domingo, 15 de março de 2015

Vidas Ocultas - Capítulo 19



Foram tempos de muito trabalho para todos. Beatriz começou a apuração de sua matéria por traficados que conseguiram escapar e retomar suas vidas. Rastreando as redes sociais, conseguiu entrar em contato com um rapaz, gay, que jura ter conseguido escapar de uma quadrilha durante a conexão do voo para Malásia. A história beirava o inacreditável.

            - Eu percebi que tinha algo errado. A troca de olhares, o discurso ensaiado. Era tudo muito certinho. Eu sou do interior de Santa Catarina e o voo teve escala em Brasília. Lá, na hora de entregar o passaporte eu tive um pressentimento...fiquei tão nervoso que acabei levantando suspeitas. A policial percebeu minhas mãos tremendo e desconfiou. Eles foram presos na hora. Devem ter saído logo depois, não sei. Me mudei para Minas Gerais e levo uma vida discreta. Nunca mais cruzei com eles. Sorte minha. Se tivesse embarcado, teria terminado me prostituindo pra caras que tem esposa em casa, mas pegam homem na rua.



            Ele pediu para não ser identificado em sua matéria e Beatriz entendeu suas razões. Devia morrer de medo de ser encontrado por aqueles homens. Depois ainda contatou uma mulher, que, já na facha dos 50 anos, tinha uma história de início similar e final bem diferente. Naná, como gostava de ser chamada, passou dois anos como escrava de um homem na Rússia.

            - Ele me torturava psicológica e fisicamente. Fazia-me pensar que não passava de um ser inferior a quem ele mantinha viva por piedade. E, como agradecimento, eu devia satisfazê-lo sexualmente das formas mais humilhantes.
            - E como você conseguiu retornar ao Brasil?
            - Numa noite ele me feriu muito após beber. Eu fiquei apavorada e quebrei uma garrafa em sua cabeça. Saí correndo. Já tinha descoberto onde ficava a embaixada e aprendi um pouco de russo. Pedi por socorro e consegui ser deportada.
            - Você não me pediu para esconder a identidade e organiza campanhas contra a prostituição e o tráfico de pessoas. Não sente medo? – Bia sentia um profundo respeito pela coragem daquela mulher.
            - Não. Se eu me calar, mais vítimas existirão. Mais filhas sendo tiradas de suas famílias, mais crianças sendo exploradas, mais jovens mortos. Eu não me calarei.
           
            Ouvir pessoas como Naná, conhecer sua existência e contar esse tipo de história era uma das grandes alegrias de Bia como jornalista. Isso sim era uma mulher forte, com garra e força para reerguer-se após ser explorada por uma quadrilha e espezinhada por um homem que sequer era merecedor de ser chamado assim.
            Há 20 anos, quando retornou ao Brasil, traumatizada e revoltada, Naná optou por não se entregar à dor. E fundou uma ONG de apoio a vítimas da exploração sexual. Através dela, Bia conseguiu dados impressionantes sobre a saída de pessoas do país com foco na indústria do sexo. Era um submundo imenso, trágico e quase invisível para o restante da sociedade.

            - São milhares. E ninguém pensa no depois. Essas meninas e meninos vão antes de completar 20 anos...e aos 30 estão com seus corpos destroçados por uma vida de abusos físicos, drogas e álcool. Quando seus corpos não são mais úteis, os descartam como se não passassem de lixo.

            Naná lhe forneceu contatos e nomes. Isso, junto com o endereço fornecido por Liz, colocou-a na trilha da quadrilha. Não era a única a atuar em São Paulo, mas, segundo Naná, era a que mais fazia estrago e há vários anos.

            Beatriz foi ao encontro deles em duas frentes. Primeiro seguiu a dica de Naná e contatou um homem conhecido como Caleb. O apelido poderia dar a entender se tratar de um imigrante árabe. Engano. Tratava-se de um nome tão falso quando as mentiras contadas por ele para enganar suas vítimas. Loiro, com pele e olhos claros e no mínimo 1m90cm, ele ostentava uma aparência européia.



Viu-o pela primeira vez numa boate. Observo-o à distância por bastante tempo e depois seguiu-o. Planejava ficar de tocaia durante toda a noite e verificar se ele tinha algum envolvimento com o esquema de prostituição local. Viu-o circular por uma rua repleta de garotas e travestis. Falou com algumas, pegou dinheiro de outra. De longe, Bia filmou-o. Agora já tinha provas pra sua matéria investigativa.



