domingo, 4 de outubro de 2015

Alguém Para Amar - Capítulo 26


           Mesmo com o termômetro indicando uma temperatura muito agradável, Emily se abanava no banco do carona do carro. Ela não sabia o que a irritava mais. Se era o fato de passar o dia todo com calor ou ser obrigada a não dirigir. Jonas e Leonor tinham lhe obrigado a prometer ficar longe da direção. E, não satisfeito, Jonas escondeu suas chaves. Ela reclamou, gritou e ameaçou fazer o mesmo com as dele. Mas então seu marido lhe lembrou que se tratava de uma gestante e, repetindo algo que leu em um dos vários livros de maternidade que enchiam sua mesa de cabeceira, disse que dirigir era arriscado. Emily não teve forças para argumentar em contrário. O que não a impedia de lembrá-lo seguidamente que se tratava de uma ótima motorista, principalmente quando ele cometia algum erro na direção.

            - Eu estaciono muito mais rente a calçada. – Disse-lhe em tom de piada quando ele parou na frente do restaurante.
            - Me provoque mais um pouquinho e eu travo as portas e lhe levo de volta para casa. Leonor pediu que você não mais trabalhasse.



            Seu estado de saúde e o quanto de repouso seria necessário tornou-se uma intensa discussão após ela entrar no sétimo mês de gravidez. Desde o início, se fosse apenas o desejo de Jonas a tomar essa decisão, ela teria abandonado o trabalho e dedicado-se apenas a Vida, tratamentos de saúde e cuidados de beleza. Mas essa mulher sem responsabilidades não se chamava Emily Fruett Vicentin. E por mais que Jonas argumenta-se, Emily não abriu mão de sua profissão.
            Porém, nada era mais importante do que sua família e seus filhos. E quando a barriga tornou-se pesada, as tonturas frequentes e as dores insuportáveis, Emily foi obrigada a ouvir os conselhos de Leonor e pisar definitivamente no freio. Estava a cada dia mais difícil. E ela entrava apenas no sétimo mês. Lá no início, durando os primeiros exames, Leonor lhes afirmou que o objetivo seria alongar a gestação o máximo possível, mas que, devido aos avanços da doença em seus órgãos reprodutores, seria muito improvável segurar o bebê no ventre durante os nove meses. Até o oitavo já seria uma grande vitória. À época, animada e sentindo-se bem, Emily duvidou da médica. Agora entendia o que ela falava e, por conta própria, decidiu anunciar no restaurante que estava se licenciando.
            E aquela decisão confirmou a Jonas o quanto Emily estava sofrendo. Agora ela vinha apenas ocasionalmente, fazia uma breve vistoria, almoçava e ia embora. Nesses momentos Jonas a acompanhava, empurrando Vida, contende em seu carrinho. Emily não sabia, mas o carrinho era estratégico de Jonas. Ele temia que a esposa precisasse ser amparada e ele estivesse com as mãos ocupadas. O medo por Emily era algo que não mais o deixava, nem por um instante. E quanto mais Emily se abanava num dia de agradáveis 24 graus de meados de abril, mais Jonas se via apavorado. Emily estava inchada e esforçado-se demais para dar alguns passos em velocidade assustadoramente lenta. Da sua boca não saía nenhum suspiro ou reclamação.


            - Quer que te acompanhe até a cozinha? – Jonas perguntou.
            - Não precisa. Eu consigo sozinha.

            Com um olhar Jonas pediu a Márcio que ficasse atento em Emily e não permitisse que algo lhe acontecesse. Agora não mais podia lhe criticar por forçar o corpo além do permitido. Ao contrário. Jamais imaginou Emily sentada no sofá da sala enquanto ele ia para a construtora. Mas isso vinha ocorrendo. E não raras eram as noites nas quais ao chegar ela estava adormecida e não havia nenhuma panela fumegante no fogão. Nessas ocasiões ela costumava lhe dizer que não preparou nada por vontade de jantarem comida japonesa ou pizza. Mas a realidade conhecida por ele é que a dor e o peso da barriga a impediram de cozinhar. Mas isso era algo que Emily jamais reconheceria e ele não desejava lhe confrontar. Apenas fazia o pedido do jantar, dava banho e alimentava a filha para logo depois cuidar da esposa e do pequeno Bernardo. Não foram poucas as noites em que após vê-la repousar, Jonas passou a noite em claro, preocupado com Emily.



