sábado, 26 de março de 2016

Ariella - Capítulo 4

A aula havia sido desafiadora como todas as outras e apesar do sono que tomava conta de seu corpo, Ariella conseguiu se concentrar nos conceitos passados pelo professor de história da arte. Ainda assim, por alguns instantes seu pensamento viajava para Diego, seus sussurros de amor e beijos acalorados. Uma mensagem de Dulce questionava como foi a noite. Teve de responder, ou a amiga a infernizaria durante todo o dia.

[Ele é gostoso pra caramba. Perfeito até demais. Ainda procuro um defeito. Rsrsrs Agora me deixe estudar]

                        [O defeito é morar na Europa, Ariella. Use e abuse do gato. Mas não se apegue. A malinha dele deve tá pronta e logo ele deixa Buenos Aires. Não se esqueça.]

[Chupou limão essa manhã? Ontem você estava me incentivando!]

                    [E continuo incentivando! A transar com ele até dizer chega. Mas não a se apaixonar, querida.]

[Pode parar por aí. Não sou essa carente e dependente que você fala.]

[Ótimo então. Não quero lágrimas de despedida então. Ok????]

[Ok Dulce! Vá achar um namorado e larga do meu pé!]


            Ariella até tentou dar ouvidos a amiga. Mas desistiu quando passou em casa por poucos minutos para se trocar e correr ao escritório do pai e encontrou uma caixa de bombons esperando por ela na recepção. Ele não parava de mimá-la. Era mais atencioso a cada momento. E estava sim conseguindo o objetivo. “Para adoçar seu dia, mi sol”, dizia o cartão sem assinatura. Ela estranhou isso, principalmente porque as flores também não tinham remetente no cartão, mas logo esqueceu o fato.

            - Isso não é coisa de homem que está de mala pronta. Ele me quer! Ele me quer mesmo! – Ariella saltitou pelo apartamento, largou o material escolar e se preparou para ver seu pai.

            Não estava particularmente ansiosa pelo encontro. Afinal, ela e Afonso sempre tiveram uma relação estranha. Ele não era o mais carinhoso dos pais, mas jamais permitia que lhe faltasse nada. Ao contrário, dava-lhe muito e não exigia nada em troca. Muitos pais teriam reclamado dela jamais ter manifestado interesse em ajudar na empresa nem preocupar-se com o próprio patrimônio. Simplesmente usava a mesada robusta que caía em sua conta a cada virada de calendário e, se precisasse de alguma coisa extra, pedia ao pai. Ele nunca lhe disse não.
            Naquela reunião, como a secretária chamava os encontros normalmente bi ou trimestrais que tinha com Afonso, pretendia lhe contar como estava adorando a faculdade e lhe garantir que todo o dinheiro investido naquela formação não seriam desperdício. Ela estava segura de que poderia sustentar-se da arte no futuro. Talento tinha e agora estava lapidando-o.

            - Papai! Como está? – Ela abraçou-o como fazia a cada encontro.
            - Como sempre, minha linda filha. Acho que não me cabe mais dizer que você cresceu. Mas posso afirmar que está cada vez mais bela.
            - Bobagem sua, papai. Vamos almoçar? Estou com muita fome hoje e tenho muito o que lhe contar da faculdade. – A agitação dela deixava clara sua felicidade.
            - Vamos sim, é claro. – Afonso respondeu, pegando o casaco das costas da cadeira e deixando o escritório.



            Após contar ao pai, em detalhes, cada uma de suas aulas e receber comentários animados em retorno, Afonso mudou o rumo da conversa. Começaram a falar do que sempre falavam, ou seja, como estava sua vida objetivamente e sua segurança. E Ariella ficou com a sensação que tudo o que falou antes logo seria esquecido pelo pai.

            - O prédio segue bem frequentado? Não recebi nenhuma queixa mas...
            - Tudo como sempre, papai. Não precisa se preocupar.