Mas precisava falar com ele. Então trocou sua calça jeans, camisa e blazer, praticamente seu uniforme de trabalho, por roupas que combinavam com a tarefa que cumpriria naquele momento. Um vestido negro de renda decotada a fazia passar quase despercebida na rua de livre consumo sexual. Ali mulheres semi vestidas era a regra. Estavam expostas como peças de carne num açougue. E ela não demorou a se integrar com o lugar...e a chamar a atenção de Caleb.

- Essa zona tem dono, garota. – Ele não tardou a se aproximar. – Vai ter de encontrar outro ponto.
- E o dono é você?
- Sou o administrador. Controlo a área. Sem autorização, você não pega cliente aqui. É nova no mercado? Trabalha pra quem?
- Pra mim mesma.
- É? Tudo bem...mas vá procurar outra esquina.
- E se eu quiser ficar aqui?



Ele aproximou-se rápida e bruscamente e Beatriz assustou-se. Por um momento, pensou em sair correndo. Mas ficou ali, mantendo-se no personagem, ciente do gravador preso em sua calcinha e registrando cada palavra do homem.

- Vagabunda pra trabalhar aqui tem que colocar dinheiro na minha mão, Entendeu? Sai daqui agora ou eu te dou uma surra pra nunca mais esquecer. Fui claro?

Ela foi embora com uma maravilhosa prova para sua matéria. Aquela reportagem seria explosiva. Mas já era tarde e precisava ir para casa ver sua filha. Então deixou o restante para outra noite.
Caleb também não ficou ali muito tempo. Tinha mais o que fazer do que controlar aquelas mulheres. Ali era apenas um braço pobre do seu negócio. Era obrigação dele recolher os lucros das ‘agenciadas’ da região enquanto os chefes cuidavam das que iam bater ponto fora do país. Mas aquilo era pouco para ele. Então sempre tinha negócios. Outras fontes de renda. Atualmente, Miguel Benitez era seu fundo infinito de recursos. E estava na hora de fazer mais um saque. Fez a ligação de um telefone comprado naquela tarde.

- Olá, meu caro amigo. - Disse assim que ouviu Miguel atender com uma leve desconfiança na voz.  – Espero que tenha sentido minha falta.



Elizabeth acordou-se com um sobressalto. Instintivamente, esticou o braço buscando pelo corpo de Miguel. Encontrou lençóis frios. Ele não tinha vindo repousar ainda e o relógio já marcava quase uma da manhã. Já estavam há quase duas semanas vivendo na casa dos Benitez, após a lua de mel. Nesse tempo, tiveram dias felizes, noites quentes e momentos agradáveis em família. Duas coisas, porém, continuavam a incomodá-la. Uma era o desagradável costume de Rúbia intrometer-se em tudo. Não bastava ter o controle da casa, ela deseja mandar nos moradores também.

- O jantar foi servido há uma hora, Elizabeth. – Disse-lhe numa noite em que chegou tarde. - Eu agradeceria se você voltasse para casa a tempo de conviver com a família. Ter a mesa de jantar completa sempre foi uma tradição nesse lar.
- Ainda bem que tradições, ao contrário das leis, podem ser desobedecidas. Eu estava trabalhando.
- Por isso acho que após casada a mulher deve dedicar-se ao lar e aos filhos.
- Sugestão anotada...e descartada, minha sogra. – Elizabeth respondeu quando sua sogra insistiu. – Devo lembrá-la de que não pretendo ser mãe?

Mas havia, ainda, algo mais desagradável. Era a tendência dos Benitez em manter Alejandra na família. Naquela família a palavra ex parecia ter outro significado. Para Elizabeth se estavam separados, Miguel e Alejandra não tinham mais de conviver. Era desagradável e constrangedor. Além disso, aquela mulher vivia em Madri! Porque vir tanto ao Brasil? Irritou-se e forçou Miguel a dizer não a mãe quando Rúbia ‘comentou’ no jantar que convidaria sua antiga nora para vir passar uns dias lhe fazendo companhia.

