domingo, 25 de outubro de 2015

Vida Roubara - Capítulo 7


         Quando retornou ao cativeiro Beatriz se sentia confusa. Sair daquele hotel luxuoso e entrar novamente no buraco que agora era seu lar mexia com a cabeça de qualquer um. Passou horas nos braços de Arman e por muito pouco não foi direto para as mãos de Sebastian Gonzáles. Ele a desejou. E ela deveria estar feliz em ver o segurança negar o programa. Sebastian machucou Natacha e ela não fora sua primeira vítima. A curiosidade sobre ele, porém, era muito superior ao medo.
            Ela não soube como Gregory recebeu a notícia do interesse de Sebastian, mas o mau humor que ele apresentou no decorrer daquele dia foi uma bela pista. As garotas limparam o salão todas juntas como era o costume e puderam vê-lo gritar ordens aos seguranças e discutir com Samantha. Até mesmo ela foi vítima de seu estresse.

            - Ele está com o diabo no corpo. – Maya comentou com as outras, em uma de suas costumeiras reclamações e comentários azedos.
            - Diaba é ela. Gregory logo estará de cabeça baixa pra Samantha. – Natacha respondeu. – Limpe isso direito antes que sobre para você.
            - Estou limpando! Mas faria qualquer coisa para descobrir o que deixou Gregory assim.

            Ninguém fazia ideia do quanto a possibilidade de autorizar um programa de Beatriz com Sebastian irritava Gregory. E a raiva que isso fez Samantha sentir. Para ela, uma explicação se fez necessária. Restava saber se era sincera e se Samantha acreditaria.

            - As ordens de Gabriela foram claras. Beatriz não deve atender nenhum ricaço. Ela quer a garota com o pé de chinelo. – Explicou.
            - Esse não é o nosso perfil de cliente. E Gabriela sabe.
            - É. Mas a ordem é essa. E Gabriela não gosta de ser contrariada.
            - Ela não precisa saber. – Samantha insistiu.
            - Pode ser. Só que existe um motivo pra essa ordem. Beatriz está longe de ser como as outras. É brasileira, mas fala inglês fluente. E Sebastian é americano. Ela pode tentar pedir socorro.
            - Pelas marcas que ele deixou em Verônica, seu pedido não seria bem recebido. Deixe que ela peça e receba um tratamento especial dele. – Samantha não gostou de Beatriz desde o início, agora percebia a razão. – É bom que você comece a vê-la exatamente como as outras. Ou teremos problemas.
            - Deixe de bobagem, Samantha. Você é a minha rainha, a única diferente das outras.
            - Ótimo! É bom que permaneça assim.

            Quando a noite caiu e todas as garotas entraram no salão, Beatriz ficou apreensiva. Esperava vê-lo a qualquer momento. As horas passaram e a noite logo transformou-se em madrugada. Beatriz atendeu um cliente e voltou para o salão dividida entre o alívio e a decepção. Por um momento imaginou que talvez Sebastian pudesse ser seu passaporte de volta ao Brasil. Enganou-se. Sua vontade de tê-la já havia passado. Quando a casa já apresentava um público bem reduzido e embriagado uma movimentação na porta da frente alertou Bia para a chegada de alguém importante, porém, não bem vindo aquele lugar.
            Sebastian entrou um tanto trôpego. E para surpresa de Beatriz, Gregory levantou-se de sua mesa para encaminhá-lo pessoalmente ao escritório. O americano poderia ter passado a noite bebendo em outras casas como aquela, mas veio ali resolver o que deixara pendente na noite anterior. Bia não conseguiu saber o que ele conversaram. De longe, praticamente do outro lado do salão, ficou observando a porta do escritório onde os dois se trancaram. Faria qualquer coisa para ouvir a combinação. Provavelmente definiam seu preço para aquele resto de madrugada, talvez ele pagasse pelo turno da manhã também.
            Quando a porta se abriu, para surpresa de Beatriz, Sebastian foi embora, passando pela sua frente e sequer lhe destinando um olhar. Tudo o que Beatriz conseguiu pensar foi que ele não tinha vindo ali para comprá-la ou que se agradou de outra. Havia uma pitada de tristeza naquele pensamento. E ela logo foi substituída por apreensão e desconfiança quando Gregory lhe deu um recado.

