segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ariella - Prefácio

Cádiz, Espanha, em 1989


            Ramón e Silvana Bueno encaravam-se com há meses, mesmo morando na mesma casa, não haviam feito. O casamento não ia bem. Talvez nunca tenha sido como deveria, como faziam com que parecesse a quem apenas observava de longe. A verdade é que em algum momento o amor deixou de existir. E enquanto Ramón fingia estar tudo bem e passava a trabalhar mais horas ao dia, Silvana sentia-se só, abandonada e sem razões para manter os juramentos matrimoniais. Até que tudo desabou. E esse erro custou mais caro do que esperava.

-Eu não consigo acreditar que ele foi capaz desta traição comigo! – Ramón encarava a esposa com olhos incrédulos. Havia ódio neles. Mas o que mais machucou foi a mágoa. Mesmo vivendo um casamento infeliz e sem amor, Ramón não esperava pela traição e estava sofrendo.
-Nós nunca desejamos que isso acontecesse, Ramón. – A vergonha estava estampada em seu rosto. – Jamais!



-Mas aconteceu! Eu fui traído por minha mulher e meu amigo! – De repente ele ficou pálido. – E Diego? É meu? Ou além de tudo terei de perder meu filho também?

Diego, com apenas quatro anos, era a única fração positiva que restou daquela união. E também a fonte de preocupação de Silvana. Aquele menino não merecia sofrer a tempestade que se avizinhava. Silvana não tinha nenhuma dúvida de que Diego é filho do marido. Caiu na tentação muito depois. Engravidou em um momento em que ainda tinha esperança de salvar o casamento. Errou. O casamento chegou ao fim e agora havia mais alguém para sofrer.



            Ramón ostenta o título de Duque, herdado de seus antepassados e que irá transmitir a Diego. Viviam na tranquila cidade costeira de Cádiz e tinham aparentemente a vida perfeita. Essa vida de riqueza com a sociedade espanhola aos seus pés, com título de nobreza e a imensa casa que lembrava um castelo não conseguiram salvar o casamento. E no auge da carência afetiva conheceu Afonso, um argentino de passagem por Cádiz, a oportunidade de ser feliz.



            Enganar Ramón, um homem mais preocupado com dinheiro do que com ela e a família, parecia fácil. Já Afonso lhe dava atenção, amor, carícias e a fazia sonhar. A cada vez que tentou por fim ao caso e retomar a vida tranquila de dona de casa, era atraída de volta para a teia de Afonso. O charme daquele homem a viciou. Mas os meses passaram e talvez por ter ficado mais ousada ou menos cuidadosa, Ramón descobriu tudo. Agora ali estavam,sem nada a não ser ódio.

-Não diga bobagens.  Diego é seu filho. – Após algum tempo de silêncio Bueno fez o pedido que sabia jamais seria atendido. – Pode me perdoar? Podemos tentar novamente.

            O olhar que recebeu disse tudo que precisava saber, mas as palavras foram ditas por Ramón da forma mais cruel que conseguiu.

-Nunca fui interessado em mulheres que não se dão valor. Vá embora! Sem Diego!
-Não pode fazer isso. Aquele homem não é nada. Eu fui seduzida! Acabou Ramón, eu juro.
-O que acabou foi o nosso casamento! Você me traiu com um homem que esteve em minha casa, jantou na minha mesa. Talvez, tenham usado até mesmo a minha cama. No que depender de mim, você jamais olhará Diego novamente!
Sem alternativa ou argumento para agir em contrário, Silvana abraçou ao filho sem saber se tornaria a vê-lo novamente. Deixar Ramón não foi difícil, já não o amava e, se tentou reatar a união, foi pensando em Diego. A ideia de fazer ao filho sofrer lhe doía no peito.

- Mamãe...você vai demorar muito? – Diego perguntou vendo-a sair com a mala.
- Não sei, filho. Eu não sei. – Foi tudo o que pôde responder.

Ao sair da casa, Silvana levava suas roupas e o carro. As joias Ramón havia confiscado alegando que ela não as merecia já que foram dadas para uma esposa por um homem apaixonado. E essa relação de amor e confiança já não existia. Os planos de Silvana eram se encontrar com Afonso e, juntos, deixarem Cádiz. Iriam para a Argentina e fariam uma nova vida. Ela então poderia tentar rever Diego e um dia retomar a relação com o filho.
Nenhum desses planos foi possível. Silvana jamais reviu Diego. Nunca colocou os pés na Argentina. Nem mesmo tornou a falar com Afonso. Ainda na estrada, nervosa e em alta velocidade, ela não conseguiu manter a atenção na íngreme estrada que levava da casa até a cidade. Quando percebeu, às lágrimas pareciam encobrir a visão e o carro chocou-se contra uma árvore. Silvana despediu-se do mundo sabendo que deixara muito por fazer e que sua falta seria sentida não por Afonso ou Ramón, mas por Diego, que cresceria sem mãe e em meio ao ódio causado pelo seu comportamento.

Semanas depois...

            Nem mesmo a morte de Silvana aliviou o peso da traição que afligia o coração do Conde Ramón Bueno. Tudo ali lembrava-o da mulher com quem se casou. Por mais que tenha cometido erros como marido, amou-a até o último momento e por isso nunca entenderia como fora capaz de entregar-se a outro.
            Odiava Afonso Amaral com todas as suas forças. O turista que ele conheceu na rua e convidou para jantar em sua casa, tornou-se um amigo e depois usou disso para roubar-lhe a mulher. Um homem sem caráter e que além de trazer traição para o seio daquela família, levou Silvana para a morte.

            - Papai, eu quero a mamãe. Quando ela chega? – Diego apareceu à porta do escritório logo cedo pela manhã. Usava pijama e tinha as bochechas rosadas pelo sono.
            - Nunca mais. Sua mãe não vem nunca mais. – Ele disse ao filho, sem piedade. – Por culpa daquele homem. Afonso Amaral! Lembre desse nome Diego, nunca se esqueça. Foi ele quem destruiu sua família. Foi ele quem levou a sua mãe!

            Em meio a dor da traição e do luto Ramón tinha apenas uma certeza. Ensinaria Diego a ser um homem honrado e jamais trair a palavra dada. Esse era o seu dever de pai. Seu filho herdaria muito mais que o título de nobreza ou sua fortuna, levaria também seus ensinamentos morais. Seria um homem de verdade. E também o ensinaria a odiar quem assim merecia e a fazer justiça. Passaria para Diego a imensa ira que hoje carregava só. Afonso Amaral não seria esquecido.
            Naquele instante Ramón observava seu menino brincar no jardim. Diego ainda sentia a falta da mãe, mas, no futuro, não teria piedade de nada. Lembraria apenas da traição que seu pai sofreu. E um dia Afonso experimentaria uma dor tão forte quanto a sua. Ramón não tinha pressa. Deixaria Afonso construir uma nova vida na Argentina, para onde voltou após o enterro de Silvana. A traição e a separação jamais foram divulgadas na imprensa e Silvana teve sua imagem protegida pela morte. Assim como Afonso, que fugiu para seu país de origem sem ter de se responsabilizar pelo que fez. Não importava. Quanto mais longe fosse e mais construísse, mais iria perder no futuro.


            Ramón deixou o tempo correr e fazer seu trabalho...

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