domingo, 12 de abril de 2015

Alguém Para Amar - Capítulo 1


            O voo de Milão até São Paulo foi longo, cansativo e cheio de turbulências. Foram 12 horas. E, curiosamente, o tempo costuma passar mais lentamente quando você está triste. É como se o destino conspirasse para alongar o sofrimento.
            Emily pegou sua mala, encarou a fila para o táxi e quando finalmente chegou em casa, atirou-se no sofá e entregou-se ao sentimento de solidão. A casa tinha o cheiro característico de um lugar fechado por vários dias. De um lugar sem vida. Era o fim de uma tarde de domingo e não tinha ninguém esperando-a. Isso raramente a incomodava. Hoje era um desses dias.
            Sua vida estava longe de ser vazia. Construiu uma história linda ao longo dos seus 37 anos. Saída de um simples orfanato no subúrbio, dedicou-se aos estudos integralmente e, como bolsista, cursou todo o ensino médio numa escola reconhecida. O objetivo? Ter as melhores notas para conseguir estudar gastronomia em Paris. Seu grande sonho tornou-se realidade. E quando tornou a colocar os pés no Brasil, já não era uma menina qualquer. Era uma mulher de 25 anos, com formação e especialização em cozinha internacional. Abriu seu restaurante, firmou-se no mercado de alta gastronomia e hoje é uma das chefes de cozinha mais renomadas do país.

            - Eu tenho uma vida maravilhosa. Não é Milla? – Ela disse abrindo a mala e pegando a velha boneca de pano a acompanhá-la há décadas. - Para quem saiu de um orfanato, nós fomos longe. Quantas bonecas conhecem Milão e Paris?



            Milla era uma simples boneca feita com cabelos de lã amarela. Nada mais do que um presente, humilde, simplório, mas que representou muito no tempo em que não tinha nada. E ela jamais se desfez de Milla. Nem iria. A boneca era sua companheira. Acompanhava-a nas viagens, ouvia seus lamentos e comemorava suas vitórias.
            O próximo item a sair da mala foi a agenda. Sim, ela tinha um celular moderno, tinha um tablet fantástico, mas gostava de contar com uma agenda incapaz de deixá-la na mão porque a bateria estava terminando. Olhou seus compromissos e um em especial a fez seu humor descer alguns degraus.

            - Fazer o que? Milla, você tem sorte de ser uma boneca. As mulheres sofrem bem mais.

            Mas um leve sorriso surgiu em seus lábios quando percebeu outro compromisso. Ela e Jonas tinham um jantar marcado para amanhã a noite e como não era apenas prazer, mas também negócios, ele não iria adiar. E, o melhor, ficaria menstruada somente em duas semanas. Ainda não tinha nem sinal das cólicas. Podia ligar para ele e perguntar se não desejava vir ali vê-la naquela noite mesmo. Mas seria bancar a desesperada, afinal nem desfez a mala. E não era uma dessas mulheres dependentes. E, além disso, nem sabia se Jonas estava em São Paulo ou se tinha ido para Bento Gonçalves.

            - Se foi, é bom me trazer algumas daquelas garrafas de vinho maravilhosas. Aí a gente bebe antes de ir pra cama.

            Sim, o sexo com ele era bom. Muito bom. E lá se iam seis anos de relacionamento. Um relacionamento diferente do que a maior parte das pessoas considera ideal, é verdade. Mas capaz de mantê-los satisfeitos por todo esse tempo. Conheceu Jonas no casamento de sua melhor amiga, Melissa. Há 10 anos Mel, como gostava de ser chamada, uniu-se a Rafael Gomide, amigo e já sócio de Jonas. Ambos são engenheiros civis. Mas naquela noite ela foi apenas apresentada a Jonas e, mesmo percebendo todo seu charme e beleza, nada ali teve início. Naquela época ele tinha uma namorada e ela preferia não se apegar a ninguém.
            Tudo começou a mudar quando, quatro anos depois, conheceu outro lado de Jonas. Ele não era apenas sócio de uma construtora, era também um especialista em vinhos e administrador de uma vinícola familiar, localizada no interior do Rio Grande do Sul. Veio lhe propor uma parceria. Desejava colocar seus vinhos na carta do restaurante. Ela não resistiu ao sabor da bebido, nem ao dele.
            Nos últimos anos acumularam bons momentos. Todos sexuais. Sem nenhum outro envolvimento. Sem cobranças. Sem planos de futuro. Sem problemas. Sem complicações. E, principalmente, sem emoções. Essa era a regra daquele relacionamento. Seria estritamente sexual. Ela fazia suas viagens, ele as dele. Ela trabalhava até tarde, Jonas seguia sua rotina agitada de duplo empresário. E quando as agendas de ambos permitiam, relaxavam nos braços um do outro no melhor sexo de suas vidas. Depois despediam-se amigavelmente sem ter uma relação a discutir. Era simples. E funcionava.



