sábado, 13 de junho de 2015

Alguém Para Amar - Capítulo 10


            Jéssica morava no bairro Tatuapé. E a viagem foi longa até Lorenzo conseguir estacionar na frente de sua casa. Durante o trajeto eles conversaram um pouco, mas a timidez continuava ali. A menina em seus braços tinha os cabelos um pouco mais escuros e um ar angelical. Lorenzo achou que ao menos da criança ela não se importaria de falar.

            - Não é muito tarde para uma criança estar na rua? – Ele puxou o assunto.
            - Talvez. – Ela ficou ainda mais tímida. – Mas eu tive de buscá-la na casa de uma amiga e preferi esperar a chuva parar. Só que alagou a cidade.
            - Entendo. Como ela se chama?
            - Clara.
            - Ela é sua irmã? Vocês são parecidas.
            - É minha filha. – Ele não ia parar de perguntar nunca? – Deve ser por isso a semelhança.

            Tão jovem e com uma criança que deveria ter no mínimo uns três anos. Lorenzo lembrou a si mesmo que aquilo era comum. Não que para ele fosse normal. Ainda mais porque Jéssica não usava aliança. Mas se calou. Aquilo não era da sua conta e a jovem já estava tímida demais para ele pressioná-la novamente. Então apenas guiou o carro até encontrar o endereço dito por ela. Ignorando o estado do imóvel e a escuridão daquela rua, desligou o carro e voltou-se para Jéssica.

            - Estão entregues. Boa noite Jéssica. Cuide bem da pequena Chiara.
            - Como disse? – Jéssica espantou-se.
            - Chiara. É Clara, em italiano.
            - É bonito. Boa noite, Senhor Lorenzo. Eu não tenho como lhe agradecer.
            - Não precisa. Só me chame de Lorenzo.

            Ela saiu carregando a menina e ele ficou observando-a abrir a porta e acender as luzes. Iluminado o lugar assustou-o ainda mais. Ela devia morar sozinha com a criança ou havia alguém esperando-a. Impossível não pensar que aquela casa não era segura o bastante para uma mulher sozinha e uma criança.

            - Isso não é da sua conta, Lorenzo. – Disse a si mesmo e virou a chave para ligar o carro.

            E nada aconteceu. Tentou novamente. E teve silêncio como resposta. Na terceira tentativa o motor engasgou, mas não pegou. Ao ligar para a seguradora, ouviu do atendente que os casos de carros parados pela cidade estavam se acumulando porque, ao tentar atravessar ruas alagadas, os motores ficavam prejudicados. Não havia sequer previsão para alguém vir resgatá-lo.
            Estava numa rua sem movimento, a chuva voltava a ficar intensa e era muito tarde. Sua noite não podia ficar pior. Com medo de um assalto, pegou a carteira que tinha jogado sobre o painel do carro e saiu acionando o alarme. Só tinha uma alternativa, além de passar a madrugada dentro do veículo. Tocou a campainha da casa de Jéssica, torcendo para não acordar Clara.

            - Meu carro não quer pegar. Será que eu posso entrar? – Perguntou assim que viu Jéssica abrir a porta com a expressão assustada. – Algum problema?
            - Não! – Ela apressou-se em dizer. – É só que...bom...eu...
            - O seu marido não gostará de me ver aqui. É isso? – Ela podia ter alguém e não usar aliança.
            - Não. Entra! É...eu não tenho marido não. É só que a casa não é bem o tipo de lugar que o senhor frequenta.

            Não era mesmo. Assim que entrou, Lorenzo percebeu a pintura e os móveis desgastados pelo tempo. A pobreza do lugar, no entanto, era disfarçada pela limpeza e organização. Era o lar delas. E Lorenzo sabia que confirmar aquela afirmação seria muito desagradável.

            - Não tem problema. Eu só quero descansar e esperar o dia clarear antes da seguradora vir buscar meu carro. Esse sofá está ótimo.

            Jéssica colocou travesseiros e um cobertor para deixar o sofá um pouco mais agradável. E disse que casa precisasse de algo, era só chamá-la. A filha dormia com ela no único quarto da casa. E Lorenzo ficou ali, sozinho, em um lugar terrível se comprado com qualquer local onde já tenha vivido, na madrugada, e sem sono algum. Passou algum tempo deitado, desconfortavelmente, no sofá e só então o sono pareceu se aproximar e apagar seus pensamentos durante alguns minutos. Lá fora a chuva ainda caía e o barulho sobre as telhas embalava o sono.
            Até que, algo o acordou do sono, leve e breve. Ao espiar o relógio em seu pulso, viu que ainda eram 5h30min. Logo amanheceria. Mas foi o choro de Clara, no quarto que o acordou. Ela estava sonolenta e choramingava para a mãe. Será que havia algo de errado? Ela tinha pego chuva. Podia ter ficado doente. Curioso, levantou-se e se aproximou da porta fechada.

