sábado, 2 de maio de 2015

Alguém Para Amar - Capítulo 4



            Emily internou-se na clínica mal passava das 7hs da manhã. Estava feliz, sorridente. Aquele era o primeiro passo, apenas. Mas ao final da extenuante caminhada seus dias de dor e solidão estariam concluídos. Havia, conforme Leonor tinha esclarecido, a possibilidade de voltar a sofrer com os sintomas da endometriose após o nascimento de seu filho. Mas ela não estava preocupada com isso.

            - Se acontecer, se não houver alternativa, nós podemos optar por uma histerectomia, total ou parcial. Nós vamos avaliar os riscos, procedimentos e cuidados. E como você já terá um bebê, não será algo tão traumático. – Disse a médica.
            - Eu não quero pensar nisso por enquanto, Leonor.



            E assim Emily iniciou os procedimentos. Com a paciente completamente anestesiada, Leonor realizou a raspagem nos órgãos reprodutores de Emily, garantindo a saúde do útero e a desobstrução das trompas. O procedimento durou menos de meia hora e logo Emily estava na sala de recuperação. Ás 14hs foi levada para um quarto da clínica apenas para um período de observação e no fim da tarde, por volta das 17hs, após ser examinada pela doutora, seguiu para casa com a receita de seus já conhecidos analgésicos, além de algumas recomendações.

            - Manterá repouso por dois dias e depois apenas caminhadas curtas por uma semana. Se houver sangramento, ligue e chame uma ambulância. Eu não gosto da ideia de você sozinha. Se não há ninguém para ajudá-la no pós operatório deveria ficar aqui essa noite.
            - Bobagem. Ficarei ótima.
            - Daqui cinco dias retorne e vamos fazer ultrassom. Se tudo correr bem, em algumas semanas iniciamos o estímulo hormonal para você conceber.


            Jonas passou o dia cumprindo uma extensa agenda de compromissos. Valquíria era muito organizada e apenas por isso conseguia equilibrar todos os afazeres de um executivo que se dava ao luxo de ‘sumir’ por quase um mês.

            - Ninguém com juízo tem duas empresas, tão diferentes e distantes, para liderar Jonas.
            -É. Não tenho juízo mesmo, Valquíria. Mas tenho você. – Ele respondeu, simpático. – E isso é ótimo porque preciso que transfira o jantar com cliente de hoje para qualquer outro dia. Marquei algo pessoal para às 20hs.
            - Mas todos os dias das próximas duas semanas estão tomados!
            - Eu não pediria isso se não fosse necessário. Por favor.

            Aquele dia pareceu se arrastar. Ele sentia-se apreensivo e não entendia o motivo. Chegou a pegar o telefone duas vezes com o objetivo de ligar para Emily. Mas percebeu que ela deveria ter feito escala e, caso já estivesse na França, estaria muito cansada e sentindo os efeitos do fuso horário. Decidiu dar-lhe espaço e esperar que ela ligasse quando sentisse vontade.
            Quando a campainha de seu apartamento tocou ele esperava se sentir mais relaxado. Afinal, teria as respostas para as questões que tanto o incomodavam. Mas a apreensão pareceu ainda maior. Bruno cumprimentou-o, aceitou uma dose de bebida e quando finalmente lhe estendeu o relatório, tinha nos olhos um desafio. Ele parecia curioso pela sua reação.



            - Fale, Bruno. Prefiro ouvir a ler. O que Emily faz na tal clínica? A quem ela visita?
            - A Dr. Leonor Silveira, ginecologista e especialista em reprodução humana. Emily é paciente dela há mais de uma década.

            A princípio, pareceu-lhe uma situação normal. Toda mulher visitava seu ginecologista. Lembrava-se de ouvir a mãe e a irmã comentarem sobre a marcação de consultas com certa regularidade. Não havia nada de errado nisso. Então porque Bruno o analisava daquela forma. Deveria haver algo de grave.