            - Um banho de espuma, uma taça de vinho e a minha coletânea de músicas favorita ao fundo. Eu não preciso de mais nada.

            Sua consciência, no entanto, parecia provocá-la e, em deboche, perguntava ‘a quem você pensa enganar?’. Nem tudo estava bem como há seis anos. Ou como há um ano. Já não era uma jovem. Seu corpo mudou, seus desejos mudaram. Sua vida estava mudando a cada instante.


___ § ___

            Jonas começou sua manhã de segunda-feira conferindo os compromissos do dia. Eram vários e se estendiam até a noite. Como sua secretária, na verdade muito mais do que isso, talvez ‘assistente para todo e qualquer assunto’ fosse melhor, a doce e maternal Valquíria, sempre dizia, ele precisava aprender a deixar minutos livres no dia. Era necessário. Mas ele ainda não tinha aprendido isso. E com duas empresas era praticamente impossível. Começaria aquela segunda reunindo-se com seus sócios. Rafael e Juliana seguravam a empresa quando ele precisava se afastar e dar atenção ao seu outro negócio, mas aquela empresa também era dele e dedicava-se a ela.



            Depois, às 12hs teria um almoço de negócios com um cliente da construtora e às 14h30min iria se reunir com o designer que preparava os novos rótulos da Vinícola Vicentin. As 17hs tinha reservado 30min para um assunto pessoal, em seu escritório, rapidamente, antes de atender a outro cliente. As 21hs seria o momento mais divertido do dia. Teria um jantar de negócios com Emily. E, terminados os negócios, poderia atirá-la sobre qualquer superfície plana e lembrá-la de porque há seis anos eles estavam juntos.
            Emily era a sua mulher ideal. Não lhe cobrava nada. Só dava. Emily oferecia espaço, tempo e silêncio. Coisas que as mulheres pareciam ter dificuldade em entender o quanto um homem necessitava. Mas recentemente ela parecia estar lhe dando espaço demais. Quando iniciaram o relacionamento, encontravam-se três noites por semana. Normalmente nas quartas, sextas e sábados. Mas ela sempre exigia uma semana para si.

            - É o meu final de semana com as amigas. – Argumentou na época.

            Depois, no entanto, ela lhe confidenciou que era o final de semana de sua menstruação. Num momento raro de intimidade verbal, Emily lhe confidenciou sofrer de severas cólicas. Era um período em que dispensava qualquer companhia, em especial a masculina. Ele respeitou sem fazer nenhum comentário. Não era homem de insistir.
            Mas agora ela vinha se esquivando em mais noites. Primeiro eram compromissos de trabalho, cansaço, agora até viagens. Em completa incoerência, quando encontravam-se ela era a mesma mulher incandescente. Conhecia tão bem o corpo de Emily. Ela respondia no primeiro toque e ele sabia onde tocar. Emily era uma mulher fria e elegante na vida, mas fervorosa e alucinante na cama. Infelizmente, essas ausências dela lhe diziam que talvez aquele relacionamento estivesse chegando ao fim após seis anos.

            - Bom...tudo um dia acaba. – Havia um fundo de insatisfação naquele pensamento.

            Aquele relacionamento tinha apenas duas regras claras. A primeira era ater-se a satisfação sexual, sem envolver família, amigos ou nada mais. A segunda era não envolver terceiros. Quando sentissem desejo por outros parceiros, poriam fim no acordo. E ele começava a cogitar o fato de ser traído por Emily. Essa dúvida estava acompanhando-o nos últimos tempos. Hoje poderia descobrir a verdade.

            - Jonas, seu compromisso das 17hs chegou. Posso mandar o senhor Gutiérrez entrar?
            - Sim, Valquíria. Pode.


            Bruno Gutiérrez era seu conhecido de longa data. Certa vez lhe fez pesquisas de mercado muito completas. Era, porém, um profissional muito discreto num setor difícil. Gutiérrez era detetive particular. Costumava caçar esposas e maridos infiéis, além de fazer relatórios com históricos de executivos. Dossiês vendidos a peso de ouro que podiam confirmar a compra de uma empresa ou derrubar um político em meio a campanha eleitoral. Mas por conhecer o estilo de relacionamento vivido por Jonas e Emily, estranhou o serviço pedido pelo amigo.

            - Pensei tratar-se de um relacionamento aberto, Jonas. – Disse o detetive à época.
            - Nem tão aberto. Não aceito ser feito de idiota.

