domingo, 15 de novembro de 2015

Alguém Para Amar - Capítulo 32


       Não foi difícil para Henrique chegar na Vinícola Vicentin. Mas foi cansativo. As orientações de Laura foram seguras e, ao desembarcar no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, ele acessou o Aeromóvel e o metrô para chegar à estação rodoviária e lá pegar um ônibus em direção a Serra Gaúcha. Teria sido mais simples alugar um carro no aeroporto mesmo, mas, sem conhecer as estradas, o ônibus lhe pareceu mais seguro. Já no centro de Bento Gonçalves e com informações dos habitantes de que era fácil encontrar a vinícola, ele alugou um veículo e dirigiu pela estrada ladeada de infinitos parreirais. No lindo lugar, a força da natureza lhe transmitiu tranquilidade. E ajuda a acalmar corações ansiosos.



            Quando enfim avistou uma porteira feita em madeira entalhada com o nome da vinícola em destaque. Uma moça loira decorava a entrada com flores, provavelmente em função do casamento.

            - Buongiorno. – Ela lhe cumprimentou.
            - Bom dia, senhorita. Vai haver um casamento aqui hoje...
            - Sim, meu irmão irá se casar hoje. Quem é o senhor?
            - O pai da noiva. – Ele respondeu simplesmente. E percebeu o quão bonita era aquela frase.
            - É bom vê-lo aqui. Sou Milena. É um prazer conhecê-lo. Bom...eu tenho muito o que fazer aqui na entrada ainda. Mas, siga por esse caminho, ele dará na casa. Jéssica deve estar lá com toda a família.

            Henrique não se surpreendeu ao olhar pelo espelho retrovisor e ver Milena utilizando o telefone. Devia estar avisando Lorenzo de sua chegada. Era compreensível. Eles não tiveram um início muito bom. Mas a verdade é que simpatizava com seu genro, lhe parecia um homem bom, honesto e digno.
            Quando chegou à residência da família, viu se tratar de uma casa grande, simples e confortável. Lorenzo lhe aguardava sozinho na frente da construção e lhe fez um sinal de onde era possível estacionar à sombra. Nem sinal de Jéssica. Naquele momento Henrique pensou que talvez ela não fosse a responsável por convidá-lo ao casamento. Talvez estivesse magoada, machucava, pela falta de acolhimento quando fora visitá-los em Curitiba. Lorenzo, porém, lhe recebeu amigavelmente, oferecendo-lhe a mão para um aperto firme.

            - Laura disse que ainda confiava na sua vinda. Para mim, foi uma surpresa. Seja bem vindo.
            - Eu...não sabia como vocês iriam encarar a minha vinda aqui. – Ele foi sincero.
            - Muito bem. É meu sogro. Será sempre bem vindo nessa casa.
            - Obrigado. E Jéssica...onde ela está?
            - Com Laura e minha mãe, Giovanna. Elas foram até outro ponto da propriedade. O local onde Jéssica mais tarde irá se arrumar. Homens estão proibidos por lá, eu em especial.
            - É sei bem como é. – Por mais que conversassem havia uma barreira, algo difícil de ultrapassar. Henrique resolveu ser direto. – Você deve me achar um monstro. Talvez eu mereça o título.
            - Não acho nada, Henrique. Tive o desprazer de conhecer Bruno. É óbvio que você estava certo em ser contra o relacionamento. Só não concordo com a forma como você lidou com o assunto. Jéssica era jovem demais.

            Inicialmente Henrique não soube o que responder. Jéssica era sim jovem demais, mas talvez ele a visse como uma menina ainda mais jovem do que era. Não a imagina com um homem. E não suportou vê-la nos braços de um delinquente.

