sábado, 10 de outubro de 2015

Alguém Para Amar - Capítulo 27


         Nas semanas que se seguiram Lorenzo se manteve atento. As duas mulheres que ocupavam cada minuto dos seus dias mereceram ainda mais atenção. Clara não hesitava em lhe dizer o que queria no seu aniversário e ele era mais rápido ainda em comprar o que ela queria. Era a primeira festa de aniversário que ele podia dar à sua filha e ela teria tudo o que sonhou nesses cinco anos.
            Já a mãe dela, além de lhe recomendar que evitasse compras e mimos exagerados, lhe olhava feio em cada vez que percebia o quão facilmente ele descartava cada uma das suas recomendações. Lorenzo percebia o quanto Jéssica estava nervosa nos últimos tempos. Às vezes não parecia ela mesma. E Lorenzo desconfiava do motivo. Seu estado de nervos começou quando foi rejeitada por seus pais. Ela tinha esperança de ser aceita após o pai ver que estava empregada e amparada por um companheiro. Não foi assim. E isso a deixou muito infeliz. Lorenzo passava horas observando-a e percebia que lhe faltava um sorriso sem motivo, aquele riso tranquilo de menina que ela comumente expressava.
            Além disso, a cada dia mais ele desconfiava que Jéssica pudesse estar grávida. Ficava atento, tentando perceber qualquer sintoma, qualquer enjoo ou mal estar ou mudanças em seu corpo. Até já havia lhe questionado delicadamente dessa possibilidade, mas a noiva negou a possibilidade com tamanha certeza que ele não ousou insistir. A dúvida, porém, seguia com ele. Algo lhe dizia que Jéssica esperava seu filho.
            Depois de muito avaliar se devia ou não insistir numa aproximação, Lorenzo resolveu agir escondido de Jéssica. Se desse errado, ela jamais ficaria sabendo do que fez. Quinze dias antes do sábado marcado para comemorarem o aniversário de Clara numa casa de festas, Laura e Henrique receberam um convite em sua casa. Se quisessem, seriam bem vindos para cantar parabéns à neta que nem conheciam.



            Laura recebeu o convite na manhã de uma sexta-feira. A festa ocorreria no sábado da semana seguinte. Sua primeira reação foi de esconder ou jogar fora para Henrique não ver, não lhe causar mais aquele sofrimento. Isso foi o que fez nos últimos cinco anos. Excluiu da casa e da vida deles qualquer referência a Jéssica para que Henrique não tivesse que lembrar-se da filha que lhes abandonou. Hoje, porém, perguntava-se quem abandonou e quem fora abandonado naquela família. Jéssica os tinha deixado. Como mãe jamais aceitou ou entendeu o fato da filha ter preferido abandonar os pais que lhe davam uma vida de conforto e oportunidades para seguir um rapaz que nada tinha a oferecer a não ser um futuro criminoso.
            Quando Jéssica disse que esperava um filho daquele jovem o sentimento que ela e o marido tiveram foi de decepção. Não lhe estenderam a mão. Não pediram que ficasse. Não se ofereçam para apoiá-la com o bebê. Henrique abriu a porta e deixou-a sair. Depois chorou como se tivesse acabado de enterrar uma filha morta. Ela tinha feito sua escolha.

            - Jogue fora tudo que era dela. Não quero ver nada dela aqui quando voltar. – Foi a única referência à filha depois disso.

            Hoje Laura se arrependia de ter seguido aquele pedido tão à risca. O fez achando que minimizava o sofrimento. Errou. Deveria ter forçado Henrique a aceitar a realidade. Jéssica estava viva, precisando deles. Tinham uma neta que merecia ser amada. Quem perdeu por esses erros todos foram eles. Mas isso ia mudar. E naquela noite, depois do jantar, além da sobremesa Laura entregou ao Coronel Henrique o convite da festa de aniversário de Clara. As informações de local e hora vinham impressas sobre a foto de uma menina muito parecida com Jéssica naquela idade, com longos cabelos loiros e olhos brilhantes. Henrique engoliu em seco quando entendeu do que se tratava. Parecia ver a filha.