- Eu não aceito, Miguel. Isso é uma provocação da sua mãe! Ainda vai fazer um mês que Alejandra esteve no Brasil para o nosso casamento! Ela não trabalha não?
- Sim, tem consultório particular em Madri. E por isso controla sua agenda.
- Pobres pacientes!
- Liz, Alejandra e mi Madre são amigas há anos e...
- Ótimo! Mas eu não quero que sua ex fique aqui. Se ela se instalar nessa casa, Miguel, eu sairei. Entendeu?
- Está bem. Falarei com mamãe. – Ele beijou-a e encerrou o assunto, mudando para outro que Liz também não considerou muito agradável. – Preciso comparecer em um baile de gala na noite de sexta-feira. Você precisa me acompanhar.
- Não tenho escapatória?
 - Não mesmo.

Ela tentou organizar-se para conseguir comprar o vestido a tempo e arrumar-se para o evento sem prejudicar seu trabalho, mas não foi fácil. Teve de aproveitar seu horário de almoço para encontrar um traje adequado. Tinha dúvidas sobre sua compra, mas não pode perder mais tempo com aquilo. Para piorar a situação, atrasou-se por conta de uma diligência para prender um estelionatário e perdeu o horário no salão de beleza. Conseguiu arrumar-se e seguiu com Miguel para o baile. Ele foi carinhoso ao recebê-la, disse que estava linda, mas estava frio. Certamente desgostoso por seu atraso. E Elizabeth reconhecia a razão dele. Miguel raramente lhe pedia algo e, quando pediu, ela falhou com ele. Para piorar, ela passou a noite sentindo-se desconfortável com aquele vestido.

- Ele é decotado demais. Mantenha os ombros retos. Se não tiver postura, o vestido mostrará o que não deve. – Ele lhe aconselhou.



Ela sentia-se muito mais a vontade com seu revólver no coldre e distintivo na mão. Ter de ostentar roupas de luxo para pessoas que na verdade sequer conhecia estava longe de ser seu sonho de noite agradável. O drama ficou completo durante a volta para casa, ainda no carro, quando Miguel checou seu celular e verificou os alertas. A internet já estava cheia de fotos deles no evento. Em especial de sua esposa, em ângulos muito ruins. Mal ajustado ao corpo, o vestido deixou seus seios à mostra.

- Merda! – Miguel gritou no carro.
- O que? Deixa eu ver! – Ela lhe tomou o celular das mãos apenas para ter o rosto ruborizado de vergonha. – Eu não...não imaginei que estivesse assim. Desculpe-me.
- Existe um motivo, Liz, para que as mulheres do nosso meio social usem o serviço de estilistas nesses eventos. Você pode julgar isso uma atitude de mulheres fúteis e sem mais o que fazer, mas evita que seus maridos vivam situações constrangedoras como essa.
- Eu já pedi desculpas.
- O que não resolve o problema. Amanhã eu encararei os executivos sabendo que todos eles viram os peitos da minha mulher. Infierno! ¿Por qué no se comporta como una dama?

Mesmo após as palavras duras, não ficaram brigados. Assim que entraram no quarto Miguel fez questão de tirar de seu corpo o vestido da discórdia e rasgá-lo em diversos pedaços. Depois beijou a pele clara de seus seios.

- Não quero ninguém cobiçando o que é meu. E você é toda minha, Liz. Eu te amo.
- Mesmo quando te irrito com meus peitos estampados por aí?
- Mesmo. Até porque esses peitos são meus. Eles podem apenas cobiçar.


A crise do vestido foi deixada de lado dias depois. Liz também achou bem desagradável voltar ao trabalho no dia seguinte e ouvir comentários sobre ela aos cochichos nos corredores. Jurou para si mesma que para os próximos eventos encontraria tempo para escolher corretamente o traje. Agora vivia sob desagradáveis holofotes. Precisava tomar cuidado.
Com o tempo, no entanto, uma foto em site de fofocas tornou-se o mais dispensável de seus problemas. Junto de Rebecca investigou Louis e suas atitudes perigosamente no limite da lei. O advogado trabalhava para os Benitez há muitos anos e como a maior parte dos profissionais do direito, costumava usar a lei ao seu desejo, seja impondo-a ou procurando por brechas. Ao menos ficaram felizes ao verificar que não havia nenhuma indicação dele estar envolvido em assassinatos ou outros crimes graves. No geral, Louis defendia criminosos de colarinho Branco. Porém, ele fazia favores a Miguel e um deles irritou muito Elizabeth. Ela não demorou muito para perceber que vinha sendo seguida. E encurralou o par de homens vestido casualmente junto a um terreno baldio. Rebecca e Fred a acompanhavam.