            Por orientação de Leonor, Emily fazia exercícios na água quase diariamente e esses a ajudavam a reduzir a retenção de líquido, além de alongar e fazê-la sofrer menos com as dores na coluna. Bernardo não tinha peso além do normal, ao contrário, poderia ser maior se o útero de Emily não fosse um órgão doente e lhe fornecesse espaço para crescer mais. Porém, Emily apresentava excesso de peso, o que era grave em seu estado. E isso forçou Leonor a colocá-la em dieta restritiva nesses últimos meses de gravidez. Tudo bem aceito por Emily como um obstáculo, apenas um sacrifício a mais, superável para ter seu filho. O que ela não aceitava era ser obrigada a dar a luz antes da hora. Quando Leonor tentou marcar a cesariana para o oitavo mês, seguida pelo procedimento de histerectomia, a resposta foi um não categórico, marcado por um aviso da médica.

            - Melhor fazer as coisas com calma, planejadas, com Bernardo nascendo numa cesariana marcada e indo para a incubadora nos primeiros momentos e você ser operada do que dependermos de uma emergência.
            - Não, Leonor...
            - Emily... – Jonas tentou argumentar.
            - Não! – Mas a esposa foi categórica. – Eu aceito a cesariana. Aceitei até que tirem meu útero! Mas não vão tirar meu bebê de mim antes da hora e também não quero ser operada assim que meu filho nasça. Ele precisará de mim, quero amamentá-lo, quero curtir meu Bernardo enquanto posso. Deixem que curta meu filho enquanto posso. Quando ele quiser nascer, faremos a cesárea.

            Aquele foi um tema tabu entre eles conforme as semanas passaram. Jonas entendia e, como pai, concordava que Bernardo deveria permanecer no útero da mãe quanto mais fosse possível. Porém, como marido, temia o quão caro Emily pagaria por aquele ato de coragem. Mesmo assim não a questionou. Sabia que ela precisava de seu apoio, não de reprimendas. Ela precisava de amor. Quando chegou em casa naquele dia Jonas foi até o quarto e viu sua fonte de felicidade ali, reunida na cama do casal. Vida no bebê conforto observando Emily com olhos atentos, enquanto a mãe alisava o ventre e conversava com Bernardo.



            - Não se preocupe Bê! A mamãe não vai deixar que nos separem. Eu aguento o que tiver que aguentar, mas você ficará aqui quentinho, seguro e feliz enquanto desejar. E quando nascer, talvez a mamãe precise ficar no hospital um pouquinho, mas aí o papai estará aqui e a Vida também, sua irmãzinha. A mamãe caprichou e escolheu o melhor papai do mundo. Vocês sempre o terão por perto, sempre.

            Aquela afirmação teve um gosto amargo para Jonas. Por mais que se esforçasse e deixasse a construtora para acompanhar a esposa em consultas e exames, ainda se sentia fazendo pouco pela família. Ele então tomou uma decisão. E no dia seguinte colocou-a em prática, chamando Juliana e Rafael em sua sala e anunciando uma licença imediata e sem prazo de retorno para a construtora.

            - Na verdade, quero que vocês saibam que eu cogito fortemente vender minha parte na empresa. – Ele disse aos sócios e amigos de faculdade. – Fiquem tranquilos e contem comigo caso precisem em uma emergência, mas, a JRJ não é mais a minha prioridade. Emily e meus filhos precisam de mim.