            - Dorme, Clara. É muito cedo. – Ouviu Jéssica dizer para a filha.
            - Eu to com fome, mamãe. Quero meu mamá. – E menina pediu.
            - Agora não tem filha. Mamãe te dá café com leite quando amanhecer.
            - Mas eu to com fome.
            - Dorme que passa. Agora a mamãe não tem o que te dar. – Jéssica negou mais uma vez e a menina não insistiu mais.

            E aquela aceitação silenciosa parecia de quem já estava acostumada. Lorenzo ficou em choque com o que tinha ouvido. Ninguém deveria dormir com fome. Ninguém conseguia dormir com fome. E parecia crueldade demais alguém dizer para uma criança tão pequena que não lhe daria o que comer. Ele abriu a geladeira da casa e viu as prateleiras vazias. No armário praticamente a mesma coisa. Sobre a mesa da cozinha havia algumas contas aguardavam pagamento.



            Naquela noite ele tinha jantado num evento elegante onde muita comida foi desperdiçada e a injustiça daquela criança chorando de fome lhe doeu na consciência. Quando um novo choramingo começou, lembrou-se que podia ajudar e foi até o carro estacionado na rua. Não tinha problema se iria se molhar na chuva fria mais uma vez.
            Apesar de ter pego a chave da porta e aberto com todo o cuidado, ao retornar carregando uma barra de chocolate que tinha no carro, encontrou Jéssica na sala, vestindo short e camiseta. Não tinha como evitar o constrangimento da situação.

            - Dá para ela. – Disse estendendo o chocolate. – Não deixe Chiara com fome.
            - Obrigada. – Ela pegou o doce e levou para a criança.

            Envergonhada por ter de aceitar a ajuda de Lorenzo, mas feliz em ver Clara dormindo tranquila, Jéssica conseguiu dormir e, ao acordar, foi a cozinha pensando em oferecer para ele ao menos um café preto antes de ir embora. Era apenas 8h40 da manhã. Mas ele já não estava lá. E sobre a mesa havia uma sacola de compras.



            - Você não fez isso. – Disse a si mesma enquanto olhava as compras.

            Mas tinha feito. Quando amanheceu a segurado lhe enviou uma mensagem informando que em meia hora iria resgatar seu carro. Quando chegaram perceberam que se tratava apenas de um problema na bateria, facilmente resolvido. Mas antes de ir embora, ele passou num mercado próximo e fez algumas compras. Aquela criança e sua jovem mãe não deveriam passar fome. Junto das compras, numa atitude quase impulsiva demais para sua idade, deixou seu cartão de visita, com número pessoal, sobre a mesa. Com um recado agora lido por Jéssica.

[Ligue se precisar de algo. Não deixe Chiara necessitando de nada.]

            - Como assim?!!?!?! Não posso ligar para alguém que não é nada meu para pedir o que Clara precisa! – Para Jéssica, Lorenzo parecia um homem muito estranho. Ninguém se preocupava assim com alguém que não era sua responsabilidade.

            Mas Lorenzo não era assim. Para ele, todos deveriam ter o que era básico. E criança nenhuma deveria sentir fome enquanto outros desperdiçavam. Por isso, na Vinícola Vicentin, sempre pagaram salários dignos. Mesmo que isso representasse um lucro menor. E isso deveria ser uma prática na construtora de seu irmão. Mesmo num posto de trabalho de baixa qualificação, Jéssica deveria receber um salário capaz de alimentar sua filha. Ele cobrou isso do irmão.

            - Eu não sei o salário da moça que serve o café, Lorenzo. Porque deveria saber? Sabe quantos funcionários a construtora tem? Acho que a equipe de limpeza e serviço é terceirizada. – Jonas respondeu.
            - Eu estive na casa dela. Ela não vive bem e cria sozinha a filha. Passa por dificuldades.
            - Você esteve na casa da arrumadeira do meu escritório? É isso? Por quê?
            - Não vem ao caso. – Ele não estava com vontade de explicar. – O que interessa é que vocês precisam verificar isso. Não é certo. Por favor, Jonas.
            - Está bem. Eu não sabia de nada disso. Juliana é a diretora administrativa. Essas questões nunca passaram por mim, Lorenzo. Mas eu vou verificar.