- É bom vocês explicarem direitinho porque me seguem. Agora. Ou vão direto para a delegacia. – Não eram bandidos. Liz percebeu isso desde o início. Eles tiveram oportunidade de lhe fazer mal. Então, se não aproveitaram, sua presença tinha outra explicação. – Quem vai abrir o bico?
- Eu sabia que isso não ia dar certo! – Disse um dos grandalhões. - Defender quem não quer ser defendido é impossível!
- Cala a boca! – O outro respondeu. – Louis disse que ela não devia saber.
- Louis??? O advogadozinho? – Elizabeth começava a entender e não gostava nada daquilo. - Ele contratou você pra que exatamente?

Silêncio profundo.

- Prestem a atenção, perseguir uma policial federal pode gerar problemas sérios pra vocês e nem Louis virá tirá-los do xadrez!
- Seu marido nos mandou para impedir que alguém lhe sequestrasse. Pronto. É isso.

Elizabeth ficou em choque. Primeiro por ser enganada por Miguel. E também por se perguntar quais indícios o faziam temer por um sequestro.

-Sumam da minha frente!

Ela cobrou Miguel por mais aquela mentira. Mas não resistiu a sua doce explicação. Segundo Miguel, somente a vaga hipótese de alguém tentar feri-la já era dolorosa o bastante para fazê-lo lançar mão de qualquer atitude que pudesse deixá-la segura.



Terminaram, mais uma vez, esquecendo os problemas na cama e gritando nos braços um do outro. Independente do que acontecia na vida, dos problemas e dos desafios do casamento, reconheciam no outro o amor e o desejo.
Era essa certeza que fazia Liz não conseguir fechar os olhos e voltar a dormir sem ir atrás de Miguel pela casa. Ele estava no escritório, provavelmente lendo algum relatório financeiro. E perdendo preciosas horas de repouso. Às vezes Elizabeth pensava em como seria bom caso Miguel fosse apenas um médico que atende em hospital. Esse, além de ser o seu verdadeiro sonho, tiraria um grande peso das suas costas. Ela deixou a cama e foi procurar pelo seu homem.

Miguel não estava lendo um relatório financeiro. Estava olhando pela janela enquanto bebia sua terceira dose de vodka da última hora. Aquele homem tornou a lhe telefonar. Queria mais dinheiro. Agora seu preço era 1 milhão de reais. Até quando? Não podia continuar à mercê de um bandido e expondo sua família ao desejo daquele homem. Sem alternativa, confirmou o pagamento para a noite seguinte num parque da cidade. Logo depois ligou para Louis. Ele contrataria pessoal especializado e em 24hs estaria livre daquele homem.

- Miguel...é tarde. Vem pra cama. – Quando viu o copo Liz entendeu que algo grave ocorria. – Se abre comigo, por favor. Diz qual o problema.
- Não é problema, Liz. É solução. Vamos pra cama.


Elizabeth já tinha aprendido que bater de frente com Miguel não era a melhor estratégia. Precisaria descobrir por seus próprios meios e esses, infelizmente, incluíam atitudes consideradas erradas por ela. Quando Miguel largou seu celular no móvel ao lado da cama e foi tomar banho, ela o pegou e verificou os registros. Ele tinha recebido uma ligação de número confidencial e logo depois ligou para Louis e teve uma longa conversa com o advogado. E menos de dez minutos após, ainda enviou uma mensagem de texto afirmando que ‘teria o dinheiro logo após ao meio dia’. Isso tudo provavelmente antes de encher a cara com vodka. Ela sentiu o cheiro da bebida em seu hálito.

- Você não me deixa alternativa, Miguel. – Ela disse para si mesma enquanto mandava uma mensagem por WhatsApp para Rebeca.

[Precisarei de você amanhã. Coloque vigilância em Louis. Quero saber cada um de seus passos.]

Elizabeth passou a manhã seguinte apreensiva. Sabia que havia algo grave no ar e sentia-se impotente. Não estava em suas mãos ajudar porque seu marido lhe negava essa possibilidade. Rebecca informou estar tudo normal com o amigo e advogado de Miguel. Ele tinha passado a manhã numa audiência no tribunal.