            - Vá para o alojamento dormir. – Disse secamente antes de explicar. – Sebastian quer você amanhã. Irá para um quarto de hotel e deve estar com a pele de acordo. Cabelo também. Sebastian é um homem refinado e está interessado em tê-la. Você ficará muda! Sebastian é muito rigoroso e tem autorização para castigá-la caso faça algo de errado. Entendeu?



            - Sim, entendi.
            - Ótimo! Agora vá. Amanhã irá se preparar para atendê-lo.

            Gregory não queria aquilo. Apenas não teve escapatória. Primeiro porque Samantha não gostou nada de sua propensão a manter Beatriz afastada de Sebastian. Quando o americano ofereceu muito dinheiro por ela e ele titubeou em aceitar, Samantha voltou a questionar o porquê e ele não teve uma nova e perfeita explicação.

            - Ele a quer, está disposto a pagar. Qual o problema? – Ela o pressionou.
            - Nenhum...claro que não.
            - Ótimo. Porque não há razão. Sebastian pagou por Beatriz, ele a terá.

            Enquanto aquela madrugada cansativa chegava ao final para Beatriz, em São Paulo, com seis horas a menos no fuso horário, Elizabeth iniciava uma missão noturna. Dessa vez ao lado de Rebeca. Ela precisava confirmar se o Pedro a quem o garoto apelidado de ‘Ligeiro’ disse ser o novo dono do ponto era o homem que Beatriz conheceu e que, provavelmente, matou Willian e sequestrou sua irmã. E Rebeca a lembrou um detalhe importante após revisar o inquérito. Poderia se tratar de coincidência por ser um nome muito comum, mas já houve um Pedro envolvido naquela quadrilha de tráfico de pessoas. Pedro Ferraz foi preso ao participar de um falso concurso que selecionava garotas. Foi liberado logo depois por falta de provas, mas, já naquela época, Elizabeth já desconfiou das inúmeras viagens dele entre Rússia e Brasil.

            - Não acredito em coincidências, Beca. É ele. Só pode ser. – Liza comemorava. Estava na trilha certa.

            Esse plano, porém, tinha uma falha. Se ela estivesse na pista correta e sua irmã tiver sido levada em represália a sua investigação, Pedro certamente conhecia seu rosto. E isso inviabilizava qualquer encontro entre eles. A menos que ela pretendesse morrer. Então naquela noite foi Rebeca a encarar o ponto de prostituição. E isso deixou Elizabeth bem mais nervosa. Arriscar-se por Bia era óbvio, natural e até mesmo uma obrigação. Rebeca por sua vida em risco era bem diferente. Ela não deveria ter de se expor passando-se por garota de programa.

            - Relaxe Liza! – Ela lhe disse já vestida de acordo com a missão. – Não é só as magrelas que investem nessa profissão. Esses peitos aqui são capazes de atrair olhares ainda. Sossega. Vou lá, disfarço, falo com Pedro e confirmo o que tiver de confirmar.
            - Ótimo. Me ligue assim que sair de lá, Rebecca. Estarei aqui no apartamento. Se for mesmo Pedro Ferraz, tenho indícios o bastante para pedir a prisão provisória e vou esmagá-lo no interrogatório.
            Rebeca foi e Elizabeth ficou só. Em segurança, porém, sozinha, sem nada poder fazer. E isso se tornava ainda pior por não ter Eva com ela no apartamento. Após obter a guarda e alegando que a filha corria riscos, Rafael vinha proibindo as visitas. Elizabeth já tinha se aconselhado com Matt. Apesar de também ser advogada, Matt era especializado em casos de família e entendia muito mais do assunto. Seu conselho foi o de esperar, ter paciência e aguardar que Rafael reconsidere a decisão. Para Matt uma briga em família só pioraria a situação para Eva.

            - Ela é minha sobrinha e afilhada. É a mim que Beatriz confiaria Eva. – Foi a resposta de Liz.
            - Eu vou tentar um acordo com Rafael. Tenho esperança que ele se solidarizar. Eva deve estar chamando por você também – O amigo garantiu.