            - Não são exatamente consultas de rotina, Jonas. Talvez você deva ler o relatório com calma e atenção.
            - Não. Se quisesse apenas ler um relatório teria pedido para enviar um e-mail e não bagunçado a minha agenda para estar aqui. Diga qual a razão dessas consultas. – O nervosismo tomava conta de Jonas. Emily está doente. – É grave? Câncer?
            - Não, Jonas. Não é nada disso. – O detetive realmente preferia que Jonas lesse o relatório. Era muito íntimo. – Sua...companheira...Emily está fazendo um tratamento de fertilidade. Emily quer engravidar, Jonas.

            Era tudo o que Jonas não previa ouvir. Se tivessem lhe contado que Emily estava doente seria triste, procuraria por ela e lhe ofereceria apoio. Mas não sentiria aquela sensação de traição. Qual seria o plano de Emily? Engravidar escondido e garantir 18 anos de pensão alimentícia? Não, isso não combinava com Emily. Há anos não usavam preservativos e ela lhe garantia tomar anticoncepcionais porque ter filhos não estava nos planos. E ele acreditava cegamente nela. Ele estava confuso. E não gostava daquela sensação. Queria extravasar, gritar. Mas não na frente de Bruno. Então tentou livrar-se do investigador sem saber que mais uma surpresa ainda o aguardava.

            - Preciso resolver isso sozinho, Bruno. Pode ir. Quando Emily voltar de Paris eu a confrontarei e tudo será esclarecido. – Aparentemente estava calmo. Disfarçava bem os sentimentos.
            - Paris? Não...Jonas deve haver um engano. Emily está em seu apartamento. Ela passou várias horas na clínica e dep...

            Jonas passou a ver tudo sob uma névoa de raiva. A péssima sensação de ser enganado fazia com que o ódio tomasse conta de tudo. Emily passou o final de semana todo lhe mentindo que iria para Paris na segunda feira. Ao que parecia, Emily passou os últimos seis anos contando mentiras. E ele, feito um idiota, sendo enganado. Decepção era pouco para explicar o que ele sentia.

            - Saia, Bruno. Quero ficar sozinho. – Foi tudo o que conseguiu dizer.
            - Vá com calma com essas informações, Jonas. Eu paguei um enfermeiro para tirar cópias do histórico médico de Emily. Está tudo no relatório, cada visita, exame, procedimento médico. Estamos falando de informações sigilosas, Jonas. Emily pode nos processar seriamente se isso vazar. Tenha cuidado com o que faz dessas informações. Entendeu?!
            - Suma da minha casa, Bruno! Agora! – Cuidado era a última coisa com a qual contava.

            Quando viu-se sozinho no apartamento, Jonas olhou em volta. Não queria fazer nada tomado pela raiva. Olhou em volta. Viu garrafas de bebida sobre o balcão, o relatório de Bruno sobre a mesa e as chaves do carro ao lado da porta. Era uma decisão difícil. Esquecer tudo no álcool, ler e provavelmente descobrir novas mentiras de Emily ou ir confrontá-la e dizer em seus olhos o quanto ela o decepcionou.
            Deu as costas para o relatório e decidiu ir vê-la. Exigiria de Emily a verdade. Ouviria aquelas mentiras na voz dela. Dirigindo pelos bairros nobres de São Paulo em alta velocidade ele sentia as mãos ferverem em ódio. Raiva de si mesmo por ter acreditado tão fielmente em Emily. Quando chegou ao prédio, o porteiro olhou-o de forma estranha. O conhecia há muitos anos, mas titubeava em deixá-lo passar.

            - Sim, eu sei que a ordem de Emily é não deixar ninguém passar. Avisar que ela está fora. Não é isso?
            - Sim, senhor Jonas. – André respondeu.
            - Mas isso não me inclui. Fique tranquilo. Vim fazer uma visita surpresa. Ela vai adorar.


