segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Vida Roubada - Cap 12


      Aquele comportamento de Sebastian estava confundindo Beatriz. Não sabia o que esperar dele. Na verdade, sabia pouco demais a respeito daquele homem. Em um silêncio constrangedor eles seguiram no banco de trás do carro enquanto Francisco guiava o carro pelas ruas de Moscou. Apesar do carinho com que foi recebida, Beatriz não se esquecia da forma bruta como Sebastian livrou-se dela no último encontro. Era essa alternância que a incomodava. Jamais sabia se lidava com o homem carinhoso e delicado ou com o violento e perigo. Ao chegarem ao hotel Francisco pareceu desaparecer. Cada vez mais ela tinha a sensação de que eles eram muito próximos e comunicavam-se quase que apenas com a troca de olhares.

            -Tire essa roupa. Ela não combina com você. Tem um roupão no banheiro, pode usar. – Sebastian disse e surpreendeu Beatriz mais uma vez.
            - Vestir algo para que quando logo você me deixará nua?
            - É verdade. Mas podemos conversar antes...e eu tenho uma ligação de trabalho para fazer. Não esperava encontrá-la hoje...e na rua.
            - Também não estava nos meus planos. – Beatriz respondeu. – Aparentemente, Gregory achou que você não me queria mais e não estava satisfeito com o lucro que lhe dava dentro da boate.
            - Pode ser. Eu resolverei isso. Agora faça o que mandei. Tire essa roupa, tome um banho e me espere no quarto. Quando resolver meus afazeres irei lhe fazer companhia.

            Sebastian na sala que compunha a suíte do hotel e ele usava como escritório. Ali fez duas ligações. A primeira para a mãe, nos EUA, para avisar que teria de mais uma vez adiar sua volta para casa. Há mais de um mês vinha retardando seu retorno a Massachusetts, estado que considerava o seu lar, mas no qual passava cada vez menos tempo. Beatriz era um dos motivos. Gostava dela, de passar algum tempo com a garota. E mesmo que dissesse a si mesmo que conseguiria com outras em qualquer parte do mundo o mesmo que Beatriz lhe oferecia, continuava desejando ela e não nenhuma outra. Só que não podia dizer isso a Angelina, ou ela viria para a Rússia colocar algum juízo na mente do filho.

            - Oi mãe. Como vai tudo por aí? – Ele perguntou assim que ela atendeu, tentando não lhe dar chance dela fazer comentários pela sua demora.
            - Bem, é claro. Como sempre. Boston segue maravilhosa como sempre foi, apesar de um de seus moradores não mais aparecer por aqui. Posso saber o que tanto de negócios você tem na Rússia? Vai se mudar para aí?
            - Não, mãe. Minha casa é aí com vocês.
            - Aaaa ‘vocês’, sim! Lembrou-se que tem uma filha?
            - Eu nunca me esqueço de Luísa, mamãe. Jamais. Estou lhe levando uma daquelas de porcelana russa que ela adora.
            - Luísa tem cinco anos, Sebastian. Precisa muito mais da presença do pai que de mais uma boneca.
            - Eu não posso abandonar meus negócios para ficar junto de Luísa, mamãe. E eu sei que a senhora cuida bem dela. Em dois dias eu embarcarei para casa. Prometo.
            - Que bom, meu filho. Nós estamos sentindo sua falta. – Disse Angelina antes de desligar.

            A outra ligação foi para Gregory. Em poucas palavras avisou ao gerente da boate que o cliente de Beatriz havia mudado e deixou claro seu descontentamento por ela ter sido colocada para trabalhar na rua.
            - Até onde sei, Sebastian, Beatriz não estava reservada para você. Não tem do que reclamar. Você sumiu depois de um final de semana com ela. Pensei que havia se satisfeito da garota. – Gregory respondeu.
            - Ainda não. – Sebastian disse simplesmente. – Ficarei com ela hoje. Depois terei de viajar uns dias...não quero que ela saia com outro. No dia em que eu aparecer em Moscou quero que ela esteja aí, esperando por mim.
            - Quantos dias?
            - Não sei ao certo.
            - Ela tem de trabalhar, Sebastian. Beatriz não é especial para ganhar hospedagem e comida de graça aqui. A chefia vai reclamar. – Nem tanto, já que Gabriela sempre afirmou que Beatriz tinha de sofrer, não dar lucro. Ainda assim ele a queria trabalhando.
            - Eu estou disposto a pagar por ela. – Sebastian respondeu e assim encerrou o assunto e a ligação.