            - Quando eu lhe disse que deixaria de ser minha filha caso escolhesse Bruno, não acreditava na possibilidade. Pensava ser óbvio que aquele relacionamento não duraria e que Jéssica veria isso e escolheria a família. Mas ela escolheu o delinquente.
            - Não. – Respondeu Lorenzo. – Ela não escolheu Bruno, apenas não acreditou que a família fosse lhe virar as costas e resolveu testá-los. Quando descobriu que estava grávida ficou apavorada e foi embora porque acreditou no aviso que o senhor deu.

            O pai de Jéssica tinha os olhos marejados pelas lágrimas. Para ele era muito difícil aceitar e até mesmo entender que aquele homem à sua frente conhecesse tão bem sua filha, enquanto ele não soube observar quando ela precisou de firmeza ou necessitou que lhe estendessem a mão.

            - Clara...quero conhecê-la.
            - E vai. Mas depois de falar com Jéssica. Ela veem vindo. – Ele apontou para a janela e viu os olhos de Henrique se arregalarem ao verem a silhueta arredondada de Jéssica. – Sim, Jéssica está grávida.
            - É por isso que...



            - Não! – Lorenzo foi rápido em corrigir e aproveitou para dar um aviso. – Eu pedi sua filha em casamento muito antes de sabermos da gravidez. Nem pense em dizer nada desagradável de meus filhos para Jéssica. O senhor é muito bem vindo nessa casa, desde que respeite sua filha e não tire o sorriso de seu rosto. Hoje é um dia feliz e faça questão de vê-la sorrir.

            Com um discreto aceno, Lorenzo pediu que as outras mulheres entrassem na casa brevemente. Ele fez o mesmo caminho e restaram apenas Jéssica e o pai na varanda da casa. Pai e filha se olharam em silêncio por alguns minutos. Havia tantos sentimentos ali misturados que organizá-los foi difícil. Jéssica chegou a pensar estar sonhando. Mas era real, Henrique estava ali no dia de seu casamento.

            - Você está aqui.  – Ela disse com um sorriso tímido, como se ainda não acreditasse.
            - Estou, minha filha. Não podia ficar em casa num dia tão importante na sua vida. Todo o pai sonha ver a filha se casar.

            Ainda havia um afastamento. Eram poucos passos que os separava, mas que, nenhum dos dois ousava dar. Do pai havia o temor de ser rechaçado. Da filha o receio criado após tantas vezes ter um carinho negado. Certos passos levavam mesmo algum tempo e eram antecedidos por palavras duras.

            - Me desculpa por tudo o que eu fiz? Eu preciso que me desculpe. – Jéssica pediu, emocionada.
            - Eu é que preciso me desculpar. Tentando me proteger da dor de perder você, machuquei minha própria filha. Disse que não tinha filha. Era mentira. Mentia pra mim mesmo. Só não queria te perder. – Ele enfim reconheceu. – Deveria ter ido atrás de você quando saiu de casa. Hoje eu me arrependo tanto. Eu te amo, minha filha.

            Jéssica pensou estar sonhando, imaginando aquele reencontro. Precisou do contato, do calor do pai para realmente crer naquilo tudo.

            - Posso te abraçar?

            Henrique nada disse. Apenas abriu os braços e permitiu-se sentir a calor e o carinho da filha. Tantas vezes lembrou-se do seu abraço nesses anos de afastamento. E em cada uma delas engoliu o sofrimento pensando ser o melhor a fazer. Hoje percebia que aquele orgulho capaz de endurecer seu coração não lhe trouxe nada de bom, apenas tornou-o alguém mais solitário. Henrique sentiu o ombro da camisa ficar úmido com as lágrimas silenciosas de sua filha.

            - Não chore. Basta de lágrimas. Eu te amo, minha filha. – Assim ele realizava o desejo de Clara, ao menos o que ela lhe pediu em sonho. – Até porque seu marido faz questão de seus sorrisos.
            - Sim, ele faz. Lorenzo é um grande homem. E ele me ama. Eu vou ser feliz ao lado dele, papai. Ele ama Clara como se ela fosse sua filha.
            - E vem outro aí. – Henrique tocou delicadamente a barriga da filha. – Eu não sabia que você está grávida. Parabéns.