            Enquanto o acordo não vinha, a noite de Elizabeth seguiu no silêncio e na solidão. Não tinha a irmã, nem a sobrinha. Não podia atuar na ação policial. Tão pouco poderia estar com Miguel. Sua vida estava de cabeça para baixo. Seu telefone tocou e ela viu no visor a foto de Miguel aparecer. O fato dele não desistir a irritava tanto quanto fazia sorrir. Queria tanto poder esquecer tudo o que aconteceu. Elizabeth ignorou a ligação feita às 23h15min. Miguel sabia que ela estava acordada, nunca dormia tão cedo. E por isso mesmo deixou um recado. Ela não resistiu e ouviu.

[Eu sei que você está acordada e não quis me atender. Pare com isso Elizabeth. Estou preocupado. Preciso saber que está bem. Preciso ouvir a sua voz. Eu já pedi perdão. Já estou sofrendo o bastante com o que está acontecendo...eu te amo. Precisamos conversar. Eu não vou desistir. Se você não me atender eu vou à delegacia.]

            Aquilo tudo só a fez voltar a chorar. E acordar destruída e ainda mais enjoada na manhã seguinte. Para piorar, ela sabia que não se tratava de uma ameaça vazia. Miguel iria continuar cercando-a. E com sua gravidez cada vez mais aparente, isso seria uma complicação a mais. Segundo suas próprias estimativas, a gravidez já deveria estar batendo no terceiro mês. Não teve tempo de ir ao médico, talvez estivesse fugindo dessa confirmação oficial. E sua consciência a estava cobrando por essa falha. A barriga ainda estava longe de aparentar ter um bebê, mas seu corpo vinha mudando. E até mesmo Miguel já havia presenciado um de seus mal estares. Ele não desconfiou. Acreditou tratar-se apenas de um problema alimentar. Talvez tenha creditado o desmaio ao fato de ser diabética. Mas não ia enganá-lo por muito tempo.

            - Tenho que contar pra ele. Ou sumir da sua vista. – Eram essas as alternativas. Mas as duas hipóteses lhe incomodavam.


  
            Porém, mais uma vez os problemas pessoais a levaram a deixar as decisões de sua vida de lado. Rebeca voltou da missão com boas notícias, ou, ao menos favoráveis aos planos da investigação. A assistente havia passado em casa para tomar banho e se trocar e ao chegar na delegacia surpreendeu-se ao encontrar Liz numa aparência muito pior que a dela. Parecia ter sido Liz a passar a noite em ação policial. E mesmo quando as duas fizeram isso juntas, nunca a tinha vista naquele estado.

            - Porque você não me ligou quando saiu da missão? – O mau humor de Liz também não foi uma boa recepção.
            - Porque era tarde. Achei que estaria dormindo. O que pelo visto não aconteceu. O que deu em você, Elizabeth? Parece saída de um bombardeio.
            - Não consegui dormir, rejeitei uma ligação de Miguel, chorei, enjoei e vim pra cá antes que eu começasse a chorar novamente. – Liz ofereceu à amiga um resumo de sua noite.
            - Você tem que ir ao médico. Está mais magra. Parece doente! Você está sendo irresponsável com seu filho!
            - Eu vou ir! Assim que tiver tempo. Não tenho tempo para os meus problemas enquanto Bia está desaparecida. – Ela se obrigou a mudar de assunto. – Vamos trabalhar. É isso que eu preciso. Encontrou Pedro?
            - Sim. – Rebeca desistiu, por enquanto, de trazer a amiga à realidade. Sabia que os assuntos profissionais lhe eram mais confortáveis. – Estávamos certas. É o mesmo homem que você prendeu. Fiz imagens dele e depois me aproximei. Ele é muito seguro, mas desconfiado. Não entregou mais ninguém.
            - Mas contra ele nós temos provas. É o suficiente. – Liz já planejava suas próximas ações. Ela invejava não ter aquela mesma clareza de raciocínio na vida particular. – Solicite o mandado de prisão Rebeca. Peça a ajuda de Carla e Fred para efetuar a prisão. Não quero participar. Ele terá uma surpresa quando eu entrar na sala de interrogatório.