            - Porque está me entregando isso? Jogue fora. É mais uma provocação dela. – Ele fechou os olhos. Não queria ver.
            - Estou te entregando para você saber onde estarei no sábado que vem. Eu vou à festa. – Ela foi tão objetiva quanto o coronel costumava ser. Estava decidido.
            - Do que você está falando? Ela...foi embora. Ela não faz mais parte da nossa vida. Ela está morta.
            - Não! Jéssica! Diga o nome da sua filha ao menos!
            - Eu não tenho filha. Ela está morta!
            - Não diga isso! É você quem a está matando nas nossas vidas. Mas Jéssica está viva e nos deu uma neta. Eu quero conhecê-la! Vou a essa festa e se você não quiser me acompanhar que fique aqui sozinho!


            Foi o que Henrique fez. Ficou sozinho em Curituba enquanto sua mulher seguiu para São Paulo. Não soube o que comprar de presente. Então levou algo que agrada qualquer menina de cinco anos, uma boneca. Mas o presente não lhe importava muito, queria conhecer a neta, dar-lhe um primeiro abraço, sentir o perfume infantil de seus cabelos e receber um pouco de seu carinho. Também precisava falar com Jéssica. Fazer um curativo na ferida aberta há tantos anos. Nunca teriam de volta a relação de mãe e filha, mas podiam deixar de ser estranhas.
            Jéssica estava ao lado de Lorenzo quando Laura entrou no salão já repleto de crianças eufóricas e pais sorridentes. Ela viu a mãe entrar e não soube o que fazer ou em qual direção andar. Lorenzo percebeu um aperto frio em sua mão e virou-se na direção dos olhos de Jéssica.

            - Clara! – Ele chamou a filha que brincava junto de alguns amigos da escola. – Vem com o papai e a mamãe. Precisamos receber aquela senhora que chegou.
            - Quem é ela, papai?
            - A mamãe vai te contar. – Lorenzo olhou para Jéssica. Isso era ela quem devia fazer. - Eu enviei um convite para os seus pais.
            - E ela veio sozinha. – A tristeza pelo pai continuava ali. - É a vovó Laura, Clara. Ela veio te conhecer.
            - Mais uma vovó? Eu já tenho a vovó Giovanna e a bisa Ângela. – Clara respondeu estranhando.
            - Essa é a vovó Laura. Ela é mãe da mamãe. – Jéssica esclareceu enquanto já caminhavam na direção de Laura.
           


            Quando lá chegaram Jéssica não soube o que fazer nem o que falar. Não havia uma relação como salvar. Tinham de começar do zero. Lorenzo não quis se envolver. Eram mãe e filha. Precisavam encontrar os próprios caminhos. Clara foi bem menos pacienciosa. Se aquela senhora era mamãe da sua mãe, porque elas estavam tão afastadas? Era estranho. E porque a mamãe não falava nada nem soltava a mão do papai? Porque ela não abraçava a vovó Laura? Porque nenhuma das duas sorria? Clara não gostou nada de tudo aquilo.

            - Oi! Eu sou a Clara. – Apresentou-se. A vovó não sorria nem a abraçava como vovó Ângela, mas, se era sua avó e veio lhe ver, deveria ser legal também. – Porque eu não conhecia você ainda?
            - Oi Clara. Eu já deveria ter vindo te conhecer. Não sabe como eu me arrependo de não ter vindo antes. Você se parece tanto com a sua mãe.
            - Porque você tá chorando? Chora não vovó.
            - É de felicidade em te conhecer. – Não era verdade. O choro era o resultado do arrependimento. Mas Clara não entenderia. Então ela entregou a boneca para a neta e quando perdeu sua atenção voltou-se à filha. – Obrigada pelo convite.
            - Foi Lorenzo quem enviou. Eu não sabia. Fico feliz em saber que está aqui. E papai?
            - Ele precisa de tempo, Jéssica. Henrique...sofreu muito. Foi um período difícil.
            - Não foi só para ele, mamãe. Não pense que esses anos foram fáceis. – Jéssica começava a se emocionar. – Nunca pensaram que ela podia estar precisando dos avós?
            - Não sabíamos onde você estava.
            - E nem procuraram.
            - Jéssica, por favor...aqui não. – Lorenzo disse lhe acariciando os cabelos. – Clara está feliz em ter outra avó. É o que conta.
            - Sim...seja bem-vinda mamãe.

