sábado, 23 de maio de 2015

Alguém Para Amar - capítulo 7


            Certos hábitos adquiridos há quase 40 anos são difíceis de mudar. Definitivamente, Emily não estava habituada a ter alguém ao seu redor perguntando como se sentia a cada meia hora. Era bom, era afetivo, mas também podia ser um pouco chato. Na quinta vez que Jonas interrompeu sua leitura para checar se ela estava com alguma dor, ela achou que era hora de acabar com aquilo.

            - Jonas, eu sei me cuidar. Fiz isso sozinha nas últimas quatro décadas. Não precisa me tratar feito criança. – Ela argumentou.
            - Estou treinando para quando tiver uma criança por aqui. – Ele brincou. – Além disso, você ainda não tem 40 anos.
            - Estou me aproximando a cada dia.
            - O tempo te fez bem. Você é como o vinho Emily. E nisso eu sou um especialista.
            - Não vou questionar então. E por falar em vinho, você podia abrir uma garrafa enquanto eu preparo algo para a gente comer. Se você não se importar de eu usar a sua cozinha.
            - Não prefere pedir algo? Você deveria fazer repouso.
            - Estou ótima! E amo cozinhar. E, antes que você pergunte, um pouquinho de vinho não me fará mal.

            Jonas não questionou, mas abriu a garrafa com menor teor alcoólico de que dispunha naquele momento. Depois ficou observando-a mexer em seus armários e geladeira como se procurasse um tesouro. Seus olhos brilhavam já imaginando a receita que faria. Ele só imaginava aquele tipo de animação feminina ao entrar em um shopping center. Emily realmente amava sua profissão.

            - Fiz comprar mais cedo. Mesmo assim acho difícil que tenha a variedade de ingredientes a qual está habituada.
            - Está ótimo. Farei legumes com molho oriental.
            - Posso ajudar?
            - Você sabe cozinhar? – Essa pegou Emily de surpresa. Realmente não conhecia o homem com o qual se relacionou nos últimos anos.
            - Um pouco. Eu vivo sozinho e nem sempre quero comer fora. Além disso, você viu o apresso que minha família tem por uma mesa farta.
            - Então vamos cortar os legumes.



            A comida demorou muito mais do que o necessário para ficar pronta. Não por culpa de Jonas. Ele realmente sabia cozinhar. Mas a preparação do alimento foi interrompida muitas vezes porque ambos estavam próximos demais na pequena cozinha. E, juntos, em meio ao aroma do vinho e o calor do fogão, não resistiam a trocar alguns beijos.

            - Eu queria muito fazer amor com você essa noite, mas eu não posso. – Emily enquanto comiam no balcão da cozinha.
            - É, não pode. O que não nos impedirá de aproveitar tudo o que você pode. – Ele tinha um olhar safado.
            - O que tem em mente?
            - Vamos para o quarto e eu te mostro.

            Aquela foi a primeira noite em que dormiu no quarto dele, na cama dele, nos lençóis que tinham o seu cheiro. E foi bom. Mesmo não podendo transar. Isso era realmente estranho para eles. Só que aquela, contraditoriamente, foi a noite em que mais se sentiu amada. O carinho com o qual foi despida, beijada e massageada lhe deram tanto prazer quanto uma noite de sexo voraz. E no fim, pode acomodar-se sobre o peito de Jonas e dormir, tranquila e aquecida, reconhecendo que era mesmo muito bom ter um parceiro para além de sexo.
            Quando o dia clareou, foi acordada por Jonas se barbeando no banheiro do quarto. Elas perguntou-se o que deveria fazer e optou por vestir uma de suas camisas e ir até a cozinha para ligar a cafeteira. O cheiro do café instalou-se no apartamento e logo Jonas apareceu na sala, ainda de cueca e camiseta. Ele havia desistido de se arrumar com a pressa de sempre.

- Bom dia. Desculpe acordar você. – Desse um segundo antes de abraçá-la e beijá-la.

