domingo, 9 de agosto de 2015

Alguém Para Amar - Cap 18

A alegria de Clara ia muito além de um passeio com o homem que de ‘tio’ passou a ‘papai’ em poucas semanas. Lorenzo não estava ao seu lado apenas em brincadeiras no parque, compras no shopping ou doces após o jantar. Ele a deixava na escolinha logo cedo, chamava sua atenção quando se comportava mal e secava as lágrimas quando caía. Lorenzo era realmente o seu ‘papai’ e ela havia descoberto que ter um pai é muito bom.
            Naquele primeiro passeio sem a presença de Jéssica, Lorenzo e Clara fizeram compras pela manhã, almoçaram e passaram a tarde no parque. Quando enfim buscaram Jéssica no trabalho os dois estavam cansados, sujos e felizes. Por isso Jéssica já esperava. E pelas sacolas de compras também. O que não a impediu de Jéssica reclamar.

            - Não era para você mimá-la. Esse era o acordo. – Ela lhe disse.
            - Culpado. Não tenho nenhum argumento para a minha defesa. A não ser, é claro, o meu imenso e recém descoberto amor por sua filha.
            - Aquela que chama você de ‘papai’ agora.



            - Essa mesmo. – Jéssica nunca tinha visto Lorenzo tão relaxado e brincalhão. – Você se importa de nós termos escolhido ser pai e filha?

            Não era questão de se importar. E sim de temer por um futuro menos belo em comparação com o presente. Clara estava feliz em ganhar o pai que jamais teve. Seus olhinhos brilhavam só de ouvir Lorenzo estacionar o carro na frente da casa todas as manhãs.

            - Não. É ótimo ver Clara feliz. Eu só...só não quero vê-la sofrer no futuro. Nenhum outro homem frequentou a nossa casa, Clara é muito pequena para entender que você é meu namorado e que, no futuro, pode não estar mais com a gente.

            Jéssica não entendeu o sorriso charmoso que Lorenzo lhe deu. Na verdade, esperava que ele rechaçasse qualquer referência a um término de relacionamento. E ele lhe brindou com um sorriso tranquilo e sensual.

            - Quer saber? As crianças estão certas. Aproveitam a felicidade sem se preocupar com nada mais. – Ele lhe beijou tão carinhosamente que Jéssica pensou em encerrar o assunto por ali mesmo, fazer como Clara, e apenas ser feliz enquanto aquele homem estava com elas. – Estou cansado de tanto correr para acompanhar o ritmo dessa garotinha que agora cochila na cadeirinha do carro.  Cansado e feliz, Jéssica. Eu passei hoje um dos dias mais felizes da minha vida. Sou um homem de sorte de ter encontrado vocês e não pretendo abrir mão dessa felicidade.
            - Fico feliz em ouvir isso. – Ela o amava...mas não deixaria de lhe cobrar o combinado. – Não quero que encha Clara de presentes. Não quero que a sustente. Ela é minha responsabilidade, não sua.
            - Chiara me chama de pai. Isso me dá alguns direitos. Além disso, algumas sacolas não são dela...são suas. – Lorenzo provocou. E logo depois mudou de assunto para evitar brigas. – Outro acordo nosso me interessa mais hoje.
            - Qual?
            - É sexta-feira e você estará de folga amanhã! Isso significa que vocês vão para minha casa! E Chiara está exausta, vai dormir a noite toda. Eu terei você inteira pra mim. Isso me dá ideias maravilhosas.
            - Ora... mas você não está cansado e...
            - Não duvide do que eu sou capaz, Jéssica, não duvide. – E com isso Jéssica teve certeza que Chiara fazia muito bem pelo humor de Lorenzo.

            Noites de amor e paixão, e, também, de despedidas quase adolescentes tornaram-se rotina nas vidas deles nas semanas que se seguiram. Chiara conseguiu, inclusive, que seu novo pai a colocasse para dormir. Lá no fundo Lorenzo começava a se perguntar se valia a pena alongar aquele namoro quando oficializar o relacionamento era tudo o que seu coração desejava. Apenas a juventude de Jéssica o fazia retardar o pedido de casamento.

            - Ela tem tanto para aproveitar ainda. – Ele olhava pela janela do restaurante em que marcara de almoçar com Jonas. – Jéssica tem de estudar, trabalhar e conquistar sua independência. É isso que a fará feliz.

            Mas havia alguns pontos negativos naquele plano. Prolongar o namoro significava um relacionamento menos definitivo do que ele desejava. Depois de casados, ele poderia requisitar a inserção de seu nome como pai de Clara no registro dela. Eles viveriam juntos, formariam uma família e as duas estariam para sempre amparadas por ele e pela lei.