            Lorenzo trocou algumas palavras com a sogra enquanto Jéssica se recompunha e secava as lágrimas. Ele garantiu que no outro dia pela manhã, antes de Laura voltar para Curitiba, elas teriam a oportunidade de conversar.

            - Enterrar de vez essa fase, eu espero. – Disse à sogra.

            Ele deixou-a aos cuidados de Giovanna. Apesar da diferença de idade dos filhos, Giovanna e Laura tinha quase a mesma idade e várias coisas em comum. As duas conversaram sem entrar em detalhes das razões de só agora terem se conhecido. Atualmente Giovanna conhecia muito mais Jéssica do que Laura, mas isso não as impediu de falar dos filhos e, principalmente, dos planos ao enlace que se aproximava. O casamento seria em breve e elas concordavam em como seus filhos formavam um belo casal. E se ainda não bastasse, Clara lhes forneceu muitos assuntos para conversarem. A neta, porém, dava pouca atenção a elas. Corria de todos os lados em seu vestido e penteado inspirado em Elsa. A festa organizada por seu pai foi ainda mais linda do que ela esperava.




            Seus brinquedos e bolo estavam lá, exatamente como ela pediu. Também havia muitos personagens do filme, balões e docinhos. E, o melhor, todos os amiguinhos da escolinha para correr junto dela, cantar parabéns e participar das brincadeiras sugeridas pelos animadores. Os adultos estavam tranquilos de que os filhos estavam bem cuidados e se cansariam tanto que adormeceriam assim que chegassem em casa.

            - Papai! Papai! Papaeeeee! – Clara atravessou o salão com um amiguinho para chamar Lorenzo que conversava com Jonas. Os sapatos tinham ficado para trás em algum lugar da festa.
            - O que foi Clara?
            - Esse é o Vinícius. Meu melhor amigo. – Ela queria apresentar o amiguinho. – Vem Vinícius! Vamos na piscina de bolinhas!

            Jonas e Emily observaram a cena como um aviso do futuro. Vida daqui a poucos anos também estaria lhe apresentando amiguinhos. Por enquanto Emily estava satisfeita em lhe trocar as fraldas e dar mamadeira.

            - Fique feliz enquanto ela apresenta amiguinhos, Lorenzo. Quero ver quando Clara te chamar pro namorado dizer ‘oi tio, a gente volta depois da meia noite’.  – Jonas provocou o irmão.
            - Sim, ela fará isso. Provavelmente junto de Vida, que também estará acompanhada do namorado. – Lorenzo respondeu.
            - Não, não, não. Nada disso. Vou ensinar Bernardo a cuidar da irmã. – Tudo não passava de uma brincadeira. Jonas sabia que não poderia esconder os filhos do mundo. Mas desejava protegê-los.



            O que podia fazer naquele momento era zelar por Emily e auxiliá-la a ultrapassar a fase mais difícil de suas vidas. Hoje eles viviam divididos entre a alegre expectativa da chegada de Bernardo e o pânico de não conseguirem superar as complicações da gravidez. Emily estava entrando no oitavo mês de mês de gestação e não era segredo para ninguém que, caso obedecesse as recomendações médicas, a cesariana já teria ocorrido. Na última consulta, realizada quatro dias antes, ela concordou em marcar a data. Mais uma semana. Esse foi o tempo que Emily pediu para manter Bernardo junto de si. E depois de alguma insistência, ela concordou em já fazer a histerectomia logo depois de Bernardo nascer.