            Surpresa tiveram as duas, minutos depois quando estavam juntando as provas contra Pedro Ferraz para apresentá-las ao juiz e mais um buquê de flores chegou. Elizabeth não havia conseguido comer nada naquela manhã a não ser uma barrinha de cereal. E essa se revirou no estômago dela assim que o perfume das rosas tomou a sala.
            Liz correu para o banheiro e voltou com a expressão ainda mais cansada do que antes. Ao se sentar em sua cadeira não gostou nada de ver que Rebeca ainda não havia se livrado das flores. Elas ali estavam, lindas e provocantes. Ao menos não tinha mais nada no estômago para vomitar. Fechou os olhos e tentou melhorar antes de voltar ao trabalho. Rebeca logo colocou um copo de água na frente da amiga.

            - Isso não pode ficar assim. Não dá Liz. – Rebeca lhe disse.
            - Cala a boca Beca! Já sei de cor tudo o que irá me dizer. Eu vou procurar um médico, vou fazer dieta, vou fazer exames. – O telefone que ocupava a mesa de Elizabeth começou a tocar. As duas ignoraram.
            - A questão é quando, Liz! Chega! Será que não vê que está mal? A cada dia está pior!
            - Isso não é verdade. – O telefone seguiu tocando. Ninguém o tirou do gancho. - Enjôos são normais na minha condição.
           
            O telefone parou de tocar. O recepcionista da Polícia Federal desistiu da ligação. Tentava avisar a investigadora Elizabeth Benitez que seu marido a procurava na recepção. Ele veio tantas vezes ali e na última semana enviou tantos boques de flores que reconhecê-lo não foi difícil. Deixou-o passar. Não sabia que ao deixar Miguel caminhar por aquele corredor, mudava o rumo da vida daquele casal.

            Miguel caminhou lentamente e com passos firmes até chegar à frente da porta desejada. Ia bater, talvez abri-la de surpresa, mas os gritos vindos lá de dentro o fizeram esperar e ouvir. Não se orgulhava daquilo, mas Liz não lhe deixava alternativa.

            - Engraçado que quando é para usar de argumento você lembra que está grávida. Mas para marcar uma consulta de pré-natal você nunca encontra tempo. Tenho uma novidade para você Elizabeth: ignorar essa criança não a fará desaparecer! Em poucos meses você estará dando a luz e terá de ser mãe nas 24hs do dia! Abra os olhos.

            As palavras assustaram Elizabeth. Raras foram as oportunidades em que Rebeca perdeu a cabeça. E isso era apenas mais um ingrediente que lhe garantia sua certeza no que falava. Beca estava certa. Precisava agir e parar de se esconder. Era mãe.
           
            - Eu sei. Não queria ser mãe. E estou apavorada. Não sei o que farei quando ele nascer. Simplesmente não sei, Beca. Tem um bebê crescendo dentro de mim. E eu nem sei o que sinto sobre isso. – Disse na mais franca resposta que poderia dar. – Eu não sei o que fazer com ele!


           
            Quando Miguel abriu a porta pegou Elizabeth e Rebeca completamente desprevenidas. Não foi uma entrada raivosa. Ele mais parecia em choque. Dessa vez era Miguel a se sentir traído. Não física, mas moralmente. Ele desejou estar errado, ter ouvido errado, se enganado. Não houve margem para erro. Liz não somente afirmou esperar um filho como expressou seu desprazer por isso. Ao abrir a porta, a expressão de Miguel era uma mistura de decepção com raiva. E no instante em que o olhar dos dois se cruzou Elizabeth soube que algo havia se quebrado. Se antes ela já sabia que errava ao manter o segredo, agora ela se recriminava e sentia raiva de si mesma. Porém, não sabia o que fazer ou como resolver. Acabou afundando-se ainda mais em mentiras.

            - Miguel...por favor...
            - Cale a boca. Rebeca, por favor, me deixe sozinho com minha mulher. – Ele precisava de privacidade e só voltou a falar quando Elizabeth acenou para Rebeca e a policial deixou-os a sós. Silenciosamente ele fazia contas. – Desde quando você está escondendo isso?
            - Eu não tenho nada para te falar Miguel. Nós estamos separados. É a minha vida, o meu corpo...
            - Não! É o meu filho! – Lá no íntimo sua consciência o lembrava que pelo bebê de Alejandra não havia defendido esse direito
            - Nada garante que é seu. – Foi uma mentira gaguejada. – Seu filho está na barriga de Alejandra! Aquele sim é seu. Não esse aqui. Esse é só meu.
            - Não ouse me fazer de idiota! É meu! Eu sei que é! Como sei que você não o quer.
            - Não é assim...eu estou confusa. – No tom de voz baixo de sua esposa Miguel percebia o quanto ela não estava em seu estado normal. – Nunca me imaginei grávida. Jamais.
            - Desde quando você sabe?
            - Na véspera da morte de Bia. Nós passamos a noite juntos e eu ia falar. Mas li no seu telefone a mensagem de Alejandra. Você já seria pai.
            - Então resolveu ficar calada. – Ele também já não mais gritava. – Não serve de desculpa.