            - Talvez eu venda o apartamento e compre uma casa. – Ele cogitava, bebendo água enquanto esperava Jonas. Apenas não viu o irmão se aproximar.
            - Vai vender o apartamento? – Jonas ouviu Lorenzo pensando em voz alta e estranhou.
            - Não, não. Foi apenas um delírio. Esqueça, Jonas. Deixe pra lá. Que bom que chegou. Vamos almoçar.




            Jonas deixou o assunto de lado e naquele primeiro encontro com Lorenzo após o casamento, contou as alegrias e dificuldades de ter dado adeus à vida de solteiro. Agora era oficialmente um marido. E, mesmo tendo desposado uma mulher muito independente, isso representava responsabilidades. Emily tomava muito de seu tempo. Até mesmo quando distantes. Porque ele podia estar no escritório e ainda assim ela seria a dona de seus pensamentos e preocupações. Principalmente no que atingia sua saúde.

            - Estou sentindo você um pouco preocupado. Ainda mais para um recém casado. O que há? – O irmão lhe perguntou.
            - Não tem nada a ver com o casamento. Emily me faz feliz a cada dia.
            - Isso a gente percebe de longe. Então qual a fonte dessa preocupação?

            A preocupação de Lorenzo tinha fundamento. Naquelas semanas eles não se encontraram por falta de tempo. Foram muitos compromissos e, quando tinha uma folga, preferia ficar em casa, acariciando Emily. Além disso, seus problemas eram muito íntimos. Por mais que amasse Lorenzo e tivesse com ele uma relação aberta, algumas coisas eram íntimas demais para serem externadas. Medos, principalmente. E nenhuma outra palavra explicava o aperto que sentia no coração. Medo de assistir Emily sofrer e não poder fazer nada. Tinham feito mais uma tentativa de inseminação artificial. E estavam no terrível e interminável intervalo até saber o resultado. Caso não concebesse, seria mais uma decepção para Emily suportar. E ele apoiar enquanto escondia o próprio sofrimento. Aquela ansiedade toda estava fazendo mal para eles, além de forçar o corpo de Emily em tratamentos agressivos.

            - Fizemos uma nova inseminação. Só estou ansioso com o resultado. Apenas isso. – Ele resumiu para Lorenzo.
            - Estou torcendo por vocês. E Vida? Como está o processo?

            Essa era outra fonte de preocupação. Enquanto problemas burocráticos impediam a chegada da filha em sua casa, eles a visitavam e viam crescer linda e rapidamente. Estavam a cada dia mais encantados por Vida.
            Agora faltava pouco. Ao menos foi o que o advogado garantiu. Passaram pelas entrevistas, juntos e individualmente. Responderam questões íntimas, mas que entendiam a necessidade. Alem de outras que consideraram absurdas. A assistente social desejou saber as razões daquela adoção. Emily não hesitou em responder.

            - Desejamos ser os pais de Vida. Já a consideramos nossa filha. A amamos e vamos protegê-la para sempre. – Disse enfática e segura como sempre.
            - Vocês se casaram após Vida ter sido abandonada. É, portanto, uma união muito recente. Uma criança não irá atrapalhar o relacionamento? Lembrem-se que estamos falando de um ser vivo, que exigirá atenção e não poderá ser devolvido por arrependimentos. – A profissional afirmou enquanto os observava.
            - Não temos um relacionamento recente. – Jonas lhe afirmou. – Namoramos há seis anos. E já estávamos noivos quando Vida foi abandonada. Decidimos ficar com ela após pensar muito. Jamais nos arrependeríamos.
            - Ótimo. – A assistente social parecia estar gostando deles. – Vocês pretendem ter filhos naturais?
            - Sim. Pretendemos. – Jonas foi discreto. Desejava pular aquelas perguntas para evitar o sofrimento de Emily.
            - Eu estou fazendo tratamento de fertilidade. – Ela foi mais franca.
            - Eu compreendo. – Mas aquela informação gerava mais curiosidade profissional. – Então Vida também vem suprir um o desejo de serem pais, dificultado pela genética. E como será quando tiverem um filho biológico? Sua relação com a adotiva será afetada de qual modo?
            - Não será! – Dessa vez a voz de Emily se elevou um pouco. - Vida é nossa filha mais velha. E isso seguirá independente de termos ou não biológicos.



            - A única mudança é que Vida terá irmãos caso nós consigamos conceber. Nada mais será diferente. – Jonas complementou. O ‘nós’ era para que a responsabilidade não caísse apenas nos ombros dela, já tão pressionada por aquela situação.
            - Perfeito. E qual a reação de vocês caso, no futuro, Vida resolva conhecer sua mãe biológica? Ela está respondendo processo por abandono de incapaz e não terá acesso à filha, mas, no futuro, caberá a vocês informarem à menina as condições dessa adoção.