            - É melhor, Emily. Mais seguro. Se não teremos de abri-la depois, será uma nova anestesia, outro pós-operatório. Assim é o indicado.
            - Mas eu não poderei cuidar de meu bebê estando operada. Nem aleitá-lo. Estou com o peito cheio de leite. É minha única chance de amamentar.
            - Eu sinto, Emily. – Dessa vez a médica não lhe deu alternativa. – Mas tenho certeza que assim como Vida, Bernardo se sentirá satisfeito em ganhar uma mamadeira feita com todo o carinho. Ele está saudável, Emily. Você não.
            - Está bem. Se não há alternativa. – Emily enfim concordou. – Quanto tempo ficarei hospitalizada?
            - Se tudo correr bem, cinco ou seis dias. Podemos organizar de forma que Bernardo fique também, mas, o ambiente hospitalar não é o ideal a um recém nascido.
            - É muito tempo. – Emily já tinha lido sobre o assunto e estava preparada. Ainda assim doía em seu peito e fazia sentir medo. – Mas eu prefiro que ele fique seguro em casa com Vida e Jonas.

            Jonas quase riu da sugestão absurda. Ele também passaria cinco ou seis dias no hospital. A única diferença é que ela estaria recebendo medicações que a fariam adormecer enquanto ele passaria todos aqueles dias em claro. Jonas não respondeu e nos dias que seguiram a consulta médica, pesquisou em sites e trocou mensagens com Leonor a respeito da histerectomia. Agora que ela se tornou algo do qual não poderiam fugir, ele foi obrigado a encarar as consequências. A médica lhe explicou que Emily passaria pela chamada histerectomia completa, já que além do útero seriam retiradas trompas e ovários. Isso porque todos esses órgãos também foram afetados pela endometriose. A retirada dos órgãos também alteraria a produção de hormônios e, sem eles, Emily não mais menstruaria e não sofreria com as dores às quais estava habituada.
            Essa era a parte positiva. Havia, porém, muitos riscos e fatores negativos na mudança hormonal. Emily sabia de tudo isso e Leonor preferiu conversar com Jonas em particular e esclarecer o tema. Seriam seis semanas de recuperação em casa, com o complicador de no caso deles haver dois bebês para cuidar. Emily precisava estar pronta fisicamente para a cirurgia. De Jonas o preparo exigido era psicológico.



            - Eu li que é uma cirurgia muito arriscada. Pode afetar a bexiga. – Ele estava muito preocupado.
          - Sim, é alto o risco. Mas é necessário. – Leonor tinha feito a cirurgia muitas vezes e estava segura. – Fique tranquilo. Farei o melhor por Emily.
            - Foi para isso que me chamou aqui? Para me tranquilizar?
         - Não, Jonas. Chamei porque sei que você deve ter lido na internet diversas coisas sobre efeitos colaterais da histerectomia. E deve estar cheio de receios. Quero tirar as suas dúvidas. Você deve estar se perguntando se Emily sofrerá distúrbios no desejo sexual, na memória, dores nas articulações ou de cabeça, elevações de pressão ou ganho de peso. Estou certa?
            - Bem...sim,não posso negar. Não o peso ou o sexo, eu posso lidar com isso. Mas não entendo porque faremos algo tão sério e arriscado se corremos o risco dela sofrer como antes. Li sobre casos de depressão. Não quero que ela sinta essas dores ou fique com nenhuma sequela.