- Ótimo. – No fundo ela torcia para tudo não passar de paranóia.
- Mas eu liguei pra secretária dele e, estranhamente, ele cancelou toda sua agenda da tarde de hoje...e também um jantar com clientes.
- Ok.
- Você não vai sair? Não era hoje o almoço de casais?
- Ai droga! Esqueci! Fiquei de me encontrar com eles lá. Espero que Miguel lembre disso!


Miguel lembrava-se do almoço. Encontraria Willian e Beatriz; e Patrícia e Matheus, além de sua esposa. Seria bom rever a todos e, por alguns minutos, não pensar em chantagens ou crimes. Marcaram em um restaurante especializado em comida italiana, adorada por Willian e Matt e apenas apreciada por ele. Mas não importava. Apenas ter Liz em seus braços por duas horas sem se preocupar com nada além de ser simpático com os amigos era delicioso.
Beijou-a assim que ela chegou, poucos minutos atrasada. Sentia sua felicidade escondendo um toque de apreensão. Hoje já a conhecia um pouco melhor. Liz não era mais uma incógnita. Via em seu olhar o que estava sentindo. E desejava ver amor naqueles olhos para sempre.
Logo todos à mesa foram distraídos por Beatriz que contava com entusiasmo sua investigação jornalística. Ela estava indo fundo e já tinha visitado o endereço cedido por Tom. Segundo ela, o lugar era realmente assustador.

- Falei com vítimas, com um cara da quadrilha chamado Caleb e estive no lugar onde são aliciados. Só vendo para acreditar.
- E tem provas de tudo o que irá publicar? – Matt preocupava-se com a amiga.
- É claro! Tenho gravações de áudio e imagens, além de fotos do Caleb arrancando dinheiro das mulheres. A matéria sai em dois dias e vai sacudir com eles!
- Tome cuidado. – Paty lhe disse em voz baixa, quase num sussurro.

Eram apenas duas palavras. Todos na mesa tinham vontade de pronunciá-las, mas, vindas de Patrícia, tinham um peso maior. Ela tinha sofrido aquilo e sabia o quão perigoso poderia ser. Naquela frase tinha, ainda, espaço para orgulho e gratidão. Aquela matéria era um grão de areia num mar de exploração sexual, mas representava mais um passo no caminho para por fim naquele tipo de crime.

- Assim que sair a matéria, vamos estourar a quadrilha, assim Tom não perde o acordo com o delator. Pegamos os peixes pequenos com sua reportagem e o chefão continua no nosso radar
- Ótimo! – Seus olhos brilhavam em entusiasmo. – E a minha matéria ganhará destaque nacional! Talvez internacional!
- Por mim, você não estaria mexendo nisso. É perigoso demais. – Willian opinou.
- Eu sou jornalista, Will.
- É...eu sei. Mas não me agrada.
- Bem vindo ao meu mundo, Willian. – Miguel brincou. – Passo meus dias preocupado com Elizabeth. Esperto foi Matheus. A mulher dele passa os dias no escritório, segura, ao alcance de seus olhos.

Sim, Matheus não poderia estar mais feliz. Viveu nas últimas semanas com Patrícia o mais próximo da felicidade plena que alguém, na terra, poderia vivenciar. Melhor só se for no céu, ao lado dos anjos. Se bem que não trocaria sua namorada por paraíso algum. Ela era o seu ideal de perfeição.



Tão perfeita que passou as últimas duas semanas tentando lhe provar que aquele relacionamento não seria baseado em sexo. Poderia soar estranho para qualquer casal na faixa dos vinte anos, mas, mostrar para Patrícia que nem apenas de prazer se fazia um relacionamento lhe era importante. Ela tinha de se sentir amada, antes de desejada. Muitos homens, mais do que gostava de lembrar, já tinham lhe dado prazer. Ele lhe daria amor e a ensinaria a valorizar o próprio corpo. Um corpo lindo, ao qual ele vinha duramente resistindo.
Não que Patrícia tivesse escolhido esse tipo de tratamento caso Matt tivesse lhe dado escolha. Ao contrário, sentia o corpo ferver por ele. E queria, finalmente, poder unir sexo e amor, desejo e sentimentos, na cama de um homem. Mas vinha lhe tratava como se fosse de porcelana. Quando foi ao banheiro retocar a maquiagem, queixou-se para Bia.

- Com muito custo e algumas taças de vinho eu arranquei dele um amasso!
- Aaaa Paty, é bonitinho. Ele quer ser respeitoso. Quer namorar pegando na mão e fazendo carinho. Matt sempre fez o estilo cavalheiro!
- Podia pegar na mão e em todo o resto! – No final, ambas riam da tragédia sexual de Patrícia.

