domingo, 20 de julho de 2014

Vidas Ocultas - Capítulo 3






Informação era uma arma poderosa. O problema era quando não se sabia para onde mirá-la. A fala do tio estava bem clara na mente de Miguel. Ele negava traficar pessoas ou que a empresa servisse para lavar dinheiro sujo. Porém, reconhecia um ‘telhado de vidro’, frágil e exposto às pedradas da investigadora Elizabeth Santos. Telhado esse do qual jamais desconfiou. “Escolha seu lado, Miguel.” Claro que o lado seria o da família. Não jogaria fora o império construído por seu pai. Mas não se orgulhava do que teria de fazer. Correta ou não, teria de encontrar um meio para frear Elizabeth.

Ter descoberto o estranho passado da investigadora fez daquela intrigante e insuportável mulher um ser ainda mais irresistível. Miguel passou o domingo tentando descobrir mais coisas ao respeito da bela e audaciosa investigadora, mas não conseguiu mais nada. Segundo Louis, havia algo mais, algo maior, nem tudo na história dela se encaixava, mas ele ainda não tinha a peça capaz de clarear tudo. Elizabeth ainda era um mistério.

Isso segundo seu advogado. Para Javier, ela era a inimiga. E o tio não escondeu seu desejo de usar a força da empresa para derrubar a policial. Nem que desejassem, no entanto. Ela tinha uma conduta ilibada. A menos que descobrissem algo fulminante o bastante para expô-la a ponto de fazê-la deixar o caso, não via como ‘derrubar’ Elizabeth. Ia ter de calar aquela língua afiada de outra forma.

- Posso pensar em alguns meios. – Disse em voz alta, sozinho em seu quarto.

Ela tinha algo que o atraía. Quanto mais Elizabeth tentava se mostrar superior e agia como se sua fortuna e posição social não a atingissem em nada, mais ele tinha vontade de fazê-la obedecê-lo. Ela, estranhamente, despertava nele um lado mais selvagem.

Passava das 13hs de segunda-feira quando Elizabeth se preparou para iniciar a operação de prisão contra Miguel, no escritório da BTez. Arma posicionada no coldre, algemas preparadas. Fred com ajuda de mais dois policiais lhe daria apoio. Iniciou sua missão.

- Fred está posicionado e o Benitez não saiu para o almoço, está na sede da BTez. Saímos na hora em que você decidir. – Rebecca avisou.
- Já vou.

Os problemas se acumularam e impediram Miguel de ir almoçar. Só pedia para conseguir algumas horas no fim da tarde para malhar e nadar. Precisava gastar de alguma forma toda a energia acumulada. Seria difícil. Javier viajou para tentar acalmar a situação nas outras unidades e ele permaneceu ali. Os acionistas não paravam de questionar sua liderança e os problemas que vinham acontecendo só piora a situação. Não desistiria. Aquele era o seu império.

Ouviu quando o celular tocou. Era Louis.

- Acho que a nossa amiga investigadora está armando alguma coisa. Saia daí. Agora!
- O que? Sair daqui? Por quê? Do que você esta falando Luis?
- Você será preso. Saia da empresa agora! – Era uma ordem.

E Miguel não estava muito acostumado a receber ordens. Nem ia começar a mudar esse hábito.

- Louis, você, meu advogado, está me mandando fugir? Por quê? E o que a investigadora conseguiu para vir me prender? Como soube disso? Fala! Diga logo o que vocês estão me escondendo!
- Já tem um cara observando a entrada da empresa. A investigadora estará aí logo. Não pergunte minha fonte, e nem por quês agora, Miguel! Saia rápido daí!
- Quer mesmo que eu fuja? Não pode conseguir me livrar?
- Oficialmente eu não sei de nada ainda. Não vai ficar muito tempo, a menos que ela tenha algo muito bom. Vou te tirar rápido. Mas essa noite você passará por lá. É fuga ou cadeia. A menos que tenha uma ideia menor.
- Vou ter que conseguir uma. – Não fugiria como um rato.