            Beijos matinais eram outra vantagem de quem não expulsava o parceiro no meio da noite, como ela costumava fazer. Com o hálito fresco e a perfume da loção pós barba, Jonas estava definitivamente tentador. E, o melhor, ele parecia ignorar seu cabelo bagunçado pela noite de sono e a pele sem nenhuma maquiagem.

            - Assim vou acabar viciada em você. – Ela disse.
            - Droga! Você descobriu meu plano.

            O único desentendimento da manhã se deu pelos compromissos profissionais dos dois. Jonas achava perfeitamente normal avisar que teria o dia cheio de reuniões na construtora, não viria almoçar com ela e chegaria por volta das 20hs em casa. E esperava que ela ficasse o dia todo sem fazer nada. Emily o olhou como se visse um extraterrestre no meio da terra.

            - Essa não sou eu, Jonas! Não posso simplesmente ficar em casa lixando as unhas. Vá para os seus compromissos. Eu vou para o meu restaurante. Minha equipe precisa de mim.
            - Você está de repouso. – Ele lembrou-a enquanto vestia o terno.
            - Eu conheço os limites do meu corpo. Não irei além deles.
            - Está bem! Te vejo em casa às 8hs da noite?
            - O restaurante fecha às 23hs.
            - Você não precisa ficar até o final. – Ele não queria ficar em casa sozinho. Não mais. – Por favor.
            - Está bem. Às 20hs, no máximo 21hs, estarei aqui.
            - Ótimo! Além do mais, a Milla sentiria sua falta. – Ele brincou referindo-se a boneca que Emily colocou na mala quando passaram em seu apartamento.
            - Você achou ridículo, eu sei. Mas eu não consigo me desfazer dela. Eu a tenho desde muito pequena.
            - Não achei ridículo. É uma lembrança bonita da sua infância. Eu tenho a minha coleção de carrinhos de quando eu e Lorenzo éramos pequenos. Está lá na fazenda. Quando voltarmos eu te mostro. – Ele lhe deu mais um beijo e acariciou seu rosto antes de sair. – Tenha um bom dia. É só bater a porta quando sair. Vou fazer cópias das chaves pra você.
            - Está bem. Bom dia pra você também. – Emily respondeu e saiu em disparada para se vestir e chegar cedo no restaurante. Estava feliz.

            E essa felicidade foi percebida no restaurante. Sua equipe recebeu-a com sorrisos, mesmo não sabendo que fora um problema de saúde afastá-la do trabalho. Pensavam que ela havia estendido os passeios por Paris. Menos Márcio. Ele soube de tudo, mas, como já lhe era habitual, manteve-se leal.

            - Vejo que não só melhorou como está explodindo de felicidade. Sua pele, seus cabelos e seus olhos vibram, minha bela! – Ele disse euforicamente. – Devo presumir que nosso belo e gentil Jonas Vicentin é o responsável por tudo isso?
            - Sim. Você deve presumir. E mais!
            - Mais? Diga, diga, diga!



            - Agora eu sou a namorada de Jonas e, você não vai acreditar, ele topou ser o pai do meu bebê!
            - É claro que eu acredito! Jonas é um homem de classe, elegância e bom gosto! Não jogaria fora uma mulher como você. São perfeitos juntos. Quero ser padrinho do casamento.
            - Não exagere, Márcio. Namorados.
            - Ok, ok...eu não tenho pressa para comprar o fraque e me pôr no altar junto de vocês. Deixemos o tempo fazer o seu trabalho.