           
            O restante do tempo passou na cama com Beatriz. Gostou de encontrá-la deitada na cama, com os cabelos molhados e o corpo coberto pelo roupão branco. Quando era capaz de obedecer suas ordens Beatriz ficava ainda mais bela. Só depois de muito se aproveitar de seu corpo e ver um novo dia nascer, ele disse-lhe que ficariam algum tempo sem se ver e que nesse período ela não atenderia mais nenhum cliente.

            - Pagarei para que me aguarde. É minha. Não gosto de dividir o que é meu e não gosto da ideia de outros homens tendo prazer no seu corpo. Só eu vou gozar em você e só eu decidirei se você merece ou não ter prazer na cama. – Ele lhe disse.

            Beatriz recebeu aquela notícia com alguma tristeza. Apesar das palavras duras, Sebastian sempre lhe dava prazer. Podia demorar, podia vir acompanhado de dor ou de desconfortos quando ele, afoito demais, acabava lhe ferindo. Mas ele sempre lhe dava prazer, ao contrário de tantos outros que avançaram para dentro de seu corpo sem importar-se com as barreiras que encontravam. Sebastian podia olhá-la feio, gritar e até feri-la, mas quando transavam ele sempre a levava ao céu. Mesmo que, às vezes, dissesse que não desejava agradá-la, que ela não merecia prazer, que estava proibida de gozar, Beatriz sempre descumpria a ordem.

            - Eu sempre tenho prazer nos seus braços. Não se engane pensando o contrário. – Beatriz lhe disse deitada sobre seu corpo. Naquela posição conseguia sentir seu corpo enrijecido, mesmo ele tendo se satisfeito poucos minutos antes.
            - Sempre? E se eu entrar em você agora? Enfiar em você com força como posso fazer com você porque é uma prostituta qualquer com qual eu não preciso me preocupar? – Ele estava com vontade fazer justamente isso e ver se ela suportava.
            - Ainda assim eu vou gemer de prazer. Quando estou com você, nada é ruim. – Uma parte dessa afirmação é verdadeira, a outra é uma mentira com destino certo ao ego de Sebastian.
            - Vamos descobrir se é isso mesmo. – Ele respondeu e virou-a bruscamente sobre a cama, deixando-a de bruços e pensando o que faria com Beatriz durante aqueles poucos minutos que lhe restavam.


            No Brasil, Miguel e Elizabeth jantavam com Patrícia e Matheus.Foram horas agradáveis, que intercalavam momentos de conversas pesadas nas quais Elizabeth atualizou os amigos da investigação que buscava encontrar Bia e, outros, em que eram apenas quatro amigos felizes. Enquanto Paty e Matty demonstravam ser exatamente o que eram – um casal feliz de namorados bem resolvidos – Miguel e Elizabeth não sabiam o que eram nem o que gostariam de ser.



            A união e a parceria do casal de amigos não passou despercebida de Liz. Eles estavam muito unidos e sorridentes, pareciam ter se completado. Quando acabaram de comer e foram para a sala provar da sobremesa feita por Paty, Matheus não economizou elogios à namorada. Tanto que Liz não suportou ficar calada.

            - Nesse ritmo logo vejo vocês no altar e pensando em bebês. – Ela disse ao amigo em tom de piada.