            Miguel não se conformava. Além de mentir por mais de um mês, Elizabeth estava visivelmente desgastada fisicamente. Agora algumas coisas passavam a fazer sentido. A perda de peso, o desmaio, os enjôos, o desejo de evitar médicos. Quanto mais pensava, mais revoltado ficava. Com um riso amargo ele percebeu a crueldade do destino com eles. Seria pai de dois filhos ao mesmo tempo. Enquanto uma mãe lhe forçava a participar, a outra o excluía.

            - De quantos meses está? – Ele perguntou tentando deixar a raiva de lado e ser prático.
            - Não sei exatamente. – Elizabeth respondeu.
            - Como não? – Ele passou a mão pelo rosto e pelos cabelos tentando clarear os pensamentos. – Deixa para lá. Passe-me o número de telefone da sua obstetra. Eu mesmo conversarei com ela. Já está tomando algum suplemento? Fez quais exames? É óbvio que não está se alimentando bem.
            - Nenhum. Eu...não...não fui na médica. – Ela reconheceu prevendo uma tempestade e logo vendo-a se formar nos olhos de Miguel. – Não me olhe assim! Eu tive de lidar com a morte de Will, o sequestro de Bia, as investigações e um divórcio. Não tive tempo!
            - Não teve tempo...ótimo...perfeito Elizabeth. – Ela teria preferido a raiva dele. Conseguiu apenas ver decepção e mágoa. – Você realmente não entendeu ainda o que é ser mãe.

            Miguel foi embora tão intempestivamente quanto chegou. Não se despediu, apenas afirmou que se ficasse ali faria uma besteira e avisou que ela teria notícias dele. Lá no fundo Miguel não se sentia no direito de cobrar cuidados de Liz para com o bebê porque ele fez algo muito parecido com a criança esperada por Alejandra. Também a desprezou. A diferença estava no fato que a saúde do bebê de Alejandra não dependia dele. E a palidez de Elizabeth o avisava que ela não estava em seu melhor estado de saúde. Um alerta se acendia em sua mente a cada vez que se lembrava do histórico médico de Elizabeth.
            Pouco depois de entrar em seu carro Miguel já fazia ajustes mentais em sua agenda. Não seria fácil cuidar de duas grávidas ao mesmo tempo. E se ele teria de encontrar tempo para isso, certamente Elizabeth encontraria para ir ao médico. Antes de chegar ao seu destino a primeira consulta de pré-natal de Liz estava marcada e ela sendo informada por mensagem no celular. Era bom que Elizabeth não ousasse reclamar ou faltar. Ou ele mesmo a buscaria na polícia federal.
            Elizabeth sentiu o sangue ferver ao receber a mensagem de Miguel. Ele ordenava que ela fosse a um médico que ela não conhecia, em dia e hora escolhidos por ele. E, na mais difícil das conclusões, ela teve de reconhecer que ele tinha razão em agir assim. Miguel errou como marido com ela. Mas enquanto tentava ser uma boa irmã e policial competente, ela havia falhado terrivelmente como mãe. Por isso respondeu a mensagem dele confirmando sua ida à consulta. Lá no fundo se seu coração, Liz sentia um alívio. Pensava que, talvez, aquele segredo estivesse lhe fazendo mal.