            Hoje Bruno lhe traria um levantamento dos passos de Emily no último mês. Desejava saber por onde andou e com quem se encontrou. Se havia outro homem na vida da parceira sexual saberia agora e, se não, descobriria o que vinha mudando nela.

            - Boa tarde, Bruno. Só tenho meia hora. Então seja direto, por favor.
            - Como de costume. Jonas. – Ele lhe estendeu um arquivo. O relatório de 20 páginas trazia detalhes que o cliente poderia ler depois. – Sua...parceira, como prefere chamá-la frequenta poucos lugares e relaciona-se com poucas pessoas. É atenta a sua segurança e reservada, dificilmente deixa rastros.
            - Pode ser um hábito de quem esconde algo.
            - Sim, sempre pode. Mas no caso de Emily eu apostaria se tratar do jeito de ser dela. Trata-se de uma mulher fina e objetiva que não olha envolta do que a interessa.
            - Sejamos objetivos nós também. Devo presumir por essa defesa que acaba de lhe fazer que Emily não tem um amante?
            - Bom, Jonas, para ser franco, se você não é marido, noivo ou nem mesmo namorado dela, dificilmente outro parceiro poderia ser enquadrado como ‘amante’.
            - Bruno, você entendeu a pergunta.
            - Sim, entendi. E a resposta é não. Nesse um mês ela não deixou nenhuma indicação de que relaciona-se com outro homem.

            Jonas sentiu-se melhor do que esperava com isso. Ela não tinha outro. Sorrindo por dentro, mas mantendo a dúvida, tentou puxar pela memória as três datas durante o mês em que ela cancelou encontros.

            - Quero saber onde ela esteve nas noites de 3, 16 e 17 desse mês.
            - Em casa. Nos dias 3 e 16 chegou tarde do restaurante e ficou em casa. No dia 17 sequer saiu. Faltou ao trabalho. – Respondeu o detetive após uma rápida olhada nos arquivos.

            Jonas estranhou muito a informação. Emily era muito dedicada ao restaurante. Vinda de baixo, ela valorizava sua fonte de sustento. Era estranho ela faltar ao trabalho. Mesmo assim, deixou isso de lado e seguiu para outro assunto.

            - O que mais tem para me dizer? Que lugares frequenta?
            - Bom, além dos óbvios como alguns bares com a amiga, a casa dos também seus amigos, Srº e Srª Gomide, e, é claro, sua viagem de cinco dias a Milão, Emily foi quatro vezes a uma clínica médica localizada numa área nobre de São Paulo.
            - Clínica? – Isso surpreendeu Jonas. Ela sempre foi tão saudável e vivaz. Não conseguia imaginar Emily doente.
            - Sim, inclusive hoje pela manhã ela esteve lá por 2h10min. Posso tentar descobrir mais a respeito disso. Qual médico a atende e sua especialidade, por exemplo. Mas achei que deveria tentar o meio mais usual primeiro.
            - Qual seria?
            - Irá vê-la hoje, não é? Pergunte como foi seu dia. Talvez ela lhe diga que passou parte da manhã em uma consulta médica.


            Quando a noite chegou, Jonas seguiu para o apartamento de Emily. Era segunda-feira e o restaurante não abria. Normalmente pediam algo para beliscar e ele levava vinhos. Nesses anos, desenvolveram meios de lidar tranquilamente com os negócios e a vida pessoal. Ele iria chegar, ela estaria sexy e elegante como sempre, vestida para negócios. Eles fechariam o preço da próxima remessa de vinhos, as datas de entrega e o prazo de pagamento e, depois, ele a atiraria sobre o sofá e teria o prazer de lhe arrancar um daqueles vestidinhos justos que tanto gostava.



            Dessa vez não foi diferente. A não pelo fato de ficar o tempo todo procurando por mentiras em Emily. E ela era irritantemente convincente. Tinha provado o vinho com o mesmo apresso de sempre, fecharam a compra enquanto ainda comiam. Então era hora do prazer. Finalmente. Mas antes ele fez uma pergunta muito comum aos outros e estranha para eles.

            - Como foi seu dia?
            - O que? – Ele nunca fazia esse tipo de pergunta indiscreta.
            - Perguntei como foi o seu dia. É algo simples. Não precisa esse espanto todo.
            - É...foi bom. Passei o dia todo em casa.
            - Em casa? Não saiu nenhuma vez?
            - Não! – Porque ele insistia nisso?! - Cheguei ontem depois de um voo de 12hs. Queria descansar...para você.

