargura de Cléo era diferente das outras. Ela estava ferida e disposta a ferir os outros.
            - Você conheceu Sebastian? Sabe seu sobrenome?
            - Não. Ninguém saberá te dizer isso. Eles são bem reservados por lá.
            - Descreva-o fisicamente, por favor.
            - Homem de meia idade, grisalho, estatura mediana, charmoso como poucos. Um tesão completo. Entendo porque Beatriz deseja ser sua exclusiva. Eu mesma ia adorar viajar com esse homem.
            - Porque acha que viajaram? Não podem estar aqui em Moscou ainda?
            - Podem. Mas ‘Sebastian’ não é um nome russo, policial. E ele tem sotaque americano. E vinha esporadicamente, quando tinha negócios.
            - Obrigada, Cléo. Você será levada ao Brasil logo e lá eu continuarei minhas investigações a respeito do tráfico de brasileiras para exploração sexual no exterior.

            Sebastian...Sebastian...Sebastian...com esse nome martelando em sua cabeça Elizabeth voltou para o hotel. Reuniu-se com Tom e Rebeca, na presença de Miguel. Ele, porém, respeitava o fato de que naquele momento não estava a li a senhora Benitez, mas sim a policial federal com quem se casou. Ele ouviu tudo sem se manifestar. Elizabeth avisou sua equipe que embarcaria o mais breve possível de volta para casa. De nada adiantaria ficar ali se um homem poderoso chamado Sebastian já estava bem longe com sua irmã.

            - Você confia no que elas falaram então. – Tomaz concluiu.
            - Sem dúvida. Tudo é bem condizente com a realidade. Mas vou investigar cada pequeno detalhe. Quero a gravação das câmeras de segurança da rua. De ter alguma câmera com resolução o bastante para identificarmos os poderosos que aqui vinham à procura de prazer sexual. Além disso, Rebeca, quero que você converse com as garotas. Faça uma nova rodada de interrogatórios. Quero saber quais outras meninas foram leiloadas e quem são os possíveis compradores. Se eu colocar a mão em um, derrubo vários. E não é apenas Beatriz que me importa. Nenhuma dessas mulheres merece passar a vida sendo um brinquedinho nas mãos de um louco, doente o bastante para comprar um ser humano.
            - Vou cuidar disso já. – Rebeca respondeu.
            - Ótimo. Também quero vigilância 24hs em Gregory. Ele conhece gente grande do grupo.
            - Está achando que vão ajudá-lo a fugir?
            - Talvez, Rebeca. – Foi Tom a responder. – Mas pragmática como Liza é, ela tem medo mesmo é que dêem cabo nele antes dele abrir o bico.
            - Exatamente. Essa turma já me mostrou que não liga de matar um ao outro para livrar o próprio rabo. – Liz puxava pela memória tudo o que precisava fazer. Estava exausta. – Também preciso que faça registros dos documentos mais importantes. Talvez demore até que eu tenha os originais comigo no Brasil. Procure por qualquer referência a Sebastian. E também tente descobrir algo de uma tal de Samantha...parece que a deixamos passar. Ela estava lá e fugiu.
            - Deve ter sido pelo túnel que descobrimos. – Rebeca avisou.
            - Merda! Mas logo eu pego ela também. Acho que era isso, Rebeca. Podem ir. Eu vou fazer as malar e pegar o próximo vôo.

            Não, não iria coisa alguma, Miguel lhe disse assim que ficaram sozinhos na suíte do hotel. Ele lhe disse que ela estava nervosa demais para pensar em viajar. Lhe prepararia um banho na banheira, um belo jantar e, após o sono, caso estivesse melhor, voariam.