            - Calma Jonas, vamos por partes. A cirurgia é arriscada sim. Porque estamos tirando um órgão. Ele não é vital e está doente, mas ainda assim ele faz parte do corpo. Tem suas funções e a falta dele interfere na produção dos hormônios. Isso pode gerar em algumas mulheres efeitos colaterais diferentes. Algumas sentem dor de cabeça, outras ganham peso, há quem apresente elevação na pressão. Cada caso é um caso e para tudo isso há tratamento. Nenhuma dessas dores ou complicações chega perto do sofrimento que Emily sente no período menstrual. Acredite no que digo.
            - Eu confio em você Leonor. Ou não estaria entregando nas suas mãos minha mulher e meu filho. – Mas a preocupação ali permanecia. – E o risco de depressão?
            - A depressão acomete muitas mulheres que passam por esse procedimento. Elas relatam um sentimento de vazio profundo, de que lhes falta algo. Emily terá os bebês e terá você para superar isso. O seu cuidado e carinho serão muito importantes. Eu não acredito que Emily vá desenvolver um quadro de depressão.
            - Ótimo. Eu vou fazer tudo o que eu puder. Estarei com ela o tempo todo.
            - Sim, mas precisará de ajuda. Feminina, principalmente. Certos cuidados íntimos Emily vai preferir ter pelas mãos de outra pessoa. Marta vai ajudar, certamente. Talvez sua mãe ou irmã também. E não se esqueça que você terá Vida e um recém nascido com quem lidar. Talvez você deva pensar em contratar uma enfermeira, se Emily concordar.
            - Difícil. Emily gosta de fazer tudo sozinha.
            - Mas não poderá, em hipótese alguma. Emily irá para casa, mas ficará na cama pelas primeiras três semanas. Só depois caminhará pela casa.
            -Está bem. Eu vou providenciar ajuda. Da família ou profissional.
            - Ótimo. – Ele estava tímido para tratar de outros assuntos. Então ela puxou a conversa. – Você não deseja me perguntar mais nada? Sobre sexo?
            - É a última das minhas preocupações, Leonor.
            - Sim. Mas vocês são muito jovens ainda e é natural que você se preocupe em ter uma vida sexual normal e ativa com sua esposa. Não há vergonha nisso. Fique tranquilo. Durante essas seis semanas é natural que ela não tenha desejo. E bom porque relações sexuais não são aconselháveis. Depois, caso ela ainda apresente alguma mudança na libido, há atualmente medicações para regularizarem.

            Naquela tarde Jonas voltou para casa em paz e cheio de planos. Com sua voz calma e suave Leonor conseguiu lhe transmitir tranquilidade. Conversou com Emily e, como ele já imaginava, ela não queria enfermeira ou babá. Mas aceitou que Marta e Giovanna lhe ajudassem. Ela sabia que não teria condições de cuidar de si mesma e dos filhos. E teve de reconhecer isso e aceitar ajuda.

            - Não quero sobrecarregar você, Jonas. – Ela lhe disse.
            - Cuidar de vocês não me sobrecarrega, Emily. Só se preocupe em ficar bem, só isso.

            Tê-la bem e saudável era a única peça que faltava para Jonas se considerar totalmente feliz. Mas era uma peça fundamental. Sem Emily todo o resto era falho e incompleto. E apenas a ideia de perdê-la, mesmo que lhe deixa-se Bernardo, era insuportável.

            - Tio Jonas, tio Jonas! – Foi Clara a tirar Jonas dos pensamentos preocupados que tomavam sua atenção nos últimos dias. – Tio Jonas!
            - Fale Clara. O que essa linda princesa que completa cinco anos hoje quer me dizer?
            - Quero que você vá pegar bolo pra tia Emily.
            - Mas a tia Emily já comeu seu bolo, pequena.
            - Não. Aquela fatia era do Bê. Agora é para a tia Emily. Pega tio Jonas! Ela está com vontade!

            Todos riram e seguiram na festa por mais algum tempo. Depois chegou a hora de irem para casa. Alguns familiares ficaram no apartamento de Jonas e Emily. Outros foram para um hotel já que o lar de Jéssica e Lorenzo tinha um quarto de hóspedes, atualmente ocupado por Clara. No dia seguinte fariam um almoço em família no parque, um churrasco típico gaúcho, porém, assado em São Paulo. Lorenzo organizou para que Laura ficasse no mesmo hotel que seus pais e fosse ao almoço. Assim Clara e a mãe poderiam conversar mais. Lorenzo esperava que isso acalmasse Jéssica. Ela estava uma pilha de nervos.
            Quando chegaram ao apartamento Clara ainda estava muito agitada e falando sem parar. Contava as lembranças que acabara de formar e já sonhava com outras brincadeiras e presentes. Obrigou Lorenzo a encher o porta malas do carro e fazer várias viagens da garagem ao apartamento para poder abrir cada um de seus presentes. E todo aquele exagero fez sua mãe se irritar.

            - Chega Clara! Você abusou da boa vontade do seu pai. Eu mandei você não ficar lhe enchendo de pedidos e você desobedeceu.
            - Mas é o meu aniversário, mamãe!
            - Não importa. Foi demais! – Ela gritou e logo depois se arrependeu. – Vá tomar seu banho Clara.

