domingo, 6 de dezembro de 2015

Vida Roubada - Capítulo 9 - parte I



            Quando Elizabeth viu Alejandra sair em retirada depois de ouvir alguns desaforos merecidos, sentiu-se vitoriosa. Havia engolido desaforos demais tentando transmitir a mesma elegância da rival. Mas já que Alejandra mostrou-se alguém capaz de enganar, não merecia ser respeitada. Por isso Elizabeth sentiu-se leve ou ver o rosto da outra ser tingido de vermelho pela vergonha de ser chamada de vagabunda, palavra que bem a representava, em voz alta e na frente de outras pessoas. Mesmo assim, foi ver-se livre da loura e a equipe da clínica se dispersar para, em privacidade, não saber o que fazer e afastar-se de Miguel.
            Fazendo o movimento contrário, Miguel ficou bem junto da esposa. Se apenas a sua vontade fosse válida, aquele instante de Liz olhando-o com adoração e defendendo o casamento seria eterno. Essa era a Liz da qual mais ele gostava. A Liz que a dentadas feito uma tigresa brava quando provocada e que deixava as marcas de suas garras nele, nos momentos de raiva, mas também na paixão. Infelizmente, logo que Alejandra deu às costas, Elizabeth lembrou-se do momento difícil que eles viviam no casamento. Só que agora que tinha recebido um gostinho de uma reconciliação, estava disposto a lutar por ela ainda mais.

            - Eu gostei do que ouvi. É ótimo saber que ainda reconhece o nosso casamento, minha Liz. – Miguel disse mesmo sabendo que aquilo não era bem a verdade.



            - Pois tire essa ideia da cabeça e se mantenha afastado de mim. Não pense que só o fato do destino ter nos pregado uma peça e eu estar grávida, todos os nossos problemas estarão resolvidos. Não há casamento algum. E me chame de Elizabeth! – Liza respondeu.
            - Chamo de Liz, minha Liz. Porque você é minha e eu posso chamá-la assim. E você pode até reclamar, mas nós continuamos casados.
            - Suma! Vá cuidar da sua outra grávida! Vá para sua montadora. Vá achar o que fazer! E me deixe ir trabalhar.



            - Sim, vou trabalhar. Mas a noite nós nos vemos. Levarei minhas malas por volta das 20hs, esteja em casa ou deixe a chave na portaria, sim?

            Elizabeth entendeu o recado. Só não quis acreditar na ousadia Miguel. Depois de tê-la traído, ele realmente acreditava que podia lhe dizer aquela frase acompanhada por um sorriso.

            - Não adianta você reclamar. Se não me quer como marido, tudo bem. Posso dormir na sala ou no quarto de hóspedes. Mas sozinha você não fica mais. Vou cuidar de você e do meu filho que está aí dentro, pedindo por atenção.
            - E só a sua presença no meu apartamento fará o seu filho crescer saudável! Que modesto da sua parte.
            - Mudará que você não sairá de casa sem café da manhã, nem estará sozinha a noite quando se sentir mal. E terá o meu incentivo sempre. Pode lhe parecer pouco, mas é esse o papel dos homens enquanto as mulheres gerem os filhos.
            - Falou o expert! E como será? Segundas, quartas e sextas você cuida da grávida, enquanto as terças quintas e sábados dedica-se para a número dois? Não seja ridículo, Miguel.
           
            Miguel não ficou irritado com Liz. Preferia quando ela explodia do que quando permanecia guardando os sentimentos para si. Elizabeth tinha razão em se revoltar por ter de dividi-lo com outra mulher, mas isso também lhe revelava como ele era importante em sua vida. Não fosse assim, ela não se importaria em não ser a mãe de seu único filho.

            - Desculpe te fazer passar por algo assim. Sei que não é o ideal. Posso não suportar Alejandra, mas não poderei abandonar o bebê que ela espera. Também é meu filho. E tenho responsabilidade por ele.
            - Eu nunca lhe pediria isso.
            - Mas só me importo com uma das mães. Você. E Alejandra, apesar de ser exagerada, teve um início de gestação muito mais tranquilo. Se você não quer voltar para casa, partir de agora eu moro no seu apartamento, Liz.

            Numa atitude típica, Elizabeth voltou aos compromissos profissionais e deixou para se preocupar com Miguel depois do expediente. Ao chegar na polícia federal, sabia do compromisso que tinha. Ou melhor, que Rebeca tinha. Ela teria apenas de assistir. Mas isso lhe parecia ainda mais insuportável. Ainda mais quando Pedro Ferraz parecia tentar escapar por entre os dedos da assistente mesmo quando Rebeca apertava o cerco.
            Com o profissionalismo que lhe era habitual, Rebecca fez as perguntas certas a Pedro. Ele, porém, também era profissional. Tinha boas respostas, era rápido de raciocínio e parecia nutrir alguma lealdade para a quadrilha.