            - Não é aconselhavam uma gestante fazer um vôo tão longo, já exausta assim. São ordens médicas. –Disse lhe piscando.
            - Sabe...assim eu posso me apaixonar pelo médico. – Liz respondeu. Não iria reclamar por aquilo. Não quando ele era tão carinhoso e quando todo o que desejava era encostar a cabeça em seu peito e deixar fluir toda a dor que sentia. – Estou tão decepcionada, Miguel. Cheguei tão perto. E agora ela está, talvez, com esse homem que chamam de ‘demônio’. E se ele matá-la ou lhe fizer algum mal? Eu preciso encontrá-la, Miguel. Bia é a única pessoa que eu tenho...
            - Não, não é. Você tem a mim. E tem ao nosso bebê.
            - Eu sei, desculpe. É que...fomos só nós por tempo demais. – Liz respondeu, constrangida.
            - Eu sei. E entendo. Nós vamos encontrá-la. E lembre-se do que as mulheres lhe falaram. Bia desejava ir com Sebastian. Isso deve ser um bom sinal. Apegue-se nessa esperança. E descanse.

            Elizabeth fez um esforço para deixar todas as preocupações fora de mente e dormir pensando apenas em Miguel e seu bebê. Funcionou. Nem mesmo nomes assustadores como Gregory, Samantha e Sebastian invadiram seus sonhos.
            Naquele momento, Samantha estava dentro de um carro com Gabriela. Estava nervosa, sem notícias de Gregory e vivendo pressionada por Gabriela. A loura havia voado para Rússia após sua ligação e, quando pensou de receberia dela algum apoio, recebeu apenas um duro aviso.

            - Se não fizer com que Sebastian Gonzáles devolva Beatriz eu juro que faço Gregory morrer da forma mais dolorosa possível e ainda de forma que a culpa pareça sua. Um crime passional, dirão os jornais. – Avisou Gabriela.
            - Como farei isso? – Ela não tinha porque duvidar da ameaça.
            - Primeiro você irá ao hotel onde ele costuma se hospedar e descobrirá se lá está e com quem.
            - Mas não me dirão! Ele é poderoso demais para alguém informar isso!
            - Problema é seu! Ofereça uma rapidinha ao recepcionista! Vista-se de camareira! Não sei. Mas eu preciso recuperar Beatriz antes daquela policial. Ou estarei perdida. E antes de eu cair, querida Samantha, juro que mando você e seu Gregory pro inferno!



            Gabriela ficou no carro enquanto Samantha fazia o serviço arriscado. Até mesmo o homem que acompanhava a patroa, seu motorista de vários anos em Moscou, Ravit, um homem que não sabia de tudo, mas de muito, notou que Gabriela estava fora de si. Pela primeira vez ela sentia que a polícia estava em sua sombra. Ela apenas veio à Rússia porque precisava eliminar rastros. Se nada conseguisse ali, teria de resolver as questões com Gregory e Samantha sem deixar nenhuma sujeira para Elizabeth encontrar. E depois voltar para casa, nos EUA, e lá procurar Sebastian. Matar Beatriz lá, porém, será arriscado demais. Melhor seria resolver tudo ali.
            Quando Samantha enfim retornou, a notícia não era boa. Ao que parecia, Sebastian instalou uma mulher ali há dois dias, mas foi embora com ela há algumas horas.



            - Inferno! Sua vagabunda incompetente. Eu devia te matar aqui mesmo e jogá-la numa sarjeta. Você não serve pra nada mesmo!
            - Me desculpe. Eu não tinha como saber e...

            Samantha se calou por uma bofetada estralou em seu rosto. O objetivo não fora ferir. Se fosse essa a intenção, teria lhe arranhado a face com os anéis que lhe adornavam os dedos. Mas isso seria ruim aos seus outros objetivos.