            Lorenzo estava voltando com a última remessa de presentes e ouviu a discussão entre mãe e filha. Aquilo já estava passando do limite. Clara não tinha culpa do estresse vivido por Jéssica e, ele desconfiava, a festa e os exageros, não eram a real causa da explosão de Jéssica.

            - Não faz isso. – Ele lhe disse. – Não descarrega na sua filha o problema que tem com seus pais. Ela não merece. E você se arrependerá depois.
            - Eu sei...me descontrolei. Desculpe. Eu vou falar com ela.
            - Não. Vá para o seu banho e relaxe. Eu vou cuidar da Clara.
           
            Lorenzo foi dar banho em Clara e viu que ela estava sim chateada. Não pelo grito da mãe, mas por tê-la visto triste, chorando, pouco antes.

            - Não fique triste, Clara. A mamãe está nervosa. Só isso. – Ele disse enquanto lhe esfregava os cabelos.
            - Eu não vou pedir mais nenhum presente pra mamãe não ficar triste. Nenhum. Eu prometo, papai. Nenhum presente.
            - Não é por isso que a mamãe está brava, meu amor. É outra coisa, um problema de adulto. Você pode pedir todos os presentes que quiser, se o papai e a mamãe puderem, eles lhe darão.
            - E isso não vai fazer a mamãe chorar nem gritar?
            - Não, não vai. Fique tranquila. – Lorenzo lhe garantiu.
            - Então tá bom. – Logo a pequena esqueceu o que aconteceu e voltou para o seu mundo se sonhos e muitos presentes. Lorenzo deixou-lhe escolher um presente para ficar com ela na cama. E abraçada a ele Clara dormiu.

            Aquela foi uma noite difícil para Jéssica. Ficou feliz em ver a mãe, em tê-la junto de Clara, finalmente. Porém, aqui intensificou o desprezo de seu pai. Laura nunca ia sozinha a lugar nenhum. E veio a São Paulo porque Henrique não quis vê-las. Não se interessava por elas. Cansado, Lorenzo dormiu. Jéssica teve um sono leve, entrecortado por pensamentos ruins. Por mais linda e feliz tenha sido o aniversário, a falta do pai lhe doía muito.
            Ela acordou indisposta e correu para o banheiro. Era muito cedo e não fosse o enjôo teria dormido muito mais. Porém, foi impossível segurar algo no estômago. E a situação não melhorou quando percebeu que Lorenzo estava às suas costas. Ela agradeceu o fato dele não lhe dizer nada, apenas a ajudar a se erguer quando sua respiração se normalizou. Jéssica lavou o rosto e voltou para a cama. Só então Lorenzo disse o que ela precisava ouvir.

            - Está na hora de procurarmos um médico. – Ele lhe sussurrou. – Ele pode nos confirmar o que está acontecendo com você.
            - Eu não estou grávida. Sei que não estou. Só comi algo que não me fez bem. – Ela respondeu.
            -Está bem. O médico nos dirá isso então. - Ele duvidava, mas não quis contrariá-la. Lorenzo viu uma lágrima escorrer por seus olhos. – Não chore. Se, por acaso, você estiver grávida, apenas adiantaremos um pouco os nossos planos.



            - Não é tão grave, meu amor. – Ele continuou.
            - É sim. – Ela respondeu mesmo ainda sem acreditar nessa possibilidade.
            - Por quê? Não será como quando você esperava Clara. Eu estarei aqui o tempo todo. Não vai te faltar nada. Nem financeiramente ou emocionalmente. Nada. Eu juro!
            - Eu sei Lorenzo. Não é isso.
            - Então o que é?  - Ele só queria entender qual o problema para pode resolver.
            - Vão dizer que você só está se casando comigo porque eu estou grávida. – Ela lhe disse. – Mas eu não estou. Tenho certeza que não estou, Lorenzo!
            - E que diferença faz o que alguém dirá ou não do nosso casamento, meu amor? Estou casando porque te amo. E se, por acaso, você estiver grávida no momento em que subirmos ao altar eu considerarei uma dádiva de Deus. Um presente de casamento seu pra mim. A opinião dos outros não me importa.
            - Mas a dos meus pais importa a mim. – Jéssica disse e enfim Lorenzo entendeu. – Eu quero que eles me perdoem. Eu quero. E por mais que você diga que não fiz nada de errado para ser perdoada, sei que eles não me aceitam.