            Parabéns! Que palavra linda de se ouvir quando se está grávida. Faz com que uma onda de amor cresça dentro de seu peito. E Jéssica sorriu, secando as lágrimas rapidamente e acariciando o próprio ventre.

            - Eu quero conhecer esse bebê. E também Clara. – Henrique continuou. – Quero saber de tudo da sua vida, te conhecer. Eu nunca mais vou te abandonar.
            - Eu torci tanto para você me perdoar. Tanto. Obrigada por vir. Sei que errei, papai. Nunca deveria ter permitido qualquer aproximação de alguém como Bruno.
            - Não peça mais perdão. Isso é passado. Daqui para frente eu só quero ser feliz junto de você e dê meus netos. Quero levá-la até o altar, entregá-la a Lorenzo. Eu posso? Você me dá essa alegria? Eu sei que não mereço.



            Jéssica gaguejou e não respondeu. Na certeza que seu pai não viria, pediu a vovô Francesco que a conduzisse durante a cerimônia. E agora, no momento da cerimônia, não poderia lhe negar o convite feito.
            Foi o próprio Francesco, de coração aberto e bondoso como sempre, que autorizou a mudança de planos. Caminhando com certa dificuldade, mesmo mantendo a postura ereta e elegante da juventude, Francesco estendeu a mão para Henrique, apresentou-se e piscou para Jéssica. Sabia exatamente a saia justa na qual ela se encontrava.

            - É claro que seu pai irá levá-la para a benção do matrimônio. É direito de qualquer pai. E eu tive esse prazer com uma filha. Agora é a sua vez. Parabéns pela filha que tem. Nossa família está orgulhosa por tê-la como filha a partir de hoje. – Disse a Henrique.
            - Obrigada. Eu também estou muito orgulhoso por ela.

            Com essa questão resolvida, faltava a Henrique conhecer Clara. Já sentia sua presença ali, quase podia ouvir suas risadas, mas estava apreensivo, sem saber como o receberia. Ele tinha a nítida sensação de conhecê-la pelo sonho e pelas inúmeras fotos e vídeos que Laura lhe mostrava. Mas Clara não deveria fazer ideia de quem ele era.

            - Porque vocês estão chorando aí? – Ela gritou aparecendo na porta, de braço cruzado, pronta para a briga, caso alguém estivesse fazendo mal à sua mãe. – Quem é você?
            - Olá, menina Clara. Sou seu avô. Me chamo Henrique.
            - Avô? Não,obrigada. Eu já tenho vários avos. – Clara disse tranquilamente.
            - Clara! Olha o respeito! – Jéssica ralhou com a filha.
            - Mas é verdade mamãe! Eu tenho a vovó Ângela, a vovó Giovanna e a vovó Laura. Tem o vovô Francesco e o vovô Leonel. São muitos avos!
            - Mas esse é o vovô Henrique. Ele é o meu papai.
            - Seu papai? E porque você nunca veio ver a gente?

            Foi difícil para Henrique encontrar uma resposta para essa pergunta. Em especial uma que fosse verdadeira e não magoasse uma criança.

            - Porque eu estava cego. Só isso. Mas agora eu vi você. E eu queria muito um abraço da minha neta. Por favor.

            Jéssica já não chorava, só sorria vendo Clara nos braços do avô. Aquele dia estava lhe dando ainda mais alegrias do que esperava. Era quase 13hs, eles precisavam almoçar e logo depois ela iria se arrumar para, enfim, dizer o sim definitivo para Lorenzo. A sensação era que estava caminhando por uma trilha longa e cheia de armadilhas há muito tempo e agora avistava o prêmio por ter suportado cada um dos obstáculos. Ela almoçou tendo Clara à sua frente, ao lado de Laura, Lorenzo à direita e o pai à sua esquerda. Nada poderia ser mais belo e mais especial. Lorenzo não apenas lhe deu uma família como também conseguiu unir os cacos que sobraram da antiga.