            Rafael havia ouvido na véspera um longo relato de Melissa sobre a saúde de Emily e não apenas já esperava que Jonas se licenciasse como iria lhe propor um afastamento. Pegou-o de surpresa apenas a proposta de saída definitiva da sociedade. Ele então ofereceu-se para cumprir a agenda de Jonas com clientes e sugeriu que ele não tomasse nenhuma atitude definitiva por enquanto.

            - Cuide de sua família por agora. Depois decidiremos o que fazer no futuro. – Disse Rafael. – Eu tenho que deixá-los. Estou atrasado. Nos falamos depois.



            Quando Rafael saiu da sala, Jonas ficou observando a sócia e esperando que Juliana lhe dissesse algo. Ela apenas devolvia o olhar. Parecia lutar internamente. Queria dizer algo e segurava as palavras na boca. Há tempos os dois já não se tratavam como antigos amigos porque, de alguma forma, sua relação foi afetada por Emily. Chegara a hora de resolver aquilo.

            - Fale, Juliana. Diga o que te perturba tanto no fato de eu estar apaixonado e formando a minha família. Esse papel de ex namoradinha enciumada não combina com a profissional séria e segura que eu vi amadurecer durante anos.
            - Isso não é da minha conta, Jonas. Nós não temos nada e...eu não devo me envolver nos seus problemas de família. – Ela respondeu.
            - Tem razão. Você é apenas minha amiga e sócia, não deve se envolver. Mas eu estou cansado de ver esse olhar de repreensão a cada vez que preciso cancelar um compromisso para ir em casa ver minha família. Chega! Fale o que está engasgado na sua garganta!
            - Está bem. Eu lhe digo! Penso que você está se colocando nas mãos de Emily. Ela está dominando a sua vida. Por um telefonema dela, você sai correndo e larga a construtora! Está abandonando a JRJ, um sonho meu, seu e de Rafael desde a faculdade. E agora ameaça nos deixar. Tudo por uma mulher que de uma hora para outra resolve mudar a sua vida!
            - Essa mulher é a minha esposa e a mãe dos meus filhos.
            - Sim. Porque ela tratou de te amarrar com duas crianças o mais rápido que pôde!
            - Isso não é verdade. Eu quis Vida e Bernardo junto com ela, em cada segundo. E se você não consegue perceber o quanto de amor há envolvido no ato de formar uma família, Juliana, é porque em algum momento da sua vida, você se tornou tão fria quanto o concreto que usamos aqui nessa construtora. E eu sinto muito por você.
            - É isso então? – Ela não deixou a magoa por aquela acusação transparecer. – A JRJ não significa mais nada para você?
            - Significa, é claro que significa. Mas é infinitamente menos que Emily, Vida e Bernardo.

            Juliana deixou a sala do sócio, ex namorado e agora, talvez, ex amigo. Jonas ficou organizando suas coisas e logo discutia com Valquíria como iria ajustar a agenda para não prejudicar nenhum cliente. Sentia-se mais leve. De agora em diante não mais pensaria na construtora até, no mínimo, Bernardo ter nascido e Emily estar recuperada. E se fosse sincero, reconheceria que talvez já não quisesse aquela vida de reuniões, ternos e gravatas. Jonas sorria ao sair da JRJ naquela tarde sem data para voltar.
            O estado de saúde de Emily também havia assustado Jéssica. A assistente de cozinha do restaurante havia visitado Emily na companhia de Clara naquela tarde. E ficado preocupada com a amiga e chefe. A última vez que tinha passado longo período com Emily longe do trabalho fora no batizado de Vida, ocorrido há mais de 30 dias. E se lá no interior do RS Emily já havia assustado a família por sua fragilidade, agora, em sua casa e ainda mais debilitada, seu estado surpreendeu Jéssica. Em especial por ela acabar sempre comparando com a própria gravidez. Só que agora ela percebia o quanto de sorte teve.