            Emily chegou da clínica, banhou-se e foi se deitar após tomar os remédios. O procedimento não era doloroso, ao menos não se comparado com as cólicas a que estava habituada. Mas após a anestesia passar por completo, passou a sentir um desconforto. Normal, segundo Leonor, por terem lhe aplicado medicamentos para dilatar o colo do útero. Pretendia descansar e relaxar por dois dias. Seu freezer estava cheio de comidas pré prontas e ela evitaria preocupações. Tudo para passar o melhor possível pela curetagem e em oito semanas iniciar o tratamento para engravidar.
            Apesar das dores e desconfortos, estava feliz. Sentia ter tomado uma decisão difícil, porém acertada. Seu filho seria gerado e ela não estaria mais sozinha no mundo. Sorrindo, cobriu sua cama com toalhas brancas, a mesma cor da simples lingeries de algodão que vestia. Se tivesse algum sangramento, mesmo leve, como era natural, logo perceberia e sua cama estaria protegida. Deitou-se esperando descansar no sono até a manhã seguinte.

            - Emily!!! Eu sei que você está aí!!! Abra essa porta antes que eu a arrombe! – A voz de Jonas, aos berros, despertou-a passava um pouco das 21hs.

            Emily se levantou torcendo para não passar de um pesadelo. Vestiu um roupão felpudo e caminhou pelo apartamento. Era real. Jonas estava esmurrando a porta de seu apartamento. De alguma forma ele havia descoberto sua falsa viagem e veio tomar satisfação. Ela tinha duas alternativas. Podia fingir-se de morta e esperar algum vizinho reclamar para ele ser retirado pelos guardas ou enfrentá-lo. A covardia não lhe agradava.

            - Oi Jonas. Pode entrar. E só para avisar, a campainha funciona bem. É desnecessário tentar demolir minha porta. – Disse assim que abriu a porta e deixou-o passar.

            Emily estava diferente. Enrolada em um roupão, sem maquiagem e com os cabelos bagunçados, ela tinha um aspecto frágil. Jonas percebeu jamais ter olhado para ela assim. Em seis anos juntos ele nunca tinha visto Emily desarrumada. Mas isso não o distraiu do intento ali.

            - O clima está maravilhoso em Paris hoje, Emily. – Disse simplesmente. Procurava algum sinal de arrependimento em seus olhos e não viu nada. – Por quê?
            - Eu precisei de uns dias de descanso, sozinha aqui. Não desejava ver nem falar com ninguém. Então inventei a viagem. Não é nada demais Jonas. Não precisa fazer esse estardalhaço todo por uma mentirinha que não muda nada na vida de ninguém.
            -É, tem razão. Melhor discutirmos as suas outras mentiras. Como talvez planejar engravidar sem me falar! Isso também não vai mudar a minha vida em nada, Emily?!?!? Diga!

            Emily não fazia ideia de como Jonas descobriu. Mas ele parecia saber de tudo. Ou de muito, pelo menos. Seus planos foram por água abaixo. Agora teria de lhe contar toda a verdade e dar adeus ao seu plano. Poderia seguir com o tratamento, é claro. Mas teria de aceitar implantar espermatozoides de um desconhecido. Não de Jonas. Seu bebê não herdaria aquela pele perfeita, nem os olhos azuis de um tom muito especial. Isso lhe entristeceu mais do que deveria.

            - Não! Não vai mudar a sua vida porque EU decidi engravidar do MEU filho. Você não tem nada com isso. Agora saia da minha casa! Já! – Gritar a fez sentir uma fisgada no baixo ventre e quase por reflexo levar a mão até a barriga e curvar um pouco a coluna.
            - Como não? Vai me dizer que teve outro homem durante todo esse tempo? Que fui traído, é isso? E esse homem é o pai do bebê?

            Ao que parecia Jonas não estava tão bem informado assim. Ele estava misturando informações com invenções de sua cabeça e confundindo tudo.