            A questão segurança sempre foi importante para Afonso. E piorou quatro anos atrás, quando ela sofreu um sequestro. Nada de muito grave aconteceu. Alguns homens a pegaram na saída da escola, quando viria passar o final de semana em casa. Levaram-na para um lugar deserto e pediram resgate. O pai pagou e ela foi abandonada no meio de uma estrada. Nada sofreu, a não ser o trauma da violência. Estava completamente recuperada, ao contrário de Afonso, que jamais deixou de se preocupar com sua segurança.
            Quando o almoço terminou, Ariella voltou para casa com três pedidos atendidos e a consciência um tanto pesada. Em menos de duas horas juntos, seu pai concordou em lhe pagar um curso extracurricular de desenho criativo, financiar a troca de seu carro e emprestar a casa de campo para um final de semana entre amigos. E, mesmo assim, quando ele lhe perguntou se ela seguia sozinha ou se já estava novamente apaixonada, ela lhe mentiu com facilidade.

            - Solteira, papai. Nenhum príncipe a vista em meu horizonte. – Disse brincando para esconder a mentira.
            - Melhor assim. Porque tem mesmo de ser um príncipe para merecer você. Nunca se esqueça disso. – Afonso respondeu.

            Por pouco Ariella não brincou afirmando que na falta de um príncipe, estava saindo de um conde. Quando a piada com fundo de verdade estava na ponta da língua ela desistiu para não descumprir uma promessa por algo tão sem importância. Conforme Diego mesmo afirmou, o fato dele ser um conde em nada mudava sua vida. Ariella voltou para casa feliz e decidida a manter o relacionamento com Diego em segredo, exatamente como ele lhe pediu. Lhe enviou uma mensagem assim que ficou sozinha, confirmando um próximo encontro. Rapidamente havia se acostumado a ter Diego ao seu redor.
            Ela não fazia ideia, mas com isso permitia ao namorado seguir seu plano exatamente como imaginado por tantos anos. Logo após por fim ao contato telefônico de Ariella, certo de que seu segredo seguia em segurança, ele fazia planos de como prosseguir. No sonho era tudo muito mais simples que na realidade. Agora, ali em Buenos Aires, percebia o quanto de sacrifícios teria de fazer em sua vida particular e profissional para seguir com o plano. Os hotéis estavam precisando de atenção e tinha mensagens de amigos em Madri que simplesmente não podia responder. Tudo isso representava várias dores de cabeça;

            - Uma semana! Só uma semana e sua vida já está de cabeça para baixo. – Ítalo lembrou-o. – Quando tempo levará para a amarrá-la definitivamente? Muito!



            - Todo o tempo que for necessário. Tenho funcionários capacitados em casa e nos hotéis. Nada me impede de passar uma longa temporada na Argentina. – O que não o fazia desejar isso. Não gostava daquele país. Estava ali unicamente para enredar Ariella a tal ponto que ela não resistisse a cair na armadilha. – Mas sei que Olívia e Murilo desejam sua presença em Madri. Pode ir vê-los, Ítalo.

            Vontade não faltava a Ítalo. Mas deixar seu jovem patrão, quando esse estava perto de realizar o grande erro de sua vida era impossível. E sua família era capaz de entender isso. Especialmente porque Olívia os conhecia há muito mais tempo, trabalhou para Ramón e Silvana. Ajudou a criar Diego quando sua mãe morreu Ramón afundou-se cada dia mais. Agora a única família que sobrara ao garoto era Anita, a avó paterna que o ama, mas visita-o ocasionalmente e não faz ideia dos erros legais e morais que Diego está prestes a cometer.
            Por isso tudo, Olívia senti-se como uma guardiã daquele jovem e, apesar de sentir a falta do marido, jamais pediria que esse retorna-se à Espanha deixando-o na América do Sul, sem ninguém para orientá-lo e trazê-lo de volta à razão. Quem sofre mais com isso é Murilo. Apenas quatro anos mais jovem que Diego, o filho de Ítalo e Olívia cresceu frequentando as mesmas escolas e usufruindo da grande casa dos Bueno em Cádiz. E mesmo após crescerem e se mudarem para Madri, os dois mantinham a mesma amizade da infância.
            Se dependesse do patrimônio do pai, Diego seria hoje um homem pobre já que Ramón perdeu tudo após a morte de Silvana, usando seu tempo para beber e jogar e esquecendo dos negócios. O que salvou Diego da pobreza foi a herança deixada pela mãe, que recebeu da justiça ao completar 18 anos. Com ela ele iniciou seus negócios e apesar de muito jovem, fez o dinheiro se multiplicar. Quando chegou a hora de Murilo fazer faculdade e Diego já tinha uma pequena cadeia de hotéis estruturada, Murilo procurou o amigo e expôs seu plano de fazer hotelaria e, com isso, um dia receber uma oportunidade de trabalho na empresa de Diego. Respondeu uma resposta surpreendente.