A almoço chegou o fim e não passou despercebido de Liz o fato de Miguel ir ficando mais nervoso com o passar do tempo. Quando levantou-se para ir embora, sua mão tremia ao pegar o celular.

- Pegarei uma carona com você, Miguel. Deixei meu carro na central de polícia.
- Não...não posso, Liz. Tenho que passar no banco e...
- Porque o nervoso? Até parece que vai pagar uma conta em atraso.
- Eu...estou atrasado Liz. Desculpe-me. Você pode pegar um táxi. Não pode?

Ela podia e, apesar de Matt se oferecer para levá-la, pegou um táxi rapidamente e seguiu o marido. Para sua surpresa, ele realmente entrou no banco. E, pasma, observou Louis entrar pouco atrás. Quando saíram, não mais do que quinze minutos depois, Louis carregava uma mala. E Elizabeth já imagina a quantidade de dinheiro estava ali. E certamente não era para nada legal. Tinha poucas alternativas. Podia interceptá-los e usar do seu distintivo para obrigá-los a falar ou ainda explicar a origem daquele dinheiro. Provavelmente era retirado da conta pessoal de Miguel ou da BTez, mas serviria para atrasá-los. Mas não desejava fazer isso. Lhe traria problemas na polícia e envergonharia Miguel.
Então correu para a polícia a fim de adiantar suas obrigações sabendo que Louis estava sendo monitorado por Rebecca. Mas no meio da tarde não agüentou a apreensão. Precisava descobrir o que se passava. As 18hs, quando ainda estaria organizando sua agenda para o dia seguinte na polícia, encontrava-se em casa, vasculhando as coisas de Miguel. Tudo. Mexeu em suas coisas no quarto, olhou os bolsos de cada paletó, vasculhou todos os seus pertences, inclusive os arquivos de seu notebook. Não encontrou nada. Então verificou o escritório. Gavetas, armários, caixas e documento por documento.
Olhou para o relógio que já marcava mais de 20hs e se perguntou quando Miguel chegaria. Estava prestes a descobrir o que se passava. No fundo de uma gaveta encontrou um envelope e nele viu fotos suas, nua, ousadas e que fariam as do vestido decotado parecerem discretas. Ela aparentava naquelas imagens exatamente o que se fazia passar, uma prostituta de rua. Um breve bilhete exigindo dinheiro a fez entender tudo. Miguel realmente vinha sendo chantageado e a culpada era ela.
Nervosa, deu um pulo quando seu celular tocou. Tinha esperança de ser Miguel. Viu se tratar de Rebecca. E nada preparou-a para o recado da amiga.

- Liz...você não vai acreditar...
- Acho que acredito em qualquer coisa, Becca. Fale.
- Seu marido e o advogado estão num parque, na completa escuridão. Eu mesma estou louca para sair daqui.
- Eles vão fazer o pagamento de uma chantagem que Miguel vem sofrendo. Acabo de descobrir tudo.
- Ótimo! Isso explica a mala carregada pelo seu marido...mas...Liz...não explica os homens armados que eu vejo se escondendo em carros próximos ou nos pontos mis escuros do local.
- Merda! Miguel vai fazer uma loucura. – As mãos de Liz tremiam e sua voz asilava. – Chame reforço, Rebecca. Eu estou indo. Seja quem for esse chantagista, precisa ser preso antes que Miguel faça algo de que vai se arrepender para sempre.

Tudo ocorreu muito rápido. E quando Caleb aproximou-se do parque usando um capacete e pilotando uma moto, não fazia ideia de que estava na mira de muitos. A dúvida estava apenas em quem iria abatê-lo. Foi ao ponto de encontro marcado para pegar o dinheiro. Seguiu caminhando agilmente e viu o homem vestindo terno e gravata esperando-o junto a um monumento.
Aquele, no entanto, não era Miguel, como Caleb havia exigido. Quem estava ali era Louis. Miguel estava no parque, mas dentro de seu carro, estacionado numa rua paralela. Louis havia organizado tudo. Ao aproximar-se, o chantagista seria alvejado por um homem escondido nas árvores. Eles fugiriam rapidamente, deixando o corpo para trás. Ele não chantagearia mais ninguém na vida.
Quando Caleb aproximou-se de Louis, no entanto, o atirador não teve tempo de agir. Ao comando de Rebecca, refletores foram acesos pegando a ambos de surpresa. Caleb foi algemado. E Louis sabia que teria muito a explicar. Enquanto isso, Elizabeth entrava sem aviso no carro de Miguel.