            - Não há outro homem Jonas. – Se era para falar a verdade, que fosse direto e sem rodeios. Tentando se manter mais ereta apesar da dor ela começou a falar. – Eu estou fazendo um tratamento porque não tenho um útero saudável e decidi engravidar.
            - E eu seria o pai sem saber! – Jonas estava quase tão pálido quanto ela.
            - Não! Não seria pai coisa nenhuma! Seria um doador de esperma! Nada mais do que isso. Não iria participar de nada. O filho seria só meu.
            - E quando você iria me contar isso? Deixe-me adivinhar! Quando o bebê já fosse uma realidade a qual eu não pudesse evitar. Então eu receberia uma intimação judicial pedindo pensão alimentícia. Isso é muito baixo, Emily! Como pude me enganar tanto com você!
            - Deixe de ser prepotente, Jonas! Cresça!
            - Crescer?!??! EU?!?! Você mente dessa forma e eu tenho de crescer?
            - Olhe em volta, Jonas! Veja onde eu vivo e me responda se eu preciso do seu dinheiro para criar um filho. – Ela mesma passou os olhos pelo ambiente fino e bem decorado. – Não, Jonas. Seu dinheiro é bem dispensável. Não preciso dele. Nem da sua presença. Precisava apenas do seu esperma.



            - Algo que certamente você não terá. – O golpe foi certeiro e Jonas assistiu Emily ser atingida em cheio. A decepção parecia fazer a dor no corpo ficar mais forte e ela sem perceber encurvou mais a coluna para suportar. Ele percebeu haver algo de errado. – Por que está se encolhendo assim? O que você tem?
            - O que eu tenho? – Muito séria e cansada de mentir, ela foi brutalmente sincera. – Eu fiz uma curetagem essa tarde Jonas. Para amenizar os sintomas de uma doença com a qual eu luto por mais de 15 anos.
            - Que doença é essa? O que é uma curetagem? – Só o nome já parecia assustador.
            - Vá perguntar ao Google, se deseja mesmo saber. Você não é nada meu e não te devo satisfação da minha vida. Agora vá embora. Eu preciso descansar. Então rua! Agora, por favor. E não me incomode mais. Nós não temos mais nada para conversar.

            Antes de sair, porém, Jonas fez a pergunta que vinha lhe incomodando desde que Bruno esteve em seu apartamento.

            - Existe alguma chance de você estar grávida de um filho meu?
            - Não. Nenhuma chance de eu estar grávida nesse momento. – E ele não fazia ideia do quão doloroso era saber disso.
            - Ótimo. Adeus, Emily.



            Quando a porta se fechou Emily seguiu até seu quarto, deitou-se na cama de deu vazão a todo sofrimento em forma de lágrimas. Doía muito. E não era apenas o útero. Ela sofria ao colocar fim daquela forma num relacionamento tão bonito, o mais longo de toda a sua vida. E sofria em desistir daquele sonho tão recente, mas que já criara raízes em seu coração. Sem perceber, ter um filho deles havia tornado-se algo importante. Jonas, no entanto, achou ‘ótimo’ não haver chance dela estar grávida. E como poderia estar se há poucas horas seu útero estava sendo raspado? Agora, se realmente desejasse ser mãe, teria de aguardar oito semanas e escolher a amostra de um doador anônimo. Nunca saberia quem era o pai de seu filho. E ela odiava essa ideia.
            O choro foi se tornando cada vez mais intenso e ela enrolando-se na cama cada vez mais. Era um sofrimento que parecia não ter fim. Estava habituada a sofrer com as cólicas. A dor física lhe era comum. Mas não a sentimental. Nunca criou muitos laços amorosos. Nunca teve muito o que perder. Talvez tenha sido uma forma de se proteger. Mas agora ali estava. Entregue àquela avalanche de sentimentos que ameaçava derrubá-la. Perdida em tantos tipos de dores, Emily demorou a perceber as toalhas e roupas de cama brancas começaram a ficar pintadas pelo vermelho do sangue.