            Jonas viu a expressão de Emily mudar. Ela não imagina Vida próximo daquela mulher nunca mais. Ela não apenas foi incapaz de cuidar da filha como a abandonou num local sem habitantes. O objetivo era matar, não havia outra opção. Então eles não viam razão para ela receber visitas de Vida, seja onde for. Mas essa era uma resposta considerada egoísta e não os ajudaria na garantia da guarda.

            - Quando tiver idade o bastante para entender o que se passou, Vida poderá escolher se deseja se encontrar com a...sua genitora. – Respondeu ele, de forma vaga, mas correta, conforme o advogado indicou.

            Ao saírem do conselho tutelar a assistente afirmou que logo teriam uma resposta. Porém, lhes pediu que evitassem visitas a Vida até esse dia. Caso a resposta fosse emitida de forma favorável, viria acompanhada de um registro de guarda provisória. E eles poderiam enfim levá-la para casa, mesmo que sem a adoção definitiva enquanto os papéis corriam no cartório.
            Tudo ia bem, mas ficar sem ver Vida estava difícil. Isso explicava muito da expressão mau humorada com que Jonas contou tudo aquilo para Lorenzo. E o irmão entendia, agora mais do que nunca. Porque também pretendia adotar oficialmente uma filha muito em breve. A única diferença é que ele já havia desistido de ser pai biológico e estava satisfeito em ter Chiara.

            - Está tudo pronto para receber Vida, então? - Lorenzo perguntou enquanto já comiam.
            - Sim. Preparamos um quarto para recebê-la. É impressionante como o apartamento agora parece grande demais quando estou sozinho.
            - Sim, sei bem como é. – Ele também não gostava de ficar em casa sem Jéssica e Chiara. Eram elas que faziam aquele lugar ter vida, ter alma. – No final das contas vovó e vovô estavam certos. Iríamos encontrar mulheres para amar e lhes dar bisnetos.
            - Verdade. Mas eu não tenho certeza que poderei lhes dar bisnetos de sangue. Apenas Vida. Essa demora para o tratamento funcionar me assusta.
            - Por quê?
            - Você pode achar bobagem, Lorenzo, mas eu sempre pensei que não devíamos lutar contra a natureza. Ou, os mais religiosos diriam ‘contra a vontade de Deus’. É isso o que eu e Emily estamos fazendo, mês a mês, inseminação por inseminação fracassada. Às vezes eu me pergunto se não é hora de desistir enquanto ela está bem e tem saúde para criar Vida ao meu lado. Eu olho para Vida e penso que talvez Deus tenha nos dado ela para suprir o vazio que a falta de uma criança nos deixava. E mesmo assim estamos insistindo.
            - Mas a saúde de Emily está frágil? – Aos olhos de Lorenzo a cunhada parecia muito bem e disposta como sempre.
            - A endometriose é muito dolorosa. Eu não consigo assisti-la sofrer daquela forma.
            - Converse com Emily então, Jonas. Talvez ela esteja com as mesmas preocupações. E, para nossa família, Vida é tão neta quanto qualquer outra criança que vocês gerarem. Assim como Chiara. Eu não terei filhos de sangue.

            Aquilo surpreendeu Jonas. Sempre achou que o irmão seria ótimo pai e, agora, vendo-o com Clara, percebia que estava certo. Era estranho vê-lo tão convicto falar que não pretendia gerar um filho quando minutos antes lembrava a felicidade que era ter Clara e Jéssica em sua vida.

            - Por quê? Jéssica é muito jovem. Vocês têm tempo de casar e ter filhos no futuro.
            - Não é só idade que pesa, Jonas. Emily não foi mãe antes porque quis estudar, abrir seu negócio e conquistar sua independência. Que direito tenho eu de tomar isso de Jéssica? Seria egoísmo privá-la disso porque eu sou mais velho e não tenho filhos. Não. Vovó que me perdoe, mas estou satisfeito em exercer a paternidade com Chiara.

            Mais cinco dias se passaram e Emily não mais suportava aquelas duas ansiedades. A guarda de Vida e o sucesso da fertilização. Ela estava nervosa, estressada e agitada demais para ficar em casa. Por isso, trabalhava mais horas e acabava desagradando Jonas. Uma das incertezas começou a ser respondida quando ela sentiu as cólicas terem início.



            - Emily? Vá descansar. – Márcio disse ao vê-la pegar remédios na bolsa. – Você chegou aqui pela manhã. E Já são 22hs. Tenho certeza que seu marido está ansioso para tê-la em seus braços.
            - Não que eu vá poder aproveitar muito daqueles braços, Márcio. Mas você está certo. Eu irei sim. Boa noite.