            - Calada! Você não serve pra nada mesmo, além de abrir as pernas. Não sei porque Gregory a tirou do alojamento. E nem porque pensei em lhe dar alguma confiança. Você não vale nada disso.
            - Não! Eu cometi um erro apenas e...eu sou leal.
            - Não preciso da sua lealdade. Preciso apenas da sua obediência. E isso você me dará não por desejo, mas por não ter alternativa. – Maléfica, a loura sorriu ao decidir o que fazer. – Ravit?
            - Sim, madame? – O motorista respondeu.
            - Você me deixará no hotel e depois levará essa vadia até a boate de Otto. – A boate administrada por Otto é um segundo ponto de prostituição deles em Moscou. Nesse, porém, a classe dos clientes não era tão alta. E a segurança mínima. Por isso Bia não foi lá colocada. - Ele está avisado da chegada dela.
            - O que farei lá? Conheço Otto e...
            - Vocês se conhecem...intimamente, eu sei. E por isso você ficará sob a tutela dele. Otto você não conseguirá seduzir como fez com Gregory. Ele está vacinado de você. Vai recebê-la pessoalmente e lhe dar cuidados especiais. Lá, você fará a única coisa para que serve...vai atender clientes e espero que não os decepcione.
            - Gregory não aceitará isso! Eu não quero me prostituir! Não quero voltar pra isso.
            - Calada! – Outra bofetada a fez se calar. – É só para isso que você serve. Então sinta-se feliz em eu ainda não te matar.
            - Por favor, não. – Ela se humilhou, mas nada adiantou.
            - Vamos Ravit? Acelere que tenho mais o que fazer. E se ela dificultar as coisas, pare o carro em qualquer lugar deserto e ensine-a a obedecer. Tem minha autorização. Apenas não a mate, sim? Otto tem planos para ela.
            - Sim, Senhora. – O motorista respondeu olhando a patroa pelo retrovisor.

            Já nos EUA, Beatriz dormia confortavelmente numa cama macia, abraçada a Sebastian. Ao acordar não se lembrou como chegou até ali. Nervosa, ela demorou a relaxar durante o vôo e, quando finalmente dormiu, entrou em sono pesado. Quando o avião pousou, Francisco trouxe o carro e Sebastian carregou a amante. Assim também o fez pelo elevador exclusivo que levava até o apartamento onde a instalou. Depois de dispensar Francisco, Sebastian deitou-se junto dela e descansou. Sentia-se em casa. Em seu país e nos braços dela.



            - Bom dia. – Ela lhe disse ao abrir os olhos, cansada e confusa.
            - Na verdade, são 18hs, quase hora de dar boa noite, Beatriz.
            - Droga! Odeio mudanças de fuso-horário. Sempre odiei.

            Não passou despercebido de Sebastian que aquela frase não combinava com uma prostituta qualquer. Mais uma vez pensava na incógnita que era aquela mulher. E, sobretudo, reforçava a dúvida se deveria investigar quem ela era. Afinal, poderia não gostar do que descobriria.

            - Levante-se e venha comer alguma coisa. – Lhe disse.

            A cozinha era perfeitamente mobiliada e equipada. Estava abastecida para nada lhe faltar. O único conforto a que Beatriz não teria era a presença de empregados. Ela teria de manter o local limpo e organizado, assim como cozinhar para si mesmo. Ou pedir por refeições prontas. Ali ninguém além dele e Francisco teria acesso.

            - Que lugar é esse? Em que estado americano estamos?
            - Está curiosa demais, mais uma vez, bela Beatriz. É um apartamento de minha propriedade, num estado dos EUA, muito seguro e discreto. Por enquanto, prefiro que fique aqui dentro, mas é possível que você acesse o jardim, a piscina e a área comum. Se você se comportar, poderá fazer alguns passeios nesses espaços do condomínio, sempre com Francisco.
            - Estou em uma gaiola dourada e com direito a cão de guarda?
            - Sem reclamações Beatriz. Não tenho tempo para isso agora. Escute bem as regras. Aqui não há telefone nem internet, fora isso, a casa é totalmente equipada. Você cozinha, você limpa e, se precisar de algo, pede para Francisco. Simples e fácil. E quando eu vier, me espera linda e desejosa, do jeito que eu gosto. Comporte-se bem e eu lhe tratarei igualmente. Me traia...e perderá sua vida boa. Entendeu?
            - É isso? Sou um objeto. Só isso.
            - Você tem uma casa completa, conforto e comida. Não sei do que se queixa.
            - Não tenho a chave na porta. É isso de que me queixo. – Ela foi clara. Precisa lutar por mais liberdade, ou nunca poderia fugir.
            - Você é esperta demais para ter a chave, Beatriz. Direi com todas as letras para você entender: Você nunca sairá daqui. Jamais verá a rua, para nada. E não toque mais nesse assunto. Agora preciso ir. Até um dia desse.


O trinque na porta, suave, mas severo, assustou Beatriz. Aquele era seu novo cativeiro, no décimo terceiro andar de um prédio em algum lugar dos EUA.

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