            Jonas pediu para Juliana rever os contratos terceirizados da empresa e lhe enviar um relatório. Ele e Emily iriam viajar e, quando retornasse ele verificaria tudo aquilo. Mas realmente não desejava pensar em nenhum problema nos próximos dias. Depois da bateria de exames que ele e Emily fizeram, precisava de descanso. E sequestrou a noiva.

            - Eu não posso viajar novamente, Jonas. Estou muito afastada do restaurante e isso é ruim. – Ela ainda tentou argumentar.
            - Você está, pela primeira vez na vida, esquecendo um pouco das responsabilidades e do trabalho para aproveitar o seu tempo com o que te dá prazer. Uns dias de descanso não lhe farão mal.
            - É você quem me dá prazer. – Ela respondeu. – Em todos os sentidos, aqui em São Paulo ou em qualquer lugar.
            - Ótimo. Darei em Bento Gonçalves nos próximos dias. Coloque casacos na mala, fará frio. E não esqueça da Milla, está na hora dela conhecer nosso segundo lar.

            Naquele momento, Jonas, Emily e a boneca Milla chegavam a Bento Gonçalves. Antes mesmo de ir na casa da família, ele resolveu parar num parque. O friozinho de 5 graus a fez se aconchegar nos braços dele. Era delicioso para namorar, mas, Emily se arrependeu de não ter colocado mai um casaco.



            - Só tenho dois comentários sobre esse lugar, Jonas. É lindo. Fascinante. Eu consigo entender porque você ama tanto.
            - E? Qual o segundo comentário.
            - É frio demais! Minhas mãos estão congelando.
            - Vamos pra casa. Vou acender a lareira, abrir um vinho e te servir uma seleção de queijos fantásticos. Podemos fazer fondue
            - Eu vou engordar assim, Jonas.
            - Vai mesmo. – Ele riu da expressão dela. – É verdade. Eu sempre engordo um pouco quando venho. E você vai continuar linda. Além disso, uma barriguinha está nos planos, não?
            - Sim. Mas pelo seu filho! Não porque estarei gorda! Mas agora eu fiquei com vontade de comer fondue. Não sei quando terei outra oportunidade.
            - Ótima decisão, futura senhora Vicentin. Agora vamos, antes que você comece a tremer de frio. Minha família a aguarda ansiosa.

            Era verdade e, estranhamente, Emily não se sentiu nervosa por encarar aquela grande família. Agora como a noiva de Jonas. Giovanna e Leonel a abraçaram logo na entrada. Estava claro que o pedido de casamento era conhecido por eles. Mas eles entendiam o jeito discreto de Jonas e não comentaram nada.
           
            - Pai, mãe! Que bom vê-los. – Ele abraçou-os.
            - Entrem, crianças. Saiam do frio. Emily certamente não está habituada a esse ar gelado. – O pai de Jonas recepcionou-os tranquilamente. – A lareira está acesa e mia madre está com o fogão à lenha funcionando desde cedo. Delícias quentes para vocês.
            - Que maravilha, Senhor Leonel.

            Já dentro de casa, vovó Ângela foi bem menos discreta. Não que isso fosse uma surpresa. Dona Ângela chegou na sala, ainda usando avental e, num gesto tipicamente italiano, beijou Jonas em ambas as faces. Depois fez o mesmo com Emily.

            - Você nunca me enganou! Logo que vi vocês juntos soube que meu neto estava fisgado! Agora que ele finalmente escolheu a noiva, vamos organizar o casamento e esperar pelos bebês! Mal posso esperar pra ver meus bisnetinhos correndo nessa sala!
            - Acalme-se Ângela! – Seu marido, Francesco, pediu. – Deixe-os aproveitar o namoro.
            - Tudo ao seu tempo, vovó. – Jonas brincou, vendo Emily começar a ficar tímida.
            - Sim, eu entendo. Mas que não demore muito. Já basta Lorenzo e Milena que não me dão bisnetos.
            - Eu sabia que ia sobrar uma repreensão pra mim. – Milena entrou na sala brincando. – Jonas, Emily, que bom que chegaram bem. O quarto de hóspedes está arrumado para você.
            - Não será usado. – Jonas disse. – Emily ficará comigo.