            Quando chegou em casa a dor estava forte e Jonas percebeu na falta de brilho dos seus olhos. Entendendo e respeitando que nesses momentos a esposa precisava de privacidade, deixou-a relaxar sozinha num banho de banheira e esperou-a no quarto com uma xícara de chá e seu kit de analgésicos sobre a cama.

            - Obrigada. Você é perfeito. – Emily agradeceu ao se deitar. – Não foi dessa vez. Amanhã vou telefonar para Leonor e conversar com ela sobre outras técnicas que possamos fazer para agilizar a concepção.
            - E lá vem mais drogas, mais procedimentos invasivos, mais sofrimento.
            - O que quer dizer, Jonas? Você sabia que não seria fácil, nunca o enganei. Porque então...
            - Porque te ver sofrer mexe comigo. Desculpe se isso é um pecado! – Ele ergueu a voz e assustou Emily. Jonas não era assim. – Deixa pra lá, Emily. Eu não devia ter falado nada.
            - Eu quero que fale. Prefiro que diga o que sente. Agora que começou, termine.
            - Eu quero esse bebê tanto quanto você, Emily. Mas estou assustado com o quanto isso pode custar emocionalmente. E se esses tratamentos estiverem fazendo mal pra você? A cada mês você sente dores mais intensas. Não adianta tentar esconder, eu percebo.
            - Eu as suporto há duas décadas. Não se preocupe.
            - Sempre me preocuparei. Sempre. – Ele lhe acariciou o rosto e salpicou pequenos beijos em sua testa – O advogado disse que em cinco dias sai a guarda provisória e Vida vem para casa. Talvez devêssemos aceitar que ela é a nossa filha e...e...desis...
            - Não! – Ela não aceitou nem mesmo ouvir. – Desistir não está nos planos. Eu não vou abrir mão da gravidez e aceitar ser mutilada pra parar de sofrer. Eu vou vencer essa doença custe o que custar.

            Jonas sabia que seguir naquela discussão não daria resultados. Então deitou-se ao seu lado e esperou que ela se acalmasse. Guardou as preocupações para si. E resolveu que antes de novas tentativas de inseminação iria conversar com Leonor. Aquele bebê era muito desejado, mas não valia ariscar a vida de Emily.
            No dia seguinte as dores abdominais de Emily se intensificaram e ela foi obrigada a avisar Márcio que seria impossível ir trabalhar. Ele já estava habituado a comandar a equipe e os outros chefes de cozinha assumiram os turnos de almoço e jantar. Cozinheiros, auxiliares e garçons seguiram com seu trabalho normalmente. Jéssica seguia como auxiliar de cozinha e agora já estava bem adaptada. Seu trabalho era preparar os alimentos para os chefes. Lavava legumes, cortava carnes e ajudava as cozinheiras nos preparos mais simples. Havia, inclusive, aprendido a preparar muitas receitas diferentes e mais elaboradas. Estava feliz.

            -Tenho um pedido para te fazer. – Disse Lorenzo ao buscá-la no trabalho naquela noite.
            - Diga. Mas depois de me beijar.




            - Eu terei de viajar para o Sul em dois dias. Meu pai pediu. – Ele explicou após provar dos lábios dela. – Preciso dar atenção a algumas coisas da vinícola.
            - Sentirei sua falta. Ficará muito tempo?
            - Não. Viajo na quarta-feira pela manhã e retorno na noite de quinta-feira. Mesmo assim, gostaria que você e Chiara viessem comigo. O clima está ameno e Chiara poderia brincar no campo. Você ficaria com minha irmã e mãe enquanto eu resolvo meus negócios. Venha, por favor. Eu falo com Emily e peço que te libere.
            - Não, Lorenzo. – Ela até gostaria, mas não fazia sentido ter vantagens apenas por Lorenzo conhecer sua chefe. – É impossível. Emily se afastou por alguns dias por motivo de saúde. Além disso, não posso fazer isso sempre que você tiver seus compromissos fora de São Paulo.
            - Mas...
            - Vá tranquilo. – Ela tornou a beijá-lo na porta do restaurante. – E volte logo para os meus braços. Eu e Clara estaremos te esperando.


            Lorenzo aceitou a decisão dela e ajudou-a a se sentar no banco do carona de seu carro. Fechou a porta, deu a volta no veículo e partida no motor em poucos segundos. Nenhum deles percebeu que foram observados durante aquela conversa. As palavras de carinho, os beijos e afagos não agradaram em nada quem veio à procura de Jéssica.

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