- Liga esse carro e toca para casa! Seu chantagista vai para trás das grades, lugar onde já poderia estar, caso você confiasse na sua mulher.

Um silêncio constrangedor tomou conta de carro. Miguel sentia-se envergonhado por aquilo tudo. Havia se envolvido num crime, ou quase, na ânsia de colocar sua mulher em segurança. Mentira atrás de mentira, trouxe mais problemas para dentro de sua casa. Só falaram ao chegar em casa. Ali sim, deixaram a tempestade emocional vir a tona, agora ainda fortalecida por Miguel encontrar o quarto e o escritório revirados.

- Mexeu nas minhas coisas?
- Não ouse me criticar! Mexi sim e mandei investigar você e seu advogado criminoso!
- Era tudo por você! Por você!
- Não! Eu não mandei você se tornar um assassino! – Naquele momento Miguel só via decepção em seus olhos. – Que droga, Miguel! O que faria se a polícia não chegasse? Esperaria o homem morrer, diria parabéns para Louis e viria se deitar ao meu lado na cama? Não é esse o homem com quem me casei!
- Não é assim!
- É sim, Miguel! Merda! Um homem ia morrer hoje por ordem sua! Não negue!
- Não negarei, senhora policial. Pode me levar preso, se quiser, mas aquele homem ameaçava machucar você e foi por isso que eu fiz o que fiz.
- Não! Não! Podia ter me falado!
- Eu sou seu marido! Meu dever é te proteger.
- Eu não quero um marido assassino! – Liza bradava, estava descontrolada.
- E eu não quis uma esposa que sai na rua se prostituindo, mas te amei mesmo assim. E quando um homem a fotografou, decidi resolver o problema para não expô-la a nenhuma humilhação.
- Pois eu preferia a humilhação!
- Eu não! Já pensou a minha mulher vestida de vagabunda nas páginas de revista?!
- Eu nunca quis isso!
- Então não devia se comportar como vadia! Eu fiz o que fiz pra te proteger!
- Não! Fez pra proteger a sua família e o seu sobrenome. – As lágrimas escorriam pelo rosto dela. Sem pensar, Liza pegou a bolsa e as chaves do carro. – Não vou dormir aqui. Não consigo olhar na sua cara nesse momento.

Miguel sequer tentou impedi-la de sair. Com lágrimas deu-se conta de que precisava sair. Um bar. Era no bar onde sempre encontrava a solução de seus problemas no primeiro casamento. Agora teria que reviver o hábito. Seguiu com seu caro e depois instalou-se num lugar que sempre freqüentou. Logo tinha uma garrafa de bebida à sua frente e sequer preocupou-se com o copo.
Estava destroçado. Seu coração doía pelo que fez, pelo que disse e pelo que ouviu da esposa. Ela tinha razão para estar nervosa, até mesmo magoada. Mas ele sentiu falta de alguma compreensão de sua parte. Errou muito, mas o objetivo sempre foi proteger sua mulher. E ela simplesmente ignorava tudo para acusá-lo. Se ela estava decepcionada, ele também. Espera mais apoio da mulher com quem se casou.
Quando a garrafa de bebida já estava com menos da metade, Miguel viu uma mulher se aproximando. E demorou a reconhecê-la, já tonto pelo álcool. Queria muito que fosse Liz. Lhe pediria desculpas e juraria nunca mais fazer nada próximo daquilo. E imploraria para ela vir dormir ao seu lado. Mas não era Liz.

- Miguel, Miguel...tudo bem? – Ele ouvia a voz de Alejandra e sentia-se confuso. – Miguel?
- O que você faz aqui?
- Sua mãe me ligou. Disse que você saiu transtornado de casa. Eu sei os lugares que você frequenta. Cheguei hoje e me instalei num hotel.
- É? Sim...e..e..
- Você está completamente bêbado! Venha, vou te ajudar.
- Ajudar? Como?

- Vou cuidar de você...hoje é meu, Miguel.

NOTA DAS AUTORAS: Não consegui revisar como gosto, então perdoem os errinhos. bjs

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