sábado, 9 de abril de 2016

Alguém Para Perdoar - capítulo 2

Nathan ficou algum tempo vendo Milena afastar-se. Apesar de desejar muito simplesmente sair andando daquela fazendo e dar às costas a todas aquelas interrogações que povoavam sua mente, não conseguia. A ânsia por ver Milena e o marido, talvez num sadismo sem explicação, não passava. Somente vendo-a feliz é que poderia deixá-la no passado. E até mesmo isso parecia pouco possível, não quando estava enredado em mentiras.

            - Nathan? Nathan? – Ele ouviu a voz de Lorenzo. – Estou com os contratos impressos no escritório. Venha comigo, por favor.
            - É claro. Vamos...aos vinhos.

            Sem ter muito o que fazer, Nathan seguiu o administrador da vinícola, assinou os contratos, recebeu a previsão de entrega dos vinhos e, como era tradição, fechou o negócio com um brinde junto de Lorenzo. Não podia ficar mais ali, nem fazer perguntas ao irmão de Milena. Ele logo iria perceber haver algo de errado. Ainda assim, não deseja ir. Principalmente porque não teria mais como voltar.

            - Quer ficar para o parabéns? Já vão cortar o bolo.
            - Talvez...como se chama a menina?
            - Maria Fernanda. É a bisneta mais jovem da família...e, mesmo sem ter vindo aqui muitas vezes, você deve se lembrar o quando meus avôs ansiavam por crianças. Maria Fernanda é muito amada por todos nós.       
            - É claro. Eu...posso imaginar. – Ele não conseguia se conter. Precisava de mais informações. – Ainda mais de forma tão inesperada, não é mesmo? Eu não me recordo de ter conhecido o marido de Milena.
            - Ela não se casou. – Havia desgosto na voz de Lorenzo. – É mãe solteira. Parece...moderno. Não que me agrade. De qualquer forma, Maria Fernanda é uma linda sobrinha que ganhei.
            - Quantos anos completa?
            - Três. Foi há alguns dias já. Hoje conseguimos reunir a todos para a festa.

            Três anos. Isso significava que logo após terminarem Milena teve outro relacionamento. Nathan lutou contra a horrível sensação de traição que tomou conta e seu coração.

            - Bom...diga-lhe que lhe deixei um beijo e parabéns. E avise a todos que fui embora.
            - E o bolo? Fique!
            - Não...não poderei. Desculpe.

            Lorenzo ficou observando o cliente ir embora. Havia um peso invisível sobre seus ombros e ele fez a anotação mental de perguntar a Emily se estava tudo bem com seu sócio. Desconfiava de uma resposta negativa. Apesar de pouco conhecer daquele homem, tinha a sensação de que ele simplesmente ainda não havia se encontrado no mundo.

            - Seu sócio foi embora. Tudo bem com ele? Achei bem estranho ele não aceitar ficar depois de uma viagem tão longa. – Ele disse assim que ficou sozinho com Emily, ainda durante a festa.
            - Não. A esposa dele morreu recentemente. Acho que Nathan está um pouco confuso. Eu não sabia que ele apareceria agora, mas, desconfio que passará uma temporada longa no Brasil.
            - Sei bem como é esse sofrimento. Talvez ele esteja procurando um futuro diferente.
            - Acho que não, Lorenzo. A relação de Nathan e Valentina era muito estranha. E ele deixou um rastro de erros. É mais provável que esteja tentando consertar o passado. Mas não se preocupe. Na segunda-feira conversarei com Nathan.

            Lorenzo deixou o assunto de lado e depois, com Jéssica e os filhos, esqueceu-se de tudo o mais. Abraçado, o casal viu Maria Fernanda cortar o bolo ao lado da mãe e, sob aplausos, lambuzar-se no doce. Milena normalmente não permitia que a filha comesse tantos doces como naquele dia. Mas, além de ser uma data especial, estava com os pensamentos turvos desde que viu Nathan. Todo o restante da festa, mesmo tendo ele ido embora, passou desconcentrada, preocupada e sem conseguir aproveitar aquele momento lindo. Quando Maria lhe sorriu, chamando sua atenção, ergueu a mão e deixou abertos três dedos, repetindo o sinal em libras que mais dizia à filha todos os dias.

            - Eu amo você. – Pronunciou junto do sinal, mesmo sabendo que Maria Fernanda não ouvia.



            Apesar do choque inicial da gestação sem um pai por perto, sua família logo aceitou a chegada de mais uma Vicentin no mundo. Aceitou e comemorou. Foi uma gravidez tranquila, vivida na paz do campo e sem sobressaltos. Talvez por isso ela tenha se sentido em choque quando, ainda muito jovem, Maria Fernanda fora diagnosticada com surdez pelos médicos. Não se tratava de um caso no qual ela pudesse usar aparelho. Não ainda, ao menos.
            Passado o susto, Milena pesquisou e aprendeu sobre surdez. Descobriu que milhões de pessoas viviam assim no mundo todo. E, mais do que isso, elas são felizes. Ao invés da fala, comunicam-se pelo sistema internacional de sinais, as libras e viviam normalmente. Seria assim com Maria Fernanda. Agora todos os Vicentin conheciam esse meio de comunicação e assim cantaram o parabéns de Maria, em duas línguas. A do som que todos ouviram e o de sinais, visto pela aniversariante.