            O tempo era realmente algo decisivo na vida. Ele fazia tudo mudar. Mesmo o que continuava exatamente igual. Isso porque o olhar das pessoas ia mudando a percepção de cada um pelo igual. Um mês se passou. E Emily percebeu que já não mais sentia-se nervosa ao atender o telefone da casa de Jonas. Não ficava ansiosa por estar sozinha por lá. Não ansiava pela chegada dele por outras razões que não saudade. A vida encontrou uma deliciosa rotina entre dormir e acordar nos braços dele.
            Foi um mês muito bom. Trabalhou todos os dias no restaurante, que seguia com bom público e agora contava com novos pratos no cardápio. A felicidade trouxe mais ânimo à Emily. Ela passava várias horas cozinhando e não sentia o carpo reclamar. Quando foi possível, ela e Jonas voltaram a transar e era tão bom quanto antes. Com a diferença de que, agora, a noite continuava mesmo após os corpos pedirem descanso. E sentia em Jonas a mesma felicidade. Ela sentia isso.
            Jonas estava, na verdade, mais do que feliz. Estava realizado. Se soubesse que ter Emily em sua cama todas as noites e em sua vida todos os dias era tão bom, já teria assumido o namoro com ela há muito mais tempo. Ela o compreendia muito bem e não interferia na sua rotina. Emily não ligava várias vezes durante o dia, nem reclamava da sua carga de trabalho. Na verdade, ela era extremamente independente. E vivia intensamente seu crescimento profissional. Ele orgulhava-se dela. Muito. E desejava estar ao lado dela por muito tempo. A não ser quando a via sofrer.
            Driblando os compromissos profissionais, esteve com Emily numa consulta médica. Leonor examinou-a em particular, mas ele participou da conversa entre médica e paciente. Era justo, afinal, ele tinha importante papel naquele tratamento. A orientação da médica era seguir confiante no tratamento porque o caminho ainda era longo. Emily fez uma nova ultrassonografia e ela apontou que ainda não era indicado engravidar. O útero não estava recuperado da raspagem.

            - Minhas cólicas estão voltando. Acho que não tivemos o resultado esperado. – Ela disse à médica.
            - Você não me contou isso. – Havia um pouco de mágoa na contestação de Jonas à frente da médica.
            - Eu...achei que não precisava falar. Você não ia poder fazer nada mesmo.

            Jonas não disse nada mais nem durante a consulta ou ao chegar em casa. Mas ficou chateado. Emily não conseguia se abrir por completo. Ele não sabia muito bem como conviver com isso, mas imaginou que pressioná-la só pioraria tudo. Então não a recriminou, mas ficou atento a ela. Se suas dores estavam voltando, Emily precisaria de cuidados.
            Alguns dias depois da consulta médica, ele teve uma rotina de trabalho particularmente pesada. Tudo porque, ao ganhar uma licitação, a construtora precisou intensificar os trabalhos. Ele vistoriou dos canteiros de obras e até seu almoço fora durante uma reunião de negócios. Um dia realmente exaustivo. Como já era de costume, Emily não telefonou durante todo o dia. Mas confirmou que deveria chegar em casa antes das 22hs.
            Ele a conhecia bem. E mesmo sem ela lhe dizer uma palavra, quando, ao chegar em casa, Emily recusou uma taça de vinho e preparou uma xícara de chá, percebeu que havia algo de errado. Discretamente, observou quando ela engoliu algumas cápsulas na nécessaire e engoliu.



            - Analgésicos?
            - Sim. – Ela estava constrangida. – Não é uma fase boa do mês para mim. Eu não estou acostumada a ter ninguém perto de mim nesse momento. Eu fico um pouco anti-social. Me ignore. Está bem assim?
            - Eu não posso ignorar que você não está bem, Emily.
            - Tem razão. Eu acho que eu vou voltar ao meu apartamento. É melhor. Não te incomodo nem fico constrangida. Em alguns dias estarei bem e a gente volta a se falar.
            - Você só pode estar brincando! Nem pensar! Isso não é uma brincadeira de casinha, Emily. Quando o bebê estiver doente nós também vamos resolver as coisas assim? Ignorando?
            - Não! Claro que não. – Ela não sabia o que dizer. Mas tê-lo ali, precisando disfarçar a dor que sentia era insuportável. – Eu vou me deitar. Com licença.

            Jonas deixou-a sozinha. Entendia que ela precisava de privacidade. E quando finalmente entrou no quarto e acendeu as luzes, percebeu que ela estava em sono pesado, provavelmente causado pelos fortes remédios. Então deitou-se sem fazer nenhum barulho na intenção de deixá-la repousar. Ele dormiu bem, até ser acordado às 3hs40min. Não foi nenhum barulho a acordá-lo, nem luzes no quarto. Seu corpo pareceu perceber os lençóis esfriarem e quando se deu conta estava de pé, procurando por Emily. Viu que ela estava no banheiro e bateu à porta.