            - Bandido leal...era só o que me faltava. – Elizabeth disso, do outro lado do vidro que lhe permitia ver Pedro sem ser vista. – O que acha dele, Tom?
            - Você te motivos para desconfiar. São vários fios que o unem a quadrilha.
            - E, por consequência, à Bia.
            - É, se toda a sua teoria estiver correta. Mas não esqueça que não temos nenhuma prova concreta que Pedro matou Caleb ou pegou Beatriz, nem mesmo algo que uma esses fatos. São apenas conjecturas suas.
            - Nas quais você acredita, certo?
            - Certo. Porque conheço o seu faro. Mas a investigação do sequestro de Bia não nos foi repassada. E segundo apurei, a Civil vai arquivar o caso. Para eles, não há indício de sequestro já que não houve pedido de resgate. Também não acreditam em crime sexual por Bia não se enquadrar no perfil levado para Europa a fim de se prostituir.
            - E a teoria de que se trata de retaliação contra mim deve ter causado riso neles. Eu já imaginava isso, Tom.  – O que não diminuía sua raiva. – Mas tudo bem. Não posso investigar o sequestro de Beatriz, mas posso fazer com que Pedro Ferraz me leve até ela. E eu farei isso.

            Tom e Elizabeth seguiram acompanhando o interrogatório. Primeiro Pedro conseguiu adiar as respostas exigindo a presença de seu advogado. Enquanto aguardavam o assessor jurídico chegar. Liz fez a anotação mental de investigar muito bem aquele defensor legal. Às vezes eles eram ainda piores que os acusados.

            - Agora que já está devidamente escoltado, Pedro, quero saber exatamente qual o seu papel no esquema que leva mulheres para se prostituir na Europa. Economize o meu tempo, o seu e o do advogado. – Rebeca pressionou quando o interrogatório enfim teve início.
            - Não tenho nada a ver com esquema algum. Sou um trabalhador liberal, nunca fiz nada ilegal. – Pedro respondeu tranquilamente, para orgulho do advogado.
            - Mentir, Pedro, é uma arte, eu reconheço. – A frieza de Rebecca despertava orgulho em Elizabeth. – Mas quando a polícia tem provas documentais contra você, mentir passa a ser um pouco burro. Você confirmou sua participação em vídeos. Temos fotos de você aliciando mulheres. Seu nome aparece em registros antigos da quadrilha que estão com a PF há muito tempo. Até o seu passaporte serve com prova. Você não tem escapatória. A pergunta é: cai só ou leva alguém junto?
           
            Pedro mostrou-se irredutível. Mais de 1h depois continuavam na mesma. Quando balançou, o olhar do advogado, Heitor Batista, pareceu envolvê-lo à convicção. Claro, pensou Elizabeth. Ele não estava ali para defender Pedro, mas sim para garantir que ele ficaria calado. Tom até tentou segurar Elizabeth e lhe afirmou que manter sua imagem resguardada era importante. Mas ela já havia decidido arriscar. Liz invadiu a sala de interrogatório.

            - Boa tarde, senhores! Sou a investigadora Elizabeth Santos Benitez, responsável há vários anos por investigar um esquema milionário que pôs fim a centenas de famílias e rende dinheiro a alguns. Esquema no qual você está envolvido até o pescoço, Ferraz. – Elizabeth estendeu a mão à frente do rosto dele. – Você está bem aqui. E eu só não te esmaguei ainda porque quero as informações que pode me dar.
            - A senhora está cometendo abuso de poder. Meu cliente é inocente e não há indícios contra ele. – Disse o advogado.
            - Cale a boca! Esse interrogatório é meu e não lhe dei autorização de falar. – Elizabeth deu um minuto de descanso para Pedro e voltou-se ao advogado. – Eu tenho mais do que indícios, tenho provas e se você o orienta a ficar calado é porque seu interesse não está em Ferraz, mas nos que estão acima dele.
            - Está me ofendendo! Posso lhe causar um processo junto da corregedoria.
            - Cause então. Mas não tente me fazer de idiota! Seu tipo, Batista, me é bem conhecido. E se tentar atrapalhar minha investigação, eu juro que muito em breve seu nome aparecerá no inquérito como muito mais do que advogado. Não me atrapalhe mais. – Então ela voltou-se a quem realmente interessava. – Estou dando esse depoimento por encerrado para você pensar bem se vai querer me ajudar ou passar a vida na pior prisão que eu puder lhe arranjar. Eu amarrei você bem demais, Pedro. Não há escapatória. Pense bem se vai querer pagar por tudo sozinho.

            Longe de se sentir satisfeita, mas sentindo-se um pouco mais confiante, Elizabeth voltou para sua sala. Tinha o coração acelerado. Aquele era um tipo de adrenalina que muito lhe agradava, principalmente quando sentia estar no caminho certo. Sua força e o nervosismo de Heitor Batista mostraram a Pedro quem sairia vitorioso ali.