            - Posso roubar a aniversariante um pouquinho? A prima Vida quer tirar uma foto. – Jonas perguntou abraçando a irmã.
            - Sempre pode Jonas. Até porque elas são inseparáveis. – Milena respondeu.

            Vida e Maria conversavam em silêncio e ágeis gestos. Por terem a idade próxima, foram alfabetizadas em libras praticamente juntas. Aos cinco anos, Vida entende facilmente a prima e se expressa de uma forma que Maria compreende. Os adultos muito aprenderam com as primas. E mesmo Maria vivendo em Bento Gonçalves e Vida em São Paulo, elas pareciam conhecer-se muito bem. Provavelmente devido as temporadas que Maria Fernanda passa na casa dos tios. Talvez por acreditarem que Maria sofreria com a falta da imagem paterna, Lorenzo e Jonas dedicavam-se a Maria Fernanda tanto quanto aos próprios filhos. E nunca deixaram transparecer nenhum sentimento ruim por ela ter uma deficiência. A amavam como era.

            - Vocês passarão a noite aqui, certo?
            - Sim. Emily não quer pegar a estrada a noite. Por quê?
            - Vou pra casa, mas...coloque Maria na cama sim? Ela está cansada e irá dormir até tarde amanhã. – Milena orientou o irmão mais novo.
            - Está bem. Mas porque? Aonde vai?
            - Pra minha casa. Preciso resolver algo cedo amanhã na cidade e prefiro já dormir em casa. Importa-se de olhar Maria?
            - Claro que não. Coloco-a no mesmo quarto que Bernardo e Vida. Assim Emily e eu ficamos de olho nela.
            - Ótimo.



            Logo depois que a filha nasceu, Milena decidiu que não mais desejava morar na cidade. Eram pessoas demais lá. Ela e Maria precisavam do seu lar, com privacidade e um tempinho só para elas. O início não foi fácil. Era necessário levar Maria Fernanda todos os dias com ela para a Vinícola. Mas com o tempo tudo entrou na rotina e ambas aprenderam a viver na cidade, sem deixar de conviver com os familiares.
            Para aquele dia, seu plano era levar a filha para casa ao fim da festa para que ela dormisse em sua própria cama. Agora mudou os planos. Sabia que dificilmente Nathan já tinha voltado a Porto Alegre. Ele passaria a noite em Bento, talvez o dia seguinte e, caso estivessem na cidade, poderiam se encontrar. Seria mais seguro manter a filha na segurança das terras dos Vicentin. Assim o fez e, mesmo na segurança do lar, num apartamento com total segurança e sabendo que a filha estava bem, ela não conseguiu dormir. Ficou lembrando daqueles meses de namoro escondido. Sentia raiva dele por ter lhe enganado daquela forma, mas, ainda assim, aquelas recordações despertavam saudade. Foram meses felizes e que mudaram sua vida. Lhe deram Maria Fernanda e a tornaram uma mulher mais forte.
            Agora, bem lá no fundo, questionava silenciosamente as razões a fazer Nathan voltar ao sul do Brasil. Não poderia ser apenas pelo vinho. Se ali estava, depois de uma viagem tão longa, algum motivo muito forte deveria existir. E, inevitavelmente, uma semente de esperança nascia em seu coração. Havia uma pequena possibilidade de Nathan ter ali estado para revê-la. Um instante depois, no entanto, lembrou-se de porque precisava manter-se firme.
           
            - Ele não passa de um mentiroso, aproveitador e casado. – Falou em voz alta, para ouvir e passar a acreditar. – Dessa vez você não cairá na lábia dele. Não mesmo!



            Nathan também estava acordado e lembrava daquele mesmo período. Deveria já ter deixado a Serra Gaúcha, mas, ao invés disso, instalou-se no mesmo hotel em que ficava quando vinha encontrar-se com Milena às escondidas.

            - Bons tempos aqueles. – Disse a si mesmo.

            Apesar de racionalmente entender que era hora de seguir com a vida e se adaptar a ideia de que agora era um homem livre, para fazer as próprias escolhas e encontrar a felicidade. Mas aquela vinícola continuava atraindo-o. Não conseguiu ir muito longe. Talvez se tivesse visto Milena com o pai de Maria Fernanda tivesse desistido. Mas quando Lorenzo lhe disse que ela é mãe solteira, nada parecia servir de impedimento para uma aproximação. Nada além da raiva com que Milena o olhou. Parecia temer que fizesse algo de ruim com a menina.

            - Como se alguém pudesse desejar o mal de alguém tão doce quanto aquela garotinha. – Ele ainda pensou, sozinho, sobre a cama do hotel.

            Para Nathan, era difícil imaginar porque Milena não seguia com o pai de sua filha. Perguntava-se porque um homem não estaria ali, junto dela e de Maria, caso tivesse a chance de gerar um filho com Milena. Três anos. A menina completará três anos. Um relacionamento iniciado talvez ainda quando estiveram juntos e que durou pouco tempo, a julgar pelo desprezo com que Lorenzo referiu-se ao pai da criança.

            - Três anos...a menos que... -  Aos poucos uma ideia foi ganhando espaço em sua menos. Repelida de pronto, mas, persistente, voltando logo depois. – É possível, claro que é.


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