            - Tudo bem? Não foi emoção demais? – Ele lhe sussurrou à mesa, acariciando os filhos discretamente.
            - Nunca estive melhor, mais feliz e mais completa. E tudo isso é por você. – Abalada com as circunstâncias e também pelos hormônios, Jéssica voltou a sentir as lágrimas verterem de seus olhos.
            - Não, não, não. Sem lágrimas. Daqui para frente serão só sorrisos. Eu prometo.

            A família não estava completa naquele almoço, para desgosto de Giovanna. Jonas levou Emily e os filhos para passear pela vinícola. Só eles. Queria aquela privacidade para apresentar Bernardo àquelas terras, tão simbólicas para seus antepassados. Levava o filho nos braços enquanto Emily carregava Vida. A menina já tinha estado ali em outras oportunidades, mas aquela era a primeira vez que Bernardo estava em solo gaúcho. Seu primeiro dia respirando o ar puro da região e vendo os parreirais carregados da próxima safra da uva.

            - Veja, meu filho. Aqui é a sua casa, a sua terra. Aqui estão as nossas raízes. – Disse ao filho, em tom baixo e satisfeito em passar o orgulho daquela terra para seus herdeiros.



            Nas últimas semanas Jonas voltou a se sentir em paz. Quando Emily recuperou-se totalmente e Leonor atestou sua saúde após exames, ele enfim respirou. Não fosse assim, a existência de Bernardo não seria o bastante para lhe amenizar a dor. Não se tivesse lhe custado Emily. Ter os filhos lhe dava felicidade, fazia seus amanheceres mais belos e sorridentes. Mas Emily era o seu oxigênio de cada dia. O pulsar da energia dela, sempre vibrante, o mantinha extasiado e mais apaixonado a cada dia. Agora podia se dizer um homem feliz e completo.

            - Já posso imaginá-los pegando grãos de uva e comendo do pé, como eu, Milena e Lorenzo crescemos fazendo. Eu fui tão feliz aqui, Emily.
            - Você é. Aqui sempre será o seu lar. Às vezes penso que você gostaria de morar aqui, se não na vinícola, numa casa na cidade, como a que Lorenzo tem.
            - Não, meu amor. Parte de minha vida hoje está em São Paulo e você tem lá seu restaurante. Não me é nenhum sacrifício morar lá, não tendo você ao meu lado.
            - E sem mim? – Ela perguntou olhando em seus olhos.
            - Sem você?! Hoje eu vejo, Emily, que eu não teria conseguido viver sem você. Não importa se aqui ou em São Paulo. Eu podia negar, fingir que não éramos nada além de amantes, mas na verdade eu já te amava incondicionalmente. E vai ser assim para sempre. Não importa aonde a gente viva.
            - Hoje eu sei que te amo mais do que tudo. Não sei exatamente quando foi, Jonas, mas entre uma taça e outra de vinho, você entrou no meu coração. Ele é seu. – Ela respondeu.

            Emily estava emocionada com a declaração sem razão que Jonas lhe fazia. Não era mulher de muitos afagos e elogios. Costumavam lhe dizer que por vezes agia de forma mais prática que atenciosa. Talvez fosse hora de mudar um pouco isso. Jonas foi de delicadeza e dedicação impar durante todo aquele período de doença. E manteve-se firme ao seu lado quando tudo parecia desabar. Nessa luta abriu mão de algo que lhe era muito importante e que, talvez, fosse o momento de ter novamente.