Elizabeth estava pronta para agir.

- Rebecca, pegue dois homens e leve com você para fechar a saída do estacionamento. Fred venha comigo. Carla e os outros ficam aqui. – Sua equipe sabia que a tranquila investigadora agora ficaria mais dura e compenetrada. Seus olhos ganhavam um brilho mais denso e até a postura ganhava ares menos delicados.

Ela iria à frente e eles a acompanhariam. Para a equipe era um sinal de respeito. Elizabeth era a autoridade superior, era a voz de comando a quem deviam respeito. Já ela tomava o fronte por crer ser de sua responsabilidade. Fazia questão de dar a voz de prisão e fechar as algemas.

- O escritório do Benitez fica no sétimo andar. Quero três homens esperando no rol. Fiquem de olho nas escadas.
- Está realmente achando que ele vai fugir, Elizabeth? Que ele sabe que estamos aqui e vai fugir? – Rebecca perguntou.
- Não acho nada. – Ela foi dura, mas depois se explicou melhor. – Chame de desconfiança ou intuição, não sei o que é. Só que algo me diz que não vai ser simplesmente chegar e prender. – Ela olhou para cada um e deu início a operação.

Elizabeth não era supersticiosa, não acreditava em destino, muito menos em sorte. Mas havia dias em que um arrepio, um sopro distinto, algo lhe dizia: cuidado. Hoje era um desses dias. No portão de entrada da Benitez, antes mesmo de ingressar no pátio do prédio teve uma prévia de como poderia ser uma tarde desagradável. Odiava quando algo não saía como planejado e, para sua surpresa, não fora ela quem foi até Miguel Benitez, ele veio ao seu encontro. Parecendo o rei do universo, saindo calmamente pelo pátio enquanto falava ao celular.



E mais tranquilo ainda, o viu desligar o aparelho como quem vê um amigo e resolve dar atenção.

- Ora, mas que coincidência. A que devo a visita, bela investigadora? Devo dizer que é um prazer?
- Sr. Benitez, não é uma visita de cortesia. Eu vim aqui para prendê-lo – Tirou as algemas do bolso e começou a lhe dar voz de prisão. – Miguel de La Vega Benitez você está...

Ninguém ouviu nada, nem soube de onde veio. A primeira bala estourou no centro do peito de Elizabeth, jogando-a contra um pilar da construção. Quem atirou teve tempo e mira o bastante para acertar em cheio. Houve ainda mais três disparos. Dois acertaram as paredes, o último o braço esquerdo dela.

- Elizabeth! – Rebecca e Miguel gritaram ao mesmo tempo.

Ela estava desacordada e a mancha de sangue crescia na camisa branca. A primeira coisa que Miguel fez foi tirá-la do chão e levá-la para o rol de entrada da empresa. Com ela deitada sobre um macio tapete começou a tirar-lhe a camisa. Ficou satisfeito ao confirmar que Elizabeth estava com um colete a prova de balas.

-Ei! Você estava preso! Tire as mãos dela! – O jovem policial disse.
- Não, Fred. Ele é médico. Pode ajudar Liza. – Rebecca interferiu.
- Obrigada pela confiança, Policial Rebecca. – Lhe deu seu mais doce sorriso. – Além do mais, a investigadora não me deu voz de prisão...ainda. – Tirou a camisa dela e começou a abrir a proteção balística. Elizabeth não usava nada por baixo. – Esse troço salvou a vida dela. Já chamaram a ambulância? Ela vai acordar com uma tremenda dor no peito.
- Sem o colete ela não acordaria. – Rebecca lembrou.
- Isso é verdade. Mas agora vamos tirar isso dela e cuidar da nossa ‘simpática investigadora’. O braço é que me preocupa, não tem porque deixá-la com esse colete. – Ele ia descobrindo-a e Rebecca reclamou sabendo que a chefe não ia gostar da liberdade que o suspeito teve. – Sou médico. Estou sendo profissional.
- Foi só de raspão, não?
- Sim. – Ao deixá-la com o dorso nu, Miguel viu, na parte de baixo do seio, a cicatriz que acreditava jamais tornar a ver em toda vida. Impossível haver duas iguais. – Só de raspão.