            - Emily tem tudo menos saúde. – Ela comentou com Lorenzo enquanto preparava o jantar.



            - Jonas está apoiando-a. Ela está muito bem amparada. – Lorenzo respondeu.
            - Sim, eu sei. Mas é um pouco assustador porque eu, aos sete meses de gravidez trabalhava normalmente. Na verdade bem mais do que já havia trabalhado antes.
           
            Emily havia lhe contado já ter aceito a ideia de sofrer uma histerectomia total logo após dar a luz e encarar isso tranquilamente caso fosse o preço necessário para viver bem ao lado de Jonas e seus filhos. Mesmo assim, ela temia pelo procedimento arriscado e pelo sofrido processo de pós-operatório. Ela estava preparando-se para os meses de reclusão em recuperação, nos quais seu marido seria muito importante. E quando ela lhe contou isso, Jéssica agradeceu ao destino o fato de ter tido força e saúde para deixar o hospital com Clara nos braços e, mesmo na mais intensa pobreza, criá-la com dignidade.

            - Não fique pensando em coisas tristes. – Lorenzo sabia exatamente no que ela pensava. – Você conversou com Emily sobre o nosso casamento?
            - Sim. Apesar de ver claramente que ela não tem condição alguma de se envolver na organização. Se for na fazenda, teremos de esperar o Bernardo nascer e ela se recuperar.
            - Sim. Jonas não viajaria nessas circunstâncias também. E não há clima para casamento na família até termos Emily e Bernardo em segurança. Acho que a senhorita vai conseguir me enrolar por mais alguns meses, mas, que fique claro, isso significará que teremos mais tempo para organizar a festa. Apenas isso.
            - Eu não estou te enrolando, já sou sua. Totalmente sua.

            Lorenzo abraçou e beijou Jéssica calmamente antes de ir ajudá-la a preparar o jantar. Silenciosamente ele agradecia ela ter saúde. Não se imaginava no lugar de Jonas, precisando agarrar-se a esperanças sem nenhuma certeza científica, para sonhar com um futuro em família. Lembrava-se bem daquela dor, daquela apreensão, da agonia que nunca cessava e que no fim se provou interminável quando, enfim, veio a notícia definitiva da morte de Alice. Precisava da certeza da saúde de Jéssica e de Clara para se sentir em paz. Só isso o mantinha bem. O momento de tranquilidade foi interrompido ou talvez complementado pela entrada de Clara na cozinha, feito um furação, dizendo que queria um presente.

            - A boneca que canta. Ela tem vestido de princesa. Eu quero! Me dá mamãe. – Ela falou e Lorenzo e Jéssica ainda puderam ver o final da propagando que passava na televisão. – Me dá. Por favor. Eu quero!
            - No seu aniversário, Clara. Antes não. Você já tem várias bonecas. – Jéssica respondeu. E viu a filha instantaneamente voltar o olhar para o pai. – Não, mocinha. Nem pense em insistir com o seu pai. No mês que vem, no seu aniversário, você ganhará a boneca.

            Clara conhecia bem o tom de voz de sua mãe e aquele não deixava margem à insistência. Não haveria boneca, por enquanto. Ela ficou um pouco triste, mas não discutiu e abriu mão temporariamente da boneca para jantar junto do pai e da mamãe. Ao ser colocada na cama por Lorenzo ela ficou bem mais feliz ao ouvir do papai uma promessa.

            - Papai vai falar com a mamãe pra você ganhar a boneca. Não fique triste. Você é a nossa única filhinha e tem se comportado tão bem que merece o presente.
            - Vou ganhar mesmo, papai? – Seus olhinhos brilhavam de felicidade.
            - Vai sim, não se preocupe.