            - A menos que você goste muito de hotelaria, Murilo, prefiro que você curse administração e venha trabalhar comigo desde já na empresa. Eu contrato hoteleiros em cada estabelecimento. O que preciso é de um administrador da minha confiança para administrar os negócios. Pretendo dobrar a quantidade de hotéis em poucos anos e isso exigirá trabalho. Se topar, garanto que não se arrependerá. Vou te recompensar.



            Desde então Murilo, além de um amigo, às vezes confidente, tornou-se funcionário de total confiança. Nesse momento, mesmo sem estar formado ainda, era ele quem estava responsável pelos negócios localmente quanto Diego cuidava de seus problemas pessoais. Caso algo grave ocorresse, ele ligava e conversava diretamente com o chefe, mas, quando as coisas caminhavam calmamente, ele conseguia resolver a tudo sem precisar de ajuda.
            Era com isso que Diego contava nas próximas semanas ou meses. O que fosse necessário para enganar Ariella. Tranquilidade nos negócios e em casa para  resolver sua vida particular. Enquanto não conseguisse vingar-se e acabar com Afonso Amaral, sua vida não estaria completa, mesmo que viesse a ser um dos maiores empresários de seu país.

            - O que fará quando ela aceitar casar-se e ir para Madri, Diego? O que pretende com tudo isso? Matar uma jovem de 18 anos que nada lhe fez?
            - Não sou um assassino e você sabe. Matar Ariella e até mesmo Afonso, jamais esteve em meus planos. Já tenho as operações da maior parte das empresas dele, que estavam falidas. Vou desmoralizá-lo publicamente. Todos na Argentina saberão que ele é um péssimo administrador que não tem mais nenhum centavo. E que ele também perdeu a filha ao mesmo homem.
            - Isso tudo você já disse. – Ítalo pressionou-o. – Mas e depois? A menina estará na Espanha, contrariada e, provavelmente temendo você. E o que fará? Como termina essa história criada por você.
            - Não termina. Ela será a minha mulher. Se quiser ficar e ser uma duquesa, continuar em sua vida de princesinha sustentada, ótimo.
            - E se não quiser?
            - Ela pode ir embora. – Diego respondeu friamente. – Depois que me der um filho, Ariella pode deixar a Espanha. Desde que abra mão dele. E saiba que não mais terá quem a sustente. Terá de aceitar pela primeira vez na vida que trabalho a mais do que um gosto, é necessidade. E, posso garantir, ela preferirá uma prisão de luxo do que uma liberdade na miséria.
            - E então? O que acontece? – Novamente Ítalo tentou fazê-lo ver a realidade.
            - Então o que? – Diego já estava irritado. – Então eu terei vencido. Simples!
            - Vencido? Isso é vencer? Terá uma mulher magoada e uma criança traumatizada em meio a tudo isso. E você estará feito um louco, como Ramón.
            - Não fale do meu pai!
            - Falo! Falo porque vi. Ele ficou infeliz e por isso enlouqueceu. A infelicidade e a solidão faz isso com um homem. E você foi criado em meio a essa infelicidade. Veja no que se transformou. Quer colocar outra criança no mundo para passar por isso?

            - Os Amaral tomaram a minha mãe. Eu tirarei um filho deles. É isso que fará Afonso Amaral saber o quanto sofremos. E se isso se chama loucura, que eu seja um louco. Agora me deixe sozinho.

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