            - Eu amo o restaurante, Jonas. Amo estar lá. Ficar longe dele me doeu, mesmo sendo por poucos dias e por uma forte razão. É o que você sente pela JRJ?
            - É diferente. – Talvez nem ele tivesse uma resposta pronta para essa pergunta. – Eu jamais abriria mão da vinícola. Meu sangue, meu coração está em cada uma dessas garrafas.
            - Mas... – Emily incentivou.
            - Mas eu também tenho prazer no que faço como engenheiro. Amo a profissão para a qual estudei e sou feliz na JRJ.
            - Então você quer voltar. Faça isso. Retome seu cargo, suas responsabilidades. Rafael certamente agradecerá. E Juliana...também, é claro.
            - Ela está fora do país. Estudando, esfriando a cabeça. No fundo é uma mulher muito agradável. Você a conhecerá melhor.
            - Estou dispensando. Obrigada! – Emily respondeu. Mas ela sorria, divertida.
            - E você? Quais seus planos profissionais?

            Aquilo deu à Emily a oportunidade de contar a Jonas seu próximo desafio. O maior de toda a sua vida profissional. Talvez , porque ainda não era certo. Ainda assim, sentia a vontade de arriscar.

            - Se me perguntasse isso há alguns dias eu diria que era apenas seguir fazendo o que faço todos os dias, mas Nathan me fez uma proposta interessante.
            - Nathan? Seu amigo italiano? – Jonas não gostou. Ainda não entendia porque, mas não havia simpatizado com o cozinheiro. – Só espero que ele não vá levar minha mulher para Milão.
            - Não mesmo. Só para outro bairro de Alphaville.
            - O que?
            - Ele me propôs sociedade em um restaurante nesse bairro. O que acha?
            - Interessante. Mas como você terá dois restaurantes? E ele virá morar aqui?
            - Vamos assinar o cardápio juntos. Eu administraria a cozinha no dia a dia e ele virá regularmente. Ele está encantado pelo Brasil e pela vinícola, inclusive.
            - Ele esteve aqui? – Isso era novidade para Jonas. Após aquela visita a Emily, recém operada há semanas atrás, o nome de Nathan sumiu de sua memória.
            - Sim, Milena o recebeu e mostrou tudo.
            - E agora ele quer montar um restaurante aqui? Interessante. Você dará conta de dois restaurantes?
            - Não com a mesma dedicação que tenho por um, é claro. Mas é um desafio, uma possibilidade. Vou pensar. Não se preocupe, meu amor. Você, Vida e Bernardo serão sempre minhas prioridades. Para sempre. Vamos para casa?
            - Vamos. Temos de comer e se arrumar para o casamento. Será uma noite de grandes emoções.


            Mulheres para um lado, homens para o outro. Nessas horas o nível de nervosismo era mesmo muito diferente. Jéssica passou a tarde entre cuidados e tratamentos de beleza, ladeada por Emily, Laura, Milena e Giovanna. Enquanto isso, Lorenzo arrumou-se com antecedência e conferiu uma dezena de vezes se as alianças estavam no lugar certo. Estava nervoso demais. Jonas lembrava-o que há poucos meses eles estavam com as posições trocadas e o irmão debochou de seu nervosismo.

- Verdade. E sim, eu estou nervoso. Satisfeito?
- Muito. – Ele bateu nas costas de Lorenzo. – Arrume a gravata, está torta. E pare de andar de um lado para o outro. Não vai fazer Jéssica se aprontar mais rápido.
- Eu sei! Vou cumprimentar o padre e os convidados para ver se o tempo passa mais rápido.