            Ao voltar para a sala Lorenzo pensou em trazer de volta o assunto da boneca e também o do aniversário de Clara. Mas uma coisa levou a outra e logo depois estavam fazendo a amor e o presente de Clara foi esquecido. No dia seguinte pela manhã também perdeu a oportunidade de conversarem porque Jéssica saiu em disparada para o restaurante que, sem Emily, exigia mais atenção. Assim, coube a Lorenzo levar e buscar Clara na escola. E ele não resistiu aqueles olhinhos pidões e desejosos de uma boneca. No horário de almoço ele foi ao shopping e comprou a boneca. Sabia que aquilo deixaria Jéssica irritada, sabia que poderia estar causando uma briga. Mas nada o desmotivou. O sorriso de Clara valia o sacrifício.
            No fim da tarde, quando foram buscar Jéssica no restaurante, levou poucos minutos até ela perceber a nova integrante no carro. Ela viu a boneca, mas não disse nada. Apenas trocou um olhar com Lorenzo. E se tivesse gritado com ele, talvez Lorenzo tivesse se incomodado menos Lorenzo. Com uma mulher irritada era mais fácil lidar. Quando chegaram em casa o silêncio dela permaneceu. Brincou com a filha, colocou-a no banho e veio fazer o jantar como em tantos dias. Lorenzo relevou, foi para o próprio banho na esperança que Jéssica mudasse de ideia e viesse lhe fazer companhia debaixo do chuveiro. Mas não aconteceu. Eles jantaram com um clima ruim e antes dele se oferecer para fazer Clara dormir, Jéssica assumiu mais essa tarefa.
            Lorenzo estava deitado na cama quando ela chegou ao quarto e pegou uma camisola indo ao banheiro e trancando a porta num firme aviso de que não queria a companhia do noivo no banho. Jéssica estava realmente irritada. Debaixo do chuveiro ela repensou o que tinha acontecido e disse a si mesma que teria dado a boneca para Clara, era algo simples e barato. E a filha merecia. Mas Lorenzo não tinha o direito de tomar essas decisões sem ela saber. Era mãe de Clara. Tinha que ser respeitada, ou a filha sempre recorreria ao pai quando ela lhe negava algo.

            - Você vai ficar fazendo birra até quando, Jéssica? – Lorenzo lhe disse quando ela saiu do banheiro. – Já está chata essa greve de silêncio. Não é muito maduro da sua parte.
            - Já passar por cima do eu disse à minha filha é muito maduro.
            - Ela também é minha filha, Jéssica! Achei que nós já tínhamos definido isso. É uma boneca! Só isso!
            - Eu disse não! E você não podia ter me desautorizado! Será que não entende isso? Lorenzo! Clara não pedia presentes antes, faz isso agora porque sabe que os ganha de você. – Jéssica insistiu.
            - Ela não pedia porque é uma menina maravilhosa e entendia que você não tinha condições para dar, mas vê que hoje vocês vivem melhor e pede o que tem vontade.
            - Mas eu não quero dar a ela coisas que precisam ser bancadas por você. Não quero que nos sustente.
            - Pois eu acho isso uma discussão desnecessária. Logo serei seu marido, Clara é minha filha e eu tenho o direito de lhe dar um presente. – Lorenzo considerava aquilo muito óbvio para causar uma briga.
            - Não quando eu neguei o presente.



            - Está bem! Eu errei em comprar sem você saber. Mas me dê uma razão para privar Clara da alegria de ganhar essa boneca. Não é caro, não é nenhum luxo. É uma boneca. Apenas uma boneca.
            - Ela não tem que ganhar tudo na hora em que deseja.
            - Você mesma conta que teve de tudo na infância. Porque quer negar isso para sua filha?
            - Por isso mesmo! Quando se tem tudo a gente sofre mais ao perder. Você não sabe o que é isso! E eu não quero ver Clara sofrer!

            Aquilo era muito mais profundo do que uma briga boba causada por uma boneca. Jéssica apresentava uma estranha dificuldade em entender que ela e Clara não o perderiam jamais. E se nem um pedido de casamento lhe dava aquela certeza, precisava lhe dizer com todas as palavras que nada tinha a ver com o Coronel Henrique.