            - Elizabeth. – Rebeca entrou retornou à sala envergonhada. – Me desculpe. Eu não tinha o direito de lhe causar problemas assim nem gritar com você. É minha superior, lhe devo respeito.
            - Pare por aí com esse papo, Rebeca! Somos amigas...e você tem razão. Eu estava errada. – Liz reconheceu. – Agora Miguel sabe. Talvez tenha sido melhor assim.
            - Como ele reagiu?
            - Sendo o Miguel de sempre e me dando ordens.
            - E você será a Elizabeth de sempre e irá ignorá-las?
            - Não, Beca. Não posso. Porque dessa vez ele está certo. O fato de eu não ter me preparado para a maternidade, não me torna menos responsável por meu filho. Ele merece uma mãe melhor do que eu estou sendo. Miguel marcou uma consulta e eu pretendo ir.
            - Com ele ao lado, provavelmente. Você sabe que isso acabou com qualquer chance de você se afastar de Miguel, não é?
            - Sim, terei de lidar com isso. – E mantê-lo afastado parecia cada dia mais difícil.

            Elizabeth deixou o assunto de lado e voltou ao trabalho. Mas os problemas pessoais pareciam atrapalhar todo o seu dia. Agora era Matt a lhe enviar uma mensagem dizendo que ela deveria ir ao seu apartamento naquela noite porque precisavam conversar. Quando ligou para adiantar o assunto, ele não atendeu. Elizabeth cumpriu suas funções naquele dia, mas o coração seguia palpitando. Quando Rebecca a chamou para almoçar, foi, obrigada pela consciência. Tinha um bebê que precisava de alimento dentro de seu útero. Quando o relógio marcou 18h45min declarou o dia por encerrado. Deixou o restante das atividades para a segunda-feira.
            Quando chegou à casa do amigo de infância, Elizabeth estava ansiosa. Não era só a conversa com ele. Carregava nas costas toda a pressão daquele dia, de vários dias, de semanas de muito estresse. Desde que Beatriz foi sequestrada não teve mais paz, sua vida foi roubada junto da irmã e tudo que se seguiu após isso agora lhe cobrava um preço. Estava arrasada e emocionalmente destruída. A notícia que Matt tinha para lhe dar não melhorou seu estado.

            - Falei com Rafael, conforme te prometi. Ele está decidido a afastar a Eva de você, de mim, de tudo que lembre Beatriz.
            - Por quê? – Elizabeth revoltou-se.




            - Aparentemente porque deseja dar uma nova e melhor vida à filha. Ele diz que tudo de ruim que aconteceu foi culpa sua. E afirma que o estilo de vida de vocês duas, na polícia e no jornalismo, colocou Eva em perigo.
            - Isso é uma asneira completa! Eu, Bia e você cuidamos de Eva enquanto Rafael não fazia mais do que pagar pensão!
            - Eu concordo. Mas ele está irredutível.

            Para surpresa de Matt, Elizabeth reagiu com um desespero nunca visto. Pela primeira vez na vida ela se entregava ao sofrimento e chorava copiosamente. Ela até tentou falar, mas o choro compulsivo fazia com que as palavras saíssem trôpegas, aos pedaços e incompreensíveis. Matheus se assustou. Liz, logo Liz, a mais forte de suas amigas, estava devastada.
            Pelo que conhecia dela, Matt imaginou que o sequestro de Beatriz não era a causa, não a principal, pelo menos. Porque encontrar Bia era uma missão profissional. Liz tinha talento e recursos para isso, a busca policial estava em suas mãos. E a solução do que fazia Elizabeth chorar daquela forma não estava em suas mãos. Matheus então a deixou chorar, desabafar a agonia que tomava conta de seu coração. E apenas quando ela realmente relaxou, ele voltou a falar.

            - Não se envergonhe de chorar, Liz. Chorar faz bem. É um direito seu. Ainda mais com tudo isso que aconteceu. – Ele lhe disse, com toda a calma.
            - Tudo está desabando. Bia, Eva, Miguel, a delegacia. Eu não estou aguentando tudo isso!
            - O que aconteceu?
            - Miguel descobriu que estou grávida. E agora ele vai querer ficar perto de nós, sei que vai. E como posso lhe negar isso?!?! – Ela contou agora já sem chorar.
            - Não pode. E não quer, Liz. Talvez deva parar de lutar contra a aproximação de Miguel. Não vai levar a nada. Esse bebê aí também é de Miguel.
            - Não é tão simples, Matt. Eu não estou tentando afastá-lo para me vingar pela traição. É porque é impossível. Miguel não sabe ser fiel, ser casado, respeitar uma esposa. E ele será pai do filho de Alejandra. Não quero passar minha vida dividindo meu marido com ela. Nem quero imaginar o quanto ela usará essa criança para prendê-lo.
            - Ele também está preso à você.
            - Mas não quero que seja assim. Não vou disputá-lo!
            - Talvez você não tenha escolha, minha amiga. Ele quer participar, permita. Se permita viver isso. Nem de nós tivemos os pais que merecemos. O seu filho tem a chance de ter bons pais, mesmo que separados. Não lhe tire isso.