            - O que eu faço caso o advogadozinho realmente for à corregedoria contra você? – Tom perguntou.
            - Faz o que você sabe fazer e limpe a minha cara. Quando tudo isso acabar, prometo que revejo meus métodos e me torno a sua investigadora padrão. Juro!
            - Não acredito. Mas tudo bem. Duvido que ele cumpra a ameaça mesmo. É do tipo que tem tanto a esconder que não deseja mais chamar a atenção.


            Quando a noite chegou em Moscou, Beatriz colocou-se na pista de dança, oferecendo-se conforme Gregory e Samantha exigiam. Mas naquela noite havia ansiedade. Ela queria saber se ele viria novamente. Se exigiria mais uma noite de sexo com ela. Só assim poderia afirmar que sua sedução fez efeito. Talvez por isso tenha se arrumado com mais dedicação e colocado uma roupa que, acreditava, atrairia Sebastian.



            Seu cliente da noite anterior disse que gostava de seu rosto e que os cabelos não deveriam escondê-lo. Então teve o cuidado de prender os fios. Desejava seduzir Sebastian, não como uma jovem apaixonada e cegamente enganada, mas como a mulher de objetivos claros que era. Se Sebastian é a porta de saída, seria tratado com a dedicação merecida.
            Mas Sebastian não apareceu na boate e Beatriz passou a noite com um cliente qualquer, muito jovem, que não gostou nem desgostou da roupa negra, desfez seu penteado no primeiro puxão de cabelos e alcançou a satisfação procurada numa rapidez surpreendente. Ela não sentiu nada, nem mesmo o nojo que comumente vinha em cada transa por dinheiro. Agora só fazia o que precisava ser feito da forma mais competente possível, fosse o cliente belo ou feito, delicado ou bruto. Era capaz de falsos gemidos para agradá-los, mas, lá no fundo, contava os instantes para que caíssem no sono e livrassem-na de qualquer contato. Mesmo enquanto estava com o jovem, os pensamentos estavam em Sebastian, em qual erro havia cometido e em como faria para se aproximar dele mais uma vez.
            A sedução não havia sido errada. Ao contrário, deixou Sebastian tão intrigado que resolveu saber mais dela. E a dificuldade que encontrou tornou aquele um desafio muito maior. Depois que ela foi embora ele dormiu. Mas logo depois de recuperar o corpo de todo o esforço, voltou suas atenções para reorganizar sua agenda e descobrir mais de Beatriz, aquela mulher sem sobrenome e muito misteriosa. A primeira coisa que fez foi adiar seu retorno aos EUA por mais uma semana. Tinham compromissos profissionais e familiares por lá. Em cinco dias teria de embarcar. Mas antes, queria mais de Beatriz.



            Ele ligou para Gregory, a segunda ligação em poucos dias. E mais uma vez sentiu no gerente da boate uma reação estranha. A ilegalidade daquele lugar nunca lhe foi um segredo. Ele e os muitos outros homens que usavam aquelas mulheres sabiam que a boate era irregular e, no mínimo, aproveitava-se da falta de alternativa de cada uma delas. Mas no caso de Beatriz parecia haver algo mais. O tom de Gregory quando falava dela mudava.

            - Sebastian, fiquei surpreso. Não esperava outra ligação sua. Espero que minha garota não o tenha decepcionado.
            -Não, longe disso. Beatriz foi sensacional.
            - Que ótimo... – Por alguma razão Sebastian teve a sensação de que ele não gostou daquela satisfação toda. A voz de Gregory nunca lhe pareceu mais falsa. – Tenho uma novinha, ruivinha, pele branca feito papel. Você vai adorar.
            - Ainda não...quero mais de Beatriz. – Sebastian foi direto.
            - Mais? Houve tempo que você gostava de variar.
            - Ainda não, já disse Gregory. E não gosto de me repetir.
            - É claro, como quiser. Quer Beatriz hoje mesmo?
            - Não. No final de semana. Alguém da minha confiança irá buscá-la na sexta-feira e a levará de volta na segunda-feira até o meio dia. Vocês serão bem pagos.
            - Infelizmente isso não será possível, Sebastian. Beatriz não tem autorização para sair da boate. Quando autorizei sua ida ao hotel, já relevei uma ordem para satisfazer você.
            - Pois então releve outra! Porque nesse final de semana, é comigo que Beatriz estará. Não está em negociação, Gregory. Mas se você não quiser se comprometer, posso ir direto aos seus superiores.
            - Não. Está bem. Mas muito cuidado com ela. Beatriz pode tentar usá-lo para escapar. Ela não é ingênua ou burra...ela...
            - Ela o que? Eu estou bem curioso, Gregory. O que Beatriz tem de especial?
            - Nada que mereça a sua atenção. Mas saiba que ela não é digna de confiança. Beatriz é tão perigosa quanto gostosa. E eu provei dela tanto quanto você, Sebastian.


            Aquela última afirmação incomodou Sebastian mais do que ele estava preparado para aceitar. Poderia ter pressionado mais. Poderia ter feito outras perguntas. Mas se calou antes que falasse demais. Tinha outras coisas para responder até o final de semana chegar.

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