           Por ser viúvo, Lorenzo não podia se casar no religioso. Mesmo assim, o padre que também realizou a cerimônia de Emily e Jonas, veio lhes dar uma benção. O rito podia ser um pouco diferente, mas os votos de felicidade não. O religioso conhecia a trajetória daquela família e o sofrimento que tomou conta de Lorenzo duas décadas atrás. Hoje isso estava superado e, a partir daquela cerimônia, faria definitivamente parte do passado. Lorenzo deixaria de ser viúvo para passar ao estado civil de casado. E cada convidado que apertou-lhe a mão sabia o quando Jéssica trouxe de felicidade e paz de espírito aquele homem.
            Não só Jéssica. Clara também fez maravilhas pelo coração de Lorenzo. A menina, quase uma cópia da mãe, amava-o muito e aceitava todo o carinho que ele tinha para dar, acumulado em anos demais de solidão. Clara aproveitou cada segundo da preparação daquele casamento. Sentia como se a festa fosse também sua. E era. Se sua mãe resolveu não usar branco, ela o quis, com direito a tiara de flores na cabeça e brinco de pérolas, um presente de seu pai no dia em que adotou-a legalmente.


            - Estou bonita, papai? – Ela lhe perguntou ao ficar pronta e vir lhe fazer companhia ao altar.
        - Linda. Uma anjinha que veio abençoar essa união. – Ele respondeu no mais sincero dos elogios.

            Se nem todos aqueles cumprimentos fizeram passar o tempo rápido o suficiente, Lorenzo se colocou em seu lugar e ficou aguardando a noiva. Ela não vinha nunca. E ele, apesar de feliz, não conseguia sorrir. Estava ansioso. Até que viu sua mãe passar junto de Laura e Milena. Estava na hora, elas lhe confirmaram. Depois veio Emily, a madrinha, num vestido verde-claro e salto alto. Ela se colocou ao lado de Jonas, sob o dossel montado especialmente para a ocasião e decorado com muitas flores.



            Mas ainda faltava a noiva. E Lorenzo foi obrigado a perguntar se Jéssica estava bem. Afinal ela estava muito atrasada, deixando os convidados, e ele, sobretudo, muito ansiosos.

            - Relaxe, Lorenzo. Ela já vem lhe dizer o sim. Precisamos ajustar o vestido. É difícil acertar o tamanho quando a noiva tem uma barriguinha de grávida. Agora está perfeito. E prepare-se para ver a mulher mais bela de toda a sua vida passar por esse corredor.
            - Eu a vejo acordar ao meu lado todas as manhãs. – Ele respondeu.

            A frase era típica de um romântico e galanteador como Lorenzo. E verdadeira, pois ele a achava linda ao acordar. Mas nada preparou-o para vê-la caminhar em sua direção num vestido levemente dourado e feito em renda, com algumas pérolas bordadas. O corte princesa, com uma fita logo abaixo dos seios marcava a barriga enquanto o decote tomara que caia era finalizado por uma manga falsa, também em renda que caía por um dos ombros. Nos pés uma sandália rasteira dava um tom de simplicidade que combinava com a noiva. E no rosto uma maquiagem discreta dava o toque final. O sorriso farto completava o quatro, perfeito, belo e capaz de encher o noivo de orgulho.



            Amparada no braço de Henrique, Jéssica caminhou até Lorenzo segurando a emoção. Nunca esteve tão feliz em toda a sua vida. E no aperto de mão entre aqueles dois homens viu selado seu destino, um lindo e duradouro destino. Eles trocaram algumas palavras emocionadas antes que Henrique fosse se colocar junto de Laura e depois Lorenzo só teve olhos para Jéssica. Beijou-lhe a testa em sinal de devoção e passou a mão por suas costas para deixar claro que ela estava amparada. Acontecesse o que o tempo e a vida tivesse lhes reservado, Jéssica tinha espaço reservado sob a proteção de seus braços. A fala do padre não foi tão breve quanto no casamento de Jonas e Emily. Dessa vez o religioso revolveu falar das graças que cada um recebe e do poder de decisão que temos ao aceitá-las ou não.

            - Ninguém entra na vida do outro sem uma razão. Tornar essa passagem bela e repleta de recordações bonitas é escolha de cada um. – Disse o religioso. – A passagem de alguns é mais curta. Foi essa a vontade de Deus. Ela abre caminho para outras. Faz parte da busca pela felicidade, que nem sempre é fácil, mas é necessária, é vital. Todos aqui desejam um lindo futuro para esse casal e os frutos dessa união. Com a benção de Deus.