            - Jéssica, eu sinto muito se o seu pai não soube acolhe-la quando você mais precisou de proteção. Mas eu não sou como ele. E não vou ficar parado sem fazer nada caso você resolva ir embora. Você é minha mulher, Clara é minha filha. Logo oficializaremos isso. Mas enquanto isso, aceite que não vai ter volta...a menos que você resolva que não me ama. E, mesmo nesse caso, eu faria de tudo para continuar dando carinho para Clara. Eu amo a minha filha.

            Como sempre, aquela simplicidade com que Lorenzo conseguia declarar seu amor desarmava Jéssica. E num minuto ela já nem lembrava o que causou aquela briga.

            - Me desculpe....eu...exagerei. Você é pai dela. Pode comprar o que quiser. – Ela disse-lhe. – Só não a mime demais.
            - Está bem. Mas... – Já que começaram, ele tinha resolvido ir até o final. – Maio está chegando. E eu quero fazer a festa de aniversário de Clara. Ela nunca teve. E eu também não tinha uma filha por quem fazer uma festa então...
            - Então você quer fazer a festa. – Jéssica concluiu. Já vinha se preparando para tudo aquilo. Ela já tinha um casamento para se preocupar. Agora uma festa de aniversário de cinco anos. – Algo simples, Lorenzo. Por favor.
            - Não! Se você quiser casar numa capela, só com um par de testemunhas, ok, eu aceito. Porque é o seu sonho. Mas no aniversário de Clara terá tudo o que ela desejar. E isso, ela já me disse, inclui um bolo bem grande cor de rosa e brinquedos infláveis. E ela terá tudo isso, Jéssica.

            Jéssica sorriu olhando para o noivo. Depois da briga, agora, olhando-o ali, de camiseta e calça jeans despojada defendendo seus direitos de mimar a filha, Jéssica tinha vontade de beijá-lo e agradecer por ser tão maravilhoso.

            - Está bem. Faça a festa, com direito a bolo cor de rosa e brinquedos. Mas tem que ser em São Paulo e não no sul. E sem exageros, Lorenzo.
            - Sim, sim. – Lorenzo respondeu com o humor já muito melhor após a discussão. – Você está nervosa demais nos últimos dias. Tudo bem com você? Se isso for TPM me avise. Lhe trago alguns chocolates.

            Jéssica fez inicialmente uma expressão falsa de ofensa. Estava brincando com ele, até porque nunca sentiu grandes distúrbios no período que antecedia sua menstruação. Porém, algo fez seu sorriso diminuir. Com rápidas contas ela constatou que já deveria ter menstruado naquele mês.

            - Jéssica? O que foi? – Lorenzo percebeu sua mais nova mudança de humor.
            - Nada eu só... – Jéssica se sentou na cama e depois deitou. – Eu percebi que estou atrasada. Minha menstruação não desceu ainda.

            Lorenzo apagou a luz do quarto e também se deitou puxando-a para seus braços. Ela ficou com as costas apoiadas em seu peito enquanto ele unia as próprias mãos por sobre o ventre dela. Não foi medo que tomou o coração dele com aquela informação. Surpresa sim. Talvez até um pouco de ansiedade.

            - Você acha que está grávida?
            - Não! Sem chance! Eu não esqueci nenhum dia de tomar pílula. Impossível. Isso é estresse mesmo. Estou muito nervosa com o planejamento do casamento. Só isso.


            Lorenzo ficou cheirando seus cabelos antes de dormir e pensando que talvez, só talvez, Clara fosse ganhar um irmão ou uma irmã antes do esperado. Silenciosamente ele fez a anotação mental de ficar de olho em Jéssica porque ela era teimosa o suficiente para ignorar o fato de que a vida comumente prega peças em quem passa por ela. Lorenzo dormiu sorrindo. O futuro lhe parecia cada vez mais promissor.

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