            Mesmo que por um instante Matt conseguiu arrancar um sorriso de Elizabeth. Ela acariciou o rosto do amigo como costumava fazer durante a adolescência deles.

            - Falou o homem que nasceu para ser pai. – Disse Elizabeth, sem muito pensar se aquilo se adaptava ou não na vida dele.

            Quando ela fez menção de se levantar e ir para casa, Matt negou. Ela passaria a noite ali. No quarto de hóspedes que inicialmente fora ocupado por Paty. Mas agora que ela dividia o quarto com ele, aquele estava disponível e Matt preferia que a amiga dormisse ali.
            Ele instalou-a, conversaram um pouco mais e só depois de ter certeza que Liz dormiria bem, Matt conseguiu voltar para a companhia de Patrícia. Ela preferiu deixá-los a sós para conversarem e não saiu do quarto. Isso, porém, não a impediu de ouvir parte da conversa. Justamente a parte que mais a entristeceria. Não que discordasse de Elizabeth, ao contrário, via o quanto ela estava correta. E por isso mesmo doía. Matt não demorou muito a ver a tristeza da namorada.

            - O que foi? Está com ciúme por Liz dormir aqui? – Ele estranhou vê-la amuada.
            - Não, claro que não. – Respondeu Paty. – Sei muito bem que Liz é sua amiga. Eu ouvi o que ela te disse.
            - Do que está falando? – No fundo, ele já desconfiava.
            - Ela está certa, Matt. Você nasceu para ser pai. Vai ser um grande pai.

            Aquele era um assunto doloroso para Patrícia e Matt sabia. Após um aborto clandestino feito no tempo em que era obrigada a se prostituir, Paty perdeu a possibilidade de gerar um filho. Chegou muito perto de perder a própria vida. Por isso, qualquer aproximação com crianças era difícil. E só a ideia de estar privando-o da paternidade a machucava.

            - Paty...eu não penso hoje tanto quanto pensava há anos em ter filhos. Ou seja, não penso. Não é um plano nem um objetivo na minha vida.
            - Mas um dia pensará. E na minha vida não será um plano jamais, porque não posso tê-los. Isso torna o nosso relacionamento...temporário.
            - Não. Não é temporário não. Você é minha namorada, é muito sério e eu pretendo um dia me casar com você.
            - E estaria disposto a nunca ter filhos? – A pergunta  foi dita olhando em seus olhos.
            - Se isso for necess....
            - Não fale como se não tivesse certeza, Matt. Não existe ‘se’. Eu não posso ter filhos. Isso é um fato do qual nós não podemos fugir. Não fará parte da minha vida. Mas pode fazer parte da sua. Nada te impede de ser pai, um grande pai. Nisso Elizabeth tem toda a razão.



            Antes de lhe dar qualquer resposta Matt a beijou. Patrícia sempre lhe dava a sensação de precisar de amor, de carinho. Ela era uma mulher carente de atenção. Parecia o tempo todo tentar antever a razão pela qual seria abandonada. Para se preparar, endurecer o coração e, talvez, fugir antes da hora.

            - Se eu for ser pai um dia, será com você. – Disse-lhe simplesmente.
            - Mas...
            - Existe muito mais do que biologia e genética envolvido na maternidade e na paternidade, Patrícia. Eu te amo demais pra desistir do meu presente pelo que nós achamos que vamos querer no futuro.
            - Eu te amo também. Muito. Só que te fazer feliz, completamente feliz. – Paty respondeu.
            - Você, faz.

            A noite foi dedicada a um amor muito doce no qual os dois tentavam demonstrar aquilo que sentiam. Não era pouca coisa. Ele estava abrindo mão de algo muito importante. Ela disposta a deixar seus temos de lado para fazê-lo feliz.

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