            Mas nenhum dos dois apressou-se em negar aquela afirmação. Ao contrário. Paty aconchegou-se mais nos braços de Matheus e ele acariciou seus cabelos loiros. O único a se sentir constrangido com a cena foi Miguel, que apesar de nutrir uma relação amistosa com o casal de amigos, não era íntimo deles como Elizabeth. Patrícia se sentia feliz demais para perceber qualquer constrangimento e Matt estava satisfeito em vê-la evoluir tanto desde quando se conheceram. A primeira vez que viu Patrícia, ela estava presa, com o corpo marcado por um comportamento destrutivo e uma sequência de abusos. Agora ela estava saudável, física e emocionalmente. E ele teve essa certeza quando a viu pensar no futuro e superar o passado.

            - É, talvez você esteja certa, Liza. – Matt afirmou. – Eu sempre quis ser pai. Você sabe. E eu e Paty pensamos sim em ficar juntos e adotar um bebê.
            - Adotar? – Elizabeth não conhecia detalhes da condição de saúde de Paty.
            - Eu não posso ter filho, Elizabeth. – Foi ela mesma a esclarecer. – Mas Matt me fez ver que isso não me impede de ser mãe.
            - É claro que não. – Liz concordou. Lá no fundo ela se perguntava por que ela, que biologicamente seria mãe, não conseguiu aceitar a maternidade daquela forma tranquila e doce. – Eu espero sinceramente que vocês consigam adotar esse bebê quando se sentirem prontos. Formam um lindo casal. Serão grandes pais.

            A conversa seguiu para assuntos mais sérios. Liz contou dos últimos avanços no caso de Bia. Na verdade, para a justiça era o caso de abuso sexual no qual atuava há muitos anos. A Polícia não acreditava que Beatriz estivesse viva, muito menos com os mesmos sequestradores. Ainda assim, Elizabeth sabia da verdade. E não mudaria seus planos até rever a irmã. Para isso, sabia poder contar com Matt. E estava prestes a descobrir que Paty enfim poderia cumprir aquele objetivo de ajudá-la.



            - Fizemos um acordo com Pedro Ferraz. Ele falou coisas muito interessantes. Realmente estão na Rússia as minhas respostas, em Moscou. Ele falou em casas noturnas clandestinas.
            - Quem é o chefe? – Matt perguntou.
            - Não disse. – Elizabeth respondeu.
            - É claro que não. O chefe eles nunca entrega. – Miguel opinou.
            - Segundo Pedro, o esquema é dividido em várias etapas e ninguém conhece tudo. Cada um se reporta a um superior e quase ninguém conhece o chefe do grupo. Segundo ele, Javier, o tio de Miguel, era conhecedor do esquema no Brasil e tinha contato com o chefe, seja lá quem for.
            - Mas Liz, você já revirou tudo o que é possível na vida de Javier Alencastro Benitez e não encontrou nada. Não acredito que por ali vá chegar ao líder.
            - Eu também não acredito, Matt. Por isso dependo de qualquer dica que Pedro possa fornecer. Moscou é muito grande. E os braços da quadrilha maiores ainda. Há mais de uma boate lá. Segundo ele, a cada ano aproximadamente 50 brasileiras e outras tantas latinas vão para lá. Algumas morrem, outras envelhecem trabalhando. Algumas são compradas por clientes e nem mesmo eles sabem o que acontece com elas depois.
            - Boa coisa não deve ser. Um homem capaz de comprar uma mulher ou apenas frequentar um lugar desse, não vale o ar que respira. – Matt opinou.
            - É. E ainda existe uma boate GLBT para onde travestis vão.
            - Tudo em Moscou? – Matt perguntou. – Patty ficou na Grécia. Pode não ser a mesma quadrilha, mas, se for, Bia pode estar em outro país.
            - É a mesma, Matt. Tenho certeza. Mas Pedro diz que nos últimos tempos eles têm preferido levar todas para Rússia e depois de algum tempo enviar para outros países. Lá eles têm um homem experiente no comando. Ele ‘treina’ as garotas e as usa na boate. Depois enviar para Madri, Paris e Lisboa, principalmente e recebe novas para repor em Moscou. Por tanto, Beatriz está na Rússia. E eu tenho de encontrá-la logo.
            - Nenhuma pista mais detalhada?
            - Não...Ele disse que a boate chama ‘luxúria ou algo assim’. Isso não ajudou muito.