            O beijo que selou a cerimônia ocorreu logo após a colocação das alianças. Eles sorriam, felizes com o passo dado. Agora a relação era oficial. A festa teve início quando o sol ainda se punha. Era provável que os familiares e amigos seguissem festejando o momento feliz até muito tarde. Os noivos não. Com a gravidez, Lorenzo tinha a desculpa perfeita para raptar a noiva alegando que ela não podia se cansar.

            - Ainda não. – Ela lhe disse quando ele tentou que fossem embora logo. – Quero dançar com meu marido.
            - Quer é? Qual música?
            - Qualquer uma. É só para estar nos seus braços mesmo. – A resposta dela provocou-o ainda mais.
            - Está bem. Que comece o baile, então. Mas antes, temos um anúncio importante a fazer.

            Lorenzo pediu a palavra e todos acreditaram que o noivo iria se declarar para a esposa. Não era isso. Eles tinham uma grande surpresa pela frente. Mesmo assim, Jéssica sentiu um aperto no coração ao ouvi-lo falar. E seu plano de não chorar foi por água abaixo.

            - Eu estou feliz em tê-los aqui. Muito, acreditem. Nunca me senti tão feliz nos meus quase 46 anos. Algumas pessoas têm medo de envelhecer. Não eu. Não quando sou mais feliz a cada dia, ao lado da mulher que amo e de meus filhos. Sim, vou ser pai. Aos 46 anos, eu vou ser pai. De Clara, minha primogênita linda e de dois bebês que em breve estarão aqui nessa terra.

            A palavra D-O-I-S ecoou e foi repetida por todos os lados. Alguns acharam não ter ouvido bem. Outros pensaram que Lorenzo tinha se equivocado. Vovó Ângela entendeu de primeira e sorriu, discreta e emocionada. Lá no fundo ela sabia, desconfiava, sentia. Não importava. Os dois netinhos já estavam em seu coração. Os Vicentin estavam garantidos na próxima geração e a idosa italiana não tinha razões para disfarçar sua alegria.

            - Sempre soube que você não iria me decepcionar, meu neto. Demorou. Mas fez dois de uma vez só! – Afirmou, sabendo das risadas que geraria. – E você, minha neta. Rápida, eu disse logo no primeiro dia que a vi.

            - Mamãe! Por favor. – Leonel ficou vermelho, apesar de habituado a personalidade expansiva de Ângela.

            - Só falei a verdade. Não sei qual o espanto.

            O baile seguiu ao brinde e a primeira dança seguiu a tradição dos casamentos na família Vicentin. Não era uma valsa, mas sim uma música daquela terra. Era mais do que enaltecer os próprios costumes. É amar, seguindo as regras do próprio coração. Lorenzo guiou Jéssica num bailado lendo e contínuo, quase despercebido, acompanhando a música entoada ao som de gaitas tradicionalistas ao fundo. Com a letra da canção ele concordava.

E mostrar para quem quiser ver
Um lugar pra viver sem chorar
É o meu Rio Grande do Sul
Céu, Sol, Sul, Terra e Cor
Onde tudo o que se planta cresce
E o que mais floresce é o amor


            - Vamos embora? Estou com pressa para tê-la só para mim. – Ele pediu quando a dança terminou.
            - Para onde vai me levar? Ninguém me disse onde iremos passar essa noite.
            - É segredo. Mas garanto que será inesquecível.
            - Eu não duvido, não mesmo. – Jéssica disse enquanto caminhava em direção a Clara. Iria se despedir da filha, que ficaria na Vinícola com a família. – De você eu jamais duvidarei. Então vamos. Estou pronta para passar essa noite inesquecível ao lado do meu marido.
            - Ótima resposta, senhora Vicentin.

Nenhum comentário:

Postar um comentário