           
           
            Negando-se a se entregar completamente aos instintos Jonas não parou num bar para beber e esquecer da briga com Emily. Esse não era ele. Não era a sua forma de resolver os problemas. Estacionou o carro na garagem de seu prédio tentando convencer a si mesmo que não havia problema. Era o fim de um relacionamento como qualquer outro. Foi direto para o chuveiro na esperança do jato forte e quente lhe apagar algumas lembranças. A voz, o toque, o cheiro dela.

            - Acabou. Não existe mais Emily na minha vida. – Repetia enquanto esfregava a toalha nos cabelos sem a costumeira calma.

            Sobre o sofá de sua sala permanecia o relatório de Bruno. E logo o desafio de Emily se fez presente. ‘Vá perguntar ao Google, se deseja mesmo saber’, ela lhe disse. Automaticamente, uma lembrança de sua mãe lhe veio a cabeça.

            - Virar a página é bom...mas só depois que a gente a lê por completo. - Dizia ela.

            Ele pretendia virar aquela página chamada Emily, mas antes descobriria tudo sobre ela, cada mentira contada nos últimos anos. Com o arquivo em punho e o notebook à frente, Jonas foi desvendando o significado de palavras como endometriose, curetagem e histerectomia. E a cada página lida, mais assustado ficava. Emily estava muito doente. Cólicas menstruais intensas, sangramento e dor durante as relações sexuais. Além disso, aproximadamente a metade das mulheres com endometriose têm dificuldade para engravidar.
            A lista de consultas médicas era imensa, além de muitos exames. E a tal curetagem que ela disse ter feito naquela tarde também já ocorrera anos atrás. Eles já estavam juntos. Como era possível ela passar por um procedimento tão sério e ele não ter percebido? O tempo foi passando e ele seguiu ali, lendo e tentando entender. O relógio continuou correndo e quando percebeu já era madrugada. E uma angústia continuava tomando conta de seu peito.

- Eu só vou conseguir dormir depois de esclarecer tudo isso. Antes é impossível

            Decidido a encerrar aquele relacionamento com um mínimo de respeito, Jonas chegou calmo ao prédio de Emily. Iria esclarecer as coisas, cada mentira dela. Precisava entender onde ele estava quando aqueles exames e consultas todos eram feitos. Precisava entender Emily.

            - Seu Jonas...voltou. – O porteiro não esperava vê-lo novamente. – São 2hs da manhã. Por favor, sem gritos ou os moradores vão reclamar.
            - Sem gritos, eu garanto. Só preciso falar com Emily. Liga pra ela, por favor.
            - Não posso acordar a dona Emily...ela vai reclamar.
            - Interfone, por favor.

            Ninguém atendeu no apartamento. Mesmo após uma longa espera. E Emily sempre atendia, independente da hora. O porteiro sabia, tanto quanto Jonas, que havia algo de errado. Mesmo temendo perder o emprego, confidenciou a Jonas ter chave extra do apartamento. Era ele a molhar as plantas quando Emily fazia viagens longas.

            - Então vamos ver o que há de errado.
            - Eu não quero perder o emprego, seu Jonas.
            - E não irá.

            Ao contrário. Caso pudesse, Emily agradeceria a atitude dele. Mas ela não teve chance porque estava desacordada. Quando Jonas e o porteiro entraram no apartamento não viram nada de anormal na sala. Tudo escuro e organizado. O funcionário do prédio esperou junto da porta, constrangido por entrar num ambiente particular, sem a autorização da proprietária. Jonas conhecia muito bem o lugar e seguiu direto para o quarto. Nunca se imaginou caminhando por ali sem Emily. E nada o preparou para vê-la no centro da larga cama, com os lençóis brancos manchados de vermelho. Emily estava pálida. E, por um momento, pensou vê-la morta. Foi apenas um instante. E mesmo assim pareceu arrastar-se um longo tempo.

            - Emily! Emily! Abre os olhos! – Seu desespero diminuiu quando tocou-lhe o pulso. Estava viva. – Droga, Emily! Não faz isso comigo!