            A comprovação da mentira magoou Jonas. Ela não precisava mentir. Tinham um relacionamento tão aberto que dispensava segredos. E ela escolhia mentir.
            Ele deixou o assunto de lado e puxou-a para seu colo. Abriu sua blusa e colocou os seios médios e firmes para fora do sutiã. Ela era deliciosamente feminina. Uma combinação perfeita de dama elegante com amante sensual. Magra o bastante para ficar bem roupas clássicas e de caimento perfeito e com curvas o suficiente para enlouquecer qualquer homem. E era dele. Há seis anos Emily era dele.

            - Tira a calcinha. Fica nua pra mim.
            - Uau! Cuidado, Jonas. Desfilar nua e na claridade para um homem é para adolescentes, não para mulheres de 37 anos.
            - Você humilha qualquer jovem, Emily. É gostosa pra caramba.
            - Me sinto assim nos seus braços.

            Jonas sabia que aquela súbita timidez não passava de charme. Uma das qualidades de Emily era reconhecer sua beleza e fazer uso dela sem inibições. Ela desfilou nua pelo apartamento. Mulheres mais velhas têm essa vantagem às menininhas. Elas conhecem o próprio corpo e são seguras da sua sexualidade. Sabem o que querem de um homem. O corpo de Emily mandava mensagens claras. Agora, por exemplo, ela deseja que ele a comesse crua e ferozmente sobre o tapete da sala, sem muitas preliminares. Ela estava sedenta, ele também.
            Pouco depois de também despir-se e trocarem algumas breves carícias, Emily caiu de joelhos à sua frente e começou a acariciá-lo com os lábios. Ele suportou bem aquela tortura até ela arranhá-lo com aqueles dentinhos provocadores.

            - Venha cá sua sexy provocadora!

            Ele afastou-lhe as pernas e enterrou-se nela como quem avança em terreno conhecido. Aquele corpo estava mapeado pela palma de suas mãos. Arrancaria gritos dela facilmente. Na primeira investida sentiu ela cravar as unhas em suas costas e abraçar-lhe o quadril com ambas as pernas. Emily gemia baixinho em seu ouvido a cada penetração. Sabia o quanto ela estava excitada. E, como golpe fatal, mordiscou-lhe a parte de trás da orelha.

            - Golpe baixo, Jonas.

            Ela estava enlouquecida. Ele é bom, é gostoso demais e sabe dar o que uma mulher precisa. Nem mais nem menos. E se não fosse o aparecimento do já conhecido desconforto íntimo, uma dor que vinha sentindo nas últimas vezes que transaram, teria alcançado o orgasmo verdadeiramente. Então gritou e fingiu o auge do prazer que tantas vezes ele lhe deu. E sentiu-se feliz quando ele retesou os músculos e despejou-se dentro dela. Jonas esparramou-se em seus braços, suado e cansado. Infelizmente, sua cólica pareceu se intensificar. E ela precisava engolir o medicamento e tomar um banho morno. Então o empurrou para o lado e deixou-se observar a beleza dele por mais um minuto.

            - Desculpe quebrar o clima, mas está na sua hora Jonas.
            - O que? Já? Pensei que nós fossemos tirar o atraso dessa sua semana fora.
            - Eu estou cansada. – Ela levantou-se do chão e no movimento sentiu uma ferroada mais forte no ventre. – Nos vemos na quarta-feira?
            - Sim, pode ser. E na sexta-feira, se for bom pra você. No sábado pela manhã vou para Bento Gonçalves.
            - Eu vou ver e te aviso. – Já vestido ele beijou-a nos lábios antes de sair. – Tenha uma boa semana, Emily.
            - Você também, Jonas.

            Quando viu a porta se fechar Emily correu para a cozinha e pegou sua caixa de remédios. Ela vinha crescendo cada vez mais e analgésicos fortes passaram a ser guardados ali. Infelizmente não podia lançar mão deles nessa noite porque tinha bebido vinho. Então pegou algo mais suave, rezou para fazer efeito e correu para o banheiro.
            Jonas saiu pela portaria irritado. Até o porteiro olhou-o de modo estranho. Ele não deveria ter saído tão cedo. Saía frustrado. Não sexualmente. Tinha se satisfeito no corpo dela. Mas frustrado como homem. Agora percebia que Emily não teve prazer. Ela fingiu o orgasmo. Talvez para agradá-lo. Por quê? Talvez por desejar outro homem. E há quanto tempo vinha fazendo isso? Esse tipo de tormenta arrebentava com o ego de qualquer homem. Pegou o celular e tomou a única atitude que lhe pareceu possível.

            - Oi Bruno, boa noite. Quero que aprofunde a investigação. Quero detalhes do que acontece com Emily. O quanto antes melhor.

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