            Mais uma vez a juventude e a inocência de Jéssica surpreendiam Lorenzo. Ela não queria atropelar as fazes. Eles namoraram, estavam noivos, iriam casar e só então ela pretenderia engravidar. Esse era o seu sonho, o seu plano. Mas os anos o ensinaram que planos eram ótimos, porém, não podiam amordaçar as pessoas ou os seus sentimentos. Se o bebê viesse antes do casamento, que mal haveria? Nenhum. E Jéssica precisava entender que seus pais tinham muitas dívidas com ela para poder exigir qualquer coisa.

            - Você vai ver a sua mãe hoje, não vai? – Lorenzo continuou em tom baixo.
            - Vou. Marquei no hotel às 10hs.
            - Ótimo. Então não pense nessa possível gravidez por enquanto. Converse com sua mãe. Conte a ela que estamos apenas esperando a situação da gravidez de Emily se resolver para nos casarmos e lhe diga que Henrique será sempre bem-vindo em nossa casa. Nós vamos casar Jéssica, vamos ter nosso filho quando ele quiser vir ao mundo e se alguém não for capaz de aceitar isso o problema não será nosso.



            - Eu te amo muito. Ainda mais quando você atura meu choro. – Ela disse sorrindo.

            O celular de Lorenzo começou a tocar e ele foi obrigado a se afastar um pouquinho de Jéssica. Ouviu atentamente quem estava do outro lado da linha e Jéssica viu quando a expressão do noivo ficou mais séria. Antes de desligar ele garantiu que estavam a caminho.

            - O que aconteceu? – Várias coisas passaram pela cabeça de Jéssica.
            - O destino pregando suas peças, amor. Emily quis tanto alongar a gravidez que esqueceu de verificar se esse também era o desejo de Bernardo. Ele quer vir ao mundo. Jonas está desesperado.

            Desesperado era pouco. Assim que Emily sentiu contrações Jonas entrou em pânico. Ele agradeceu o fato de seus pais estarem no apartamento e chamou a mãe para ficar junto de Emily enquanto ele ligava para a médica, se trocava e arrumava Vida.

            - Ela está com dores. Estou levando-a para a clínica. – Disse à Leonor.
            - Está bem. Fique tranquilo. As dores fazem parte do parto.
            - Impossível Leonor. Vá rápido, por favor.

            Foi o pai de Jonas a dirigir em direção a maternidade, Jonas não tinha condições. Vida nem reclamou de ser acordada de seu sono infantil e foi quietinha em sua cadeirinha. Giovanna acompanhou o marido no banco do carona e Jonas, no banco de trás, fazia carinho na face de Emily que suportava as contrações. As mãos dele tremiam ao acariciar a esposa.

            - Vai ficar tudo bem. É só o Bernardo ansioso para nos conhecer, só isso. – Foi Emily a dizer.
            - Vai sim. Eu sei que vai. – Mas lá no fundo ele não tinha essa certeza ou tranquilidade. A sensação de ter sua vida decidida pelos outros, de nada poder fazer, era dolorosa demais.

            Logo Emily estava sendo atendida pela equipe médica chefiada por Leonor e quando Jonas foi expulso da sala de exame, a família toda reunida na sala de espera soube que aquele parto nada tinha de comum. Mesmo com os vários sofás de couro branco espalhados pelo lugar, Jonas escorregou pela parede até encontrar o chão. Com as mãos cobriu o rosto numa tentativa falha de impedir que suas lágrimas fossem vistas por todos. Seus ombros tremiam.

            - Meu filho! – Giovanna não aguentou vê-lo assim.
            - Não pode dar errado mãe. Não pode.

            - Tudo correrá bem. Vamos rezar. Nossa Senhora do Bom Parto há de dar uma boa hora para Emily e Bernardo. 

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