            - Eu já vou voltar, Jonas. – Ela lhe respondeu.

            Mas quando finalmente a viu novamente, percebeu que ela tinha os olhos nublados pelos remédios e o corpo um pouco curvado para frente.  Ele sabia qual o problema, mas esperou que ela lhe dissesse. Esperou em vão. Emily deitou-se evitando tocá-lo e não disse nenhuma palavra. Lhe deu às costas e enrolou o corpo, mantendo vários centímetros separando-os. Passaram alguns minutos e ele, pelo ritmo da respiração, soube que ela seguia acordada. Não podia, nem conseguiria dormir daquela forma.
            Levantou-se e ignorou o resmungo de Emily. Ela disse algo sobre estar bem e não necessitar de cuidados. Uma mentira deslavada. Na cozinha, preparou uma bolsa de água quente e levou para o quarto.

            - Coloque na frente da barriga. – Lhe disse enquanto deitava-se às suas costas e puxava-a, unindo seus corpos. – Assim, mais aquecida você vai se sentir melhor.
            - Eu já tomei remédio. Você não precisa se preocupar.
            - Claro que preciso. Não posso simplesmente ignorar o seu problema, Emily. É impossível vê-la sofrer e não fazer nada. Então me deixe ajudá-la.

            Emily aceitou o carinho e o cuidado de Jonas. Não soube direito se foi fala doce dele em seu ouvida, a bolsa de água quente ou os remédios, mas sua cólica aliviou aos poucos e ela dormiu tranquila.
            Na manhã seguinte ainda sentia os desconfortos aos quais já estava habituada. Tinha certeza de que, com algum esforço, poderia ir trabalhar. Jonas não concordou e resolveu que também tiraria folga naquele dia. Os dois aproveitaram para descansar, ver um filme, almoçar juntos e namorar. Foi um dia quase perfeito em que ela chegou muito perto de esquecer da dor.
            Em casa, Jonas não fazia ideia de que seu irmão entrava na JRJ Construções à sua procura. Aquele ambiente muito claro, frio e iluminado definitivamente não combinava com Lorenzo. Ele se apresentou na recepção e foi entrando. A secretária lhe disse que tentariam localizar Jonas. Mas, enquanto isso, pediu que esperasse em sua sala.
            Lorenzo ficou lá, pensando, perguntando-se como seu irmão conseguia trabalhar ali por tanto tempo. Era bonito. Era agradável. Mas não era o lugar deles. Estava explicado porque Jonas corria para a fazenda que tinha uns dias de folga.
            A porta se abriu e ele viu uma jovem, muito jovem, entrar carregando uma bandeja. Com os cabelos muito claros e traços de menina, era difícil pensar que trabalhasse, mas o uniforme informava isso.



            - O senhor aceita um café? – Ela disse com uma voz muito fina e delicada.
            - Sim, eu aceito. Mas pode me chamar de Lorenzo.

            Ela sorriu um tanto tímida e ele se sentiu um idiota por corrigi-la. Que diferença fazia a forma como ela o chamava quando essa seria a única vez que se veriam.

            - A secretária do Sr. Jonas está tentando localizá-lo, mas ele não atendeu ao celular. Assim que conseguirmos, ela lhe avisa.
            - Você sempre chama a todos de senhor e senhora? – Ele não resistiu a provocá-la e ver-lhe ficar ruborizá-la mais uma vez.
            - Ele é um dos diretores. Preciso tratá-lo com respeito.
            - Claro, claro. E como é o seu nome?
            - Jéssica.
            - Então...seu café está ótimo, Jéssica. Mas eu acho que vou ao apartamento de Jonas. Estou com palpite que ele está em casa. Adeus, Jéssica.

            - Adeus, Senhor Lorenzo.

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