 Ali estava a mulher com quem ele transou achando se tratar de uma prostituta. Não era. Era uma policial. Investigadora da polícia federal. Aquela mulher fatal de quem se lembrava e essa nada tinham em comum. E mesmo assim eram uma só. O barulho da ambulância o fez deixar isso de lado. Manteve a pressão sobre o machucado no braço e tentou manter a mente clara e objetiva.

– Ótimo! Chegaram. Venham! Por aqui. Cuidado com ela. É diabética. – Orientou aos paramédicos.

Tudo foi acompanhado de perto pelo Doutor Miguel. Apesar do momento estranho, ele estava confortável no papel de médico. Foi com ela para o hospital, acompanhou o que se passava e certificou-se de que Elizabeth receberia o atendimento adequado. Viu quando um rapaz chegou carregando um bebê. Nervoso, ele perguntou pela paciente Elizabeth Santos e afirmou ser da família.
Miguel tentou relembrar tudo que estava no relatório da investigação. Não lembrava de nenhum namorado, muito menos filho. E Elizabeth não tinha outro familiar além da irmã. Primeiro cogitou ser um namorado. Depois pensou na possibilidade de alguém estar tentando terminar o trabalho frustrado pelo colete no pátio da BTez. Por segurança aproximou-se e ficou observando o rapaz. Era jovem, com cabelo castanho claro cortado muito curto. Vestia um terno acinzentado com elegante gravata e carregava a criança, uma menina vestida toda em tons de rosa, com grande intimidade. Resolveu se aproximar.

- Boa tarde. Você perguntou pela Elizabeth?
- Sim. – O rapaz o olhou de cima a baixo. – Quem é você?
- Um amigo. Miguel de La Vega Benitez. Fui eu quem trouxe Elizabeth. – Estendeu a mão. – E você? Quem é?
- Apesar de não dever explicações a um dos investigados de Elizabeth, sim eu sei que o senhor não é um amigo, e sim o suspeito de um crime, eu responderei. – Ainda assim apertaram as mãos. – Sou Matheus. Um amigo de Elizabeth e Beatriz.

Foram interrompidos por uma linda loura que entrou correndo na recepção. Estava com a face corada e a respiração acelerada.

- Matt! Que bom que pode vir. Eu fiquei tão nervosa!
- Claro que eu viria. Somos um trio! – Ele passou a bebê para a jovem. – Pegue Eva. Ela está nervosa sem a mamãe e a tia.
- Vem bebê. – Mais calma Beatriz encarou Miguel. – E você, quem é?

Era chato, mas ele preferiu, por hora, ser sincero.

- Sua irmã está me investigando e foi até a minha empresa...para me prender... provavelmente. Sou medico e prestei os primeiros socorros antes de a ambulância chegar. Então vim acompanhando-a, para não vir sozinha. – Estendeu novamente a mão. – É um prazer te conhecer, Beatriz.
- Se você ajudou minha irmã, digo o mesmo. – Ela sorriu. – Mas saiba que, com ou sem tiro, se ela foi lá para te prender, fechará as algemas logo.
- Bom, eu espero conseguir provar minha inocência e não seja necessário ela voltar lá para me prender. Agora, se me permitem, vou voltar pra casa. Foi um dia cheio de emoções. Por favor, Beatriz, diga para Elizabeth que desejo vê-la bem em breve, se por acaso e ela ainda quiser me prender ou em outra situação. – Com um charmoso sorriso ele se despediu.

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