            Não ajudou muito a Elizabeth desvendar o mistério. Já para Patrícia aquele ‘luxúria ou algo assim’ fez todo o sentido. Quando foi uma escrava sexual Paty prostituiu-se na Grécia. Seu único contato com a Rússia foi quando, ao ser comprada por um russo chamado Nicolay e ser abandonada por ele, fez escala na Rússia durante o voo de volta ao Brasil trazendo drogas no estômago. Ainda assim, soube instantaneamente do que Pedro Ferraz falava em seu depoimento a Polícia Federal.

            - Nохоть. – Disse e foi instantaneamente observada por Liz, Matt e Miguel. – Noxotb é uma boate clandestina em Moscou. Lá há prostitutas...escravizadas. Noxotb significa ‘luxúria’ em russo. Só pode ser de lá que ele falou.
            - Como você sabe disso, Paty. – Matt questionou-a.
            - As pessoas falam demais quando pensam que você não as compreende. Mas, mesmo um idioma difícil como o grego começa a ser decifrado quando você convive com as pessoas. Eu ajudava a limpar a boate e ouvia muitas coisas nessa hora. Uma vez o homem que chefiava a boate disse que viriam garotas da Noxotb. Ele e o administrador dessa boate conversavam muito por telefone.
            - O nome! O nome deles! Você se lembra? Do administrador desse lugar na Rússia. – Liz pressionou.
            - Não...não lembro.
            - Tente Paty, por favor.

            Miguel e Liz ficaram sozinhos naquela noite sem que a apreensão os abandonasse. Quanto mais perto chegava, mais nervosa ficava. Não havia mais nada que pudesse fazer do Brasil. Precisava ir até Moscou e estourar aquele cativeiro de mulheres que eles chamavam de Noxotb. Só então teria Beatriz de volta.

            - Você está mais perto hoje do que ontem. Deveria estar feliz. – Miguel lhe disse.
            - Perto não é o bastante. E Tom ainda não conseguiu autorização para que eu embarque. Quando conseguir, talvez seja tarde demais. Vou passar para ele as informações cedidas por Paty e ele pedirá que a polícia russa faça uma batida no lugar. Mas o que nos garante que eles não têm o apoio da polícia local?
            - Então não diga nada. Apenas peça para tirar suas férias. – Miguel lhe disse.

            Elizabeth não entendeu de início.

            - O que? Não posso tirar férias agora e...só se...
            - Exatamente. Peça férias e nós vamos conhecer Moscou, a passeio. Checamos a boate com os nossos olhos e, se vermos Bia, alertamos a polícia.

            Por alguns instantes Elizabeth apenas observou Miguel. Como podia alguém capaz de errar tanto, também ser tão maravilhoso e surpreendentemente dedicado. Miguel se dizia satisfeito em abandonar seus compromissos com um multinacional para ir com ela até Moscou e encontrar Bia. Aquele homem a amava mais do que tudo. E se ela ainda precisava de alguma prova, acabara de tê-la.

            - Eu te amo, sabia? – Elizabeth disse simplesmente.
            - Fazia tempo que eu não ouvia...então comecei a duvidar. Mas eu te amo Elizabeth, mesmo com todos os meus defeitos, eu te amo. Nunca esqueça disso.



            Na manhã seguinte Miguel e Elizabeth acordaram na mesma cama. Tinham reatado o casamento. Não apenas por amor, nem por desejo. Miguel havia conseguido, duramente, reconquistar a confiança de Elizabeth.

            - Bom dia, meu amor. – Ele lhe disse ao amanhecer.

            E Elizabeth acreditou naquele bom dia como há muito tempo não acontecia. Podia ser as novidades do caso ou o retorno de Miguel na sua vida. Agora ela se sentia melhor e mais forte para encontrar Bia e receber seu filho no mundo.

            - Bom dia. – Ela respondeu simplesmente, sorrindo e sem lhe contar tudo o que passava por sua mente.



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