            Mas o nervosismo não o paralisou. Emily precisava da sua ajuda e ele garantiria que ela ficasse bem. Rapidamente olhou pelo quarto e, na falta de algo melhor, pegou um cobertor enrolado aos pés da cama e cobriu seu corpo sujo de sangue antes de pegá-la no colo e sair do quarto.

            - Seu Jonas... – O porteiro olhou-os, confuso, e abriu espaço. Pela palidez de Emily, não foi difícil perceber o que ocorria.
            - Vou levá-la ao hospital. – Jonas disse simplesmente.

            Quando acomodou-a no banco traseiro do carro, Jonas agradeceu o fato de ter contratado um detetive. Tinha o endereço da clínica e, também, os contatos da médica com quem Emily consultava. Difícil seria explicar como justamente ele a encontrará. Mas isso seria uma preocupação para depois de ver Emily saudável novamente. Colocou o carro em movimento na rua deserta e silenciosa da madrugada e discou o número de Leonor Silveira.

            - Emily está com hemorragia. Estou levando-a para a clínica. Encontre-nos lá em alguns minutos. – Falou assim que ela atendeu.
            - Quem fala? – Ela nunca tinha ouvido àquela voz. – Emily Fruett? Ela está tendo hemorragia?
            - Sim, Drª. É melhor correr. – E desligou logo depois. Não tinha tempo nem disposição para dar explicações.

            Quando entregou Emily à equipe médica Jonas não conseguiu dar às costas e retornar para sua casa. Em especial porque se ele saísse, ela estaria só de carinho, de cuidado, de alguém conhecido. Não tinha ninguém para chamar. Até onde sabia, Emily não tinha nenhum parente ou amigo íntimo. Havia dois funcionários do restaurante mais chegados a ela, além de Melissa e Rafael. Mas o casal também eram seus amigos e nunca ficaram sabendo do relacionamento deles. Se soubessem agora, daquela forma, ficariam magoados.

            - Não posso te abandonar aqui, Emily. – Disse a si mesmo enquanto pegava um copo de café e seguia na direção do balcão de atendimento. Tinha consciência de que, na realidade, não desejava nem conseguiria ir embora sem saber do bem estar de Emily. Precisava de notícias. E só resolveria aquele problema contando algumas mentiras. – Boa noite. Eu trouxe uma paciente. Queria informações dela. Seu nome é Emily Fruett.
            - O senhor é familiar dela? Nós só fornecemos informações para familiares. – Uma simpática recepcionista falou.
            - Sou sim. – Jonas mentiu. – Sou noivo dela. Emily não tem família. Eu sou sua família.
            - Ela está em atendimento ainda. Depois a médica poderá lhe dar as informações.

            Demorou muito. Apenas quando o sol já nascia Jonas ouviu seu nome ser chamado por Leonor. Ela tinha uma expressão tranquila e isso de alguma forma o fez se acalmar também. Antes de falar eles se encararam. Havia alguns segredos em jogo.



            - Emily está melhor. O quadro foi estabilizado. – Ela informou lhe estendendo uma cadeira. – Ela ficará bem.
            - Vai ter de ser um pouco mais clara do que isso, Drª. Eu encontrei Emily envolta em sangue. Não pode simplesmente me dizer ‘ela ficará bem’.
            - Eu serei bem clara com Emily quando ela acordar. Até onde sei, é sozinha e ninguém se responsabiliza por ela, como o senhor informou no formulário da clínica. Você mentiu. - Ela percebeu pegá-lo de surpresa. - Deixe-me dizer uma coisa, além de médica, sou amiga de Emily. E sei que ela não é noiva de ninguém.

            - Então eu também lhe direi uma coisa, Doutora: fazer inseminação artificial sem autorização do doador é crime. O plano que Emily vinha armando, com o seu auxílio, para engravidar de um filho meu, sem meu consentimento, foi descoberto. E claramente esse tratamento não deu certo! Ou ela não estaria internada aqui! Então é muito bom me contar tudo. Agora!

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