            Ninguém discutiu e eles foram para o seu quarto, namorar na privacidade do lugar. O quarto era muito confortável e amplo. Eles não precisavam de mais nada. Um banho quente, algumas doses de vinho e, entre carícias, eles passaram aquele final de tarde. Com aquecedor e os beijos de Jonas, Emily voltou a se esquentar e exibir o mesmo jeito discretamente sensual pelo qual Jonas se apaixonou e que, na frente dos outros, ela mantinha escondido.



            - Depois que eu tiver o nosso bebê, a sua família vai me aceitar. – Ela lhe disse, ainda ofegante, deitada em seu peito.
            - Eles já te adoram. Com ou sem bebê.
            - Mas é diferente. Eles querem uma criança.
            - Sim, querem. Mas isso não significa que a gente precisa dar a eles. – Ele sentou-se para olhá-la de frente. – Emily, preciso que você entenda uma coisa. O meu pedido de casamento vai além do bebê. Eu quero você como minha esposa e quero o filho pelo qual nós estamos lutando. Mas, se por acaso, ele não vier, o noivado se mantém.
            - Mas...
            - Sem mas. Você será a minha esposa. É isso que a minha família sabe. E eu não pretendo falar nada sobre o tratamento. Eles não precisam saber os caminhos que nos levaram ao noivado. Só ficar felizes pela nossa decisão.

            Emily entendia, mas não acredita que aquilo era toda a verdade. Estava na cara que Jonas não tinha certeza de que ela poderia lhe dar aquele bebê. Claro! Se nem a médica pode afirmar isso, ele não queria dar falsas esperanças à família. E, se para Jonas até pouco tempo não ter filhos estava longe de ser um problema, a família dele tinha ideias bem diferentes. Se ela não engravidasse, logo não seriam tão simpáticos assim.
            Ela preferiu não dividir com ele aquele pensamento triste e continuou a acariciar o homem que tinha mudado sua vida para melhor. Quando saíram do quarto já era muito tarde e o desejo de Emily foi atendido. Ela e Jonas tiveram a sala da casa só para si, junto de uma lareira aquecida pelo fogo e o fondue borbulhante. O cheiro é irresistível.

            - Esse é de queijo. Amanhã provamos o de chocolate.
            - Maravilhoso. Quando voltarmos para São Paulo, farei dieta. Ficarei só na salada por uma semana.



            - Desnecessário. Garanto que você queimará todas as calorias. Você terá muitas atividades por aqui.
            - Se forem deliciosas como as de hoje a tarde, acho que estendo nossa passagem pelo sul. – Disse enquanto abocanhava mais um pedacinho de pão banhado no creme de queijo. – Fondue, vinho e você. É o paraíso.
            - Gulosa! Eu não estava falando de sexo. Amanhã vou te levar para passear. Pela manhã vamos fazer compras na cidade. Não posso te monopolizar no quarto.
            - Pode sim. Eu não me importo.
            - Não me tente Emily. – Ele disse sorinho e enchendo as taças comum vinho de tom muito escuro, encorpado e perfumado. – Prove esse. É de uma safra maravilhosa.
            - Divino. – Ela disse após o primeiro gole. – E o que faremos a tarde?
            - Vou te levar para cavalgar. Vai conhecer o meu cavalo.
            - Eu nem sabia que você tinham cavalos aqui.
            - Para a lida não temos. Não precisamos do trabalho de animais. Mas temos alguns particulares. Eu adoro cavalgar. É uma sensação maravilhosa.
            - Mas eu não sei. Vou cair!
            - E quem disse que vou te deixar subir num cavalo sozinha? Não! Você andará só comigo. Eu cuido do que é meu.
            - E eu sou sua?
            - É. Toda minha.

            Eles seguiram entre beijos e carinhos até resolverem que era hora de dormir. Para desgosto de Jonas, Emily resolveu conferir o celular antes de dormir. Ele preferia que ela tivesse se desligado completamente. Mas foi bom. Porque os olhos dela brilharam ao ler uma mensagem.

            - O que foi, Emily? Ganhou na loteria?
            - Não! Muito melhor!
            - Diz! O que é?
            - É de Leonor. Os exames tiveram ótimos resultados. Quando voltarmos pra São Paulo podemos fazer a inseminação. – Havia emoção na voz dela